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Gustavo Espinoza M.*
Recentemente circulou no Peru uma convocação referente ao cenário político atual e os enganos que assomam no horizonte nacional relacionados com as disputas eleitorais já em pleno desenvolvimento.
Em quatro portais de Internet: “Ponto de Vista e Proposta, Nossa Bandeira, Jornal de Arequipa e Peru Insólito”, além de muitas adesões no Facebook, o texto levanta três bandeiras inerentes ao processo social do país: Democracia, Independência e Soberania.
Essas, seguramente, estão claramente próximas aos interesses populares e distantes da maneira nítida e rotunda da política da classe dominante, sustentada num rumo de submissão e servilismo que constitui escarnio aos interesses do país. Abordam um só propósito: somar forças para impulsar um processo libertador que se fortaleça na sociedade de nosso tempo e possa marchar por caminhos próprios.
Para que esses caminhos sejam tangíveis, reza o texto: “há que construir a unidade de todas as forças suscetíveis de estarem juntas contra o inimigo principal de nosso povo – o imperialismo e seu instrumento mais direto – a máfia apro-fujimorista- e dar passo a um novo cenário nacional em que seja possível desencadear a luta social em melhores condições que antes”.
A declaração suscitou interesses saudáveis mas também encontrou certa resistência. Ainda que de acordo com o objetivo, há quem crê ter encontrado no texto uma “certa tendência” a um suposto “oficialismo” escondido. É que, quando se fala das “forças suscetíveis de se unirem”, imagina-se o Partido Nacionalista, ou mais precisamente, o movimento aluvial que se identificou com a candidatura de Olanta Humala apoiada logo pela esquerda. Isso gera certo cepticismo e também rechaço.
É compreensível que isso ocorra: a Política concreta do atual governo não se diferencia substantivamente das administrações anteriores, turvamente manejadas pelo Fundo Monetário Internacional e mantidas pelas correias do “modelos” neoliberal imposto contra os interesses do país e do povo.
A presença constante de um ministro de economia virtualmente imposto pelo grande capital, as facilidades outorgadas ao investimento estrangeiro, os privilégios concedidos à classe dominante, a repressão muitas vezes desenfreada contra determinados contingentes do movimento popular e o errático impulso autoritário manejado pelas altas esferas do poder nos anos da gestão do atual mandatário, gerou um clima compreensível de desassossego que se explica, adicionalmente, pelo desencanto e a desilusão.
O não “somar” o “ollantismo” como parte dos “inimigos do povo”, despertou uma certa desconfiança e uma dose de irritação, em alguns casos de boa fé, e em outros de simples preconceito.
Não obstante, o que deve ser levado em conta, é que o apelo está orientado a ver o horizonte do país ameaçado, em primeiro lugar, pelo perigo de regresso ao Poder das máfias que submeteram o Peru na barbárie e o terror nas últimas décadas do século XX e mostraram os dentes sob a recente administração de Alan Garcia. Hoje, este aspira a um terceiro mandato, muito mais submetido aos interesses do império, e estreitamente vinculado à máfia fujimorista.
Não é um perigo abstrato nem uma ameaça tola, mas, um fato que flui da realidade viva a que devemos enfrentar em toda sua dimensão, posto que constitui o elemento mais perigoso de nosso tempo.
E há que ver as coisas também no cenário continental, quando nos povos situados ao sul do Rio Bravo, cresce uma força que transborda fronteiras e aponta para a unidade continental na luta contra o imperialismo. É indispensável, então, ver o cenário nacional não como um fator isolado e encerrado, mas como parte de uma batalha integral pela defesa dos recursos naturais, a soberania e as populações originárias.
Isto parece ainda não ter sido inteiramente compreendido pelos que veem a luta política como um confronto interno, doméstico, pequena, aldeã.
É bom que se reflita sobre o tema, porque pode-se estar seguro de que a batalha dos povos de América Latina contra o império, não se desenvolve só em cada país, mas que é um atuar mais amplo que interconecta as experiências e coloca a todos os povos como destacamentos – una mais avançados que outros- no âmbito da mais dura confrontação de nosso tempo.
Nessas circunstâncias, não há que ter ilusões com nenhuma das forças que integram a classe dominante. Porém, é indispensável também perceber que nem todos representam exatamente o mesmo em todas as condições e momentos; e que nem todos constituem o mesmo nível de ameaça contra os povos.
A vida mesma nos obriga a diferenciar umas foras de outras, procurando desmascarar, isolar e derrotar as piores.
Para conseguir isso requer-se construir “poder popular”, que deveria ser uma estrutura material, mas que pode constituir-se como uma corrente de opinião e uma vontade comum, em que confluem segmentos separados por diferencias pontuais mas dispostos a enfrentar –e derrotar- os principais inimigos de nosso povo.
Travar a luta com esse entendimento, implica enfrentar uma tarefa política e não eleitoral. É claro que em uma determinada circunstâncias, ela pode tomar a forma de uma disputa eleitoral mas não se deve deixar iludir, porque essa não é a batalha principal. Esta é política. E requer, de cada um de nós uma resposta também política.
A unidade não é só uma soma de forças, posto que implica a capacidade das forças que se unem para concretizar acordos válidos para todos. Eles constituem o pilar da unidade que se forje e integram o programa ineludível que consolida a ação conjunta..
Nas condições de hoje, no cenário de nosso país, o que necessitamos produzir, e estamos em capacidade de fazer, é um governo eficiente e honrado. Isto é, que saiba derrotar e domar a abusiva casta burocrática que “retém” todas as possibilidades de integração da cidadania; e que maneje os recursos do Estado do povo de maneira responsável e pura. Atuar assim é aplicar formas realmente revolucionárias, que desprezem os procedimentos perversos estimulados em décadas passadas. É também progredir em uma rota emancipadora e solidária. Conseguir, está na capacidade de nosso povo.
Por isso, o tema de fundo não é eleitoral. As eleições municipais e regionais de 2014, e também as nacionais de 2016, não resolverão de per se os problemas do Peru. Poderá haver avanços em algumas coisas se as condições favorecerem; ou a luta do povo terá de ser colocada em outro nível caso isso não ocorra. Contudo, para uma e outra via –sendo ambas de futuro- requer-se converter a palavra em organização, a corrente em força real, a vontade, em disciplina.
Por tudo isso não cabe ainda proclamar candidatos para as eleições nacionais, nem apoiar alguém em particular. Poder-se-á fazer depois, posto que se subsiste a divisão e a dispersão, todos afundaremos e só a máfia poderá aparecer como vitoriosa. Se, ao contrario, formos capazes de juntar numa só expressão a unidade democrática e popular que sonhamos, a vitória estará garantida, qualquer que seja o nome ou a identidade do candidato.
Em outras palavras, não são caudilhos messiânicos os que poderão desempenhar um papel protagônico nesta luta. Terá de ser as massas populares e os homens e mulheres quando saibam interpretar seus anseios e projeta-los para iluminar o caminho indispensável; forjando um governo digno de nosso povo. Parafraseando a Mariátegui, queremos um Peru Novo em um novo cenário latino-americano.
*Colaborador de Diálogos do Sul