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TogglePara alguns, a crise política da Sexta-Feira Santa (29), no Peru, culminou com o discurso da presidenta no Palácio, calorosamente aplaudido por seus ministros. Para outros, assomava quando a Chefe de Estado apareceu nas escadarias do Palácio do Governo, escoltada por militares saudando a troca de guarda no domingo ao meio-dia.
Para terceiros, o ápice foi finalmente na noite de segunda-feira (1), quando juramentaram seis novos titulares no Gabinete Ministerial. Para os quartos, a situação ficou tensa quando o Gabinete Rolex obteve uma pequena votação no Congresso na quarta-feira (3). Na verdade, todos tinham um pouco de razão, e ninguém a tinha em absoluto.
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Todos um pouco porque a crise da Semana Santa exigia uma ação rápida, quase imediata. E nenhum, porque ela é tão profunda que não tem fim. Dito de outra forma, terá desfechos sucessivos, e cada um deles parecerá ser o último. Na realidade, o que acontece é que a presidenta enfrenta um processo de queda inevitável. Vive em contagem regressiva.
Denúncia “rolex”
Parecia que esta crise teve uma origem negligente. A denúncia de “La Encerrona” era anedótica. Referia-se apenas a um relógio que brilhava ostensivamente na presidenta e que, no entanto, passara despercebido para muitos. O tema podia ser esclarecido logo, mas, como advertiu Maquiavel, o diabo meteu sua cauda, e Dina se enredou, pegando-se em falta. E assim aconteceu, porque não conseguiu dar uma explicação coerente, nem crível. Dessa forma, gerou uma bola de neve que foi crescendo a cada dia, senão a cada hora. Tudo o que veio depois foi a consequência natural da bagunça inicial.
Os eventos posteriores não fizeram senão agravar a crise. Em dias subsequentes, soube-se que não se tratava de um Rolex, mas de quatro e até 15 relógios de alta gama, como se a senhora em questão tivesse decidido dedicar-se a vender relógios depois de sair do Palácio, para financiar sua vida. Mas não se falou só de relógios. Também de pulseiras, colares e outros adornos extravagantes, todos retirados de alguma novela de romance. Quase meio milhão de dólares em jóias da Realeza.
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Por isso, o discurso da Presidenta resultou vago. Não disse a única coisa que tinha que dizer: de onde veio uma quantidade de joias que constituíam algo como um pecado capital na Semana Santa. Por isso, evitar o tema para dizer apenas que falar dele é “atacar a Democracia e colocar em risco a estabilidade do país” é pouco menos que uma afronta à inteligência e ao senso comum dos peruanos.
Demonstração pública
A foto com os “Mandos” é uma encenação. Tenta demonstrar que “os militares a apoiam”, o que poderia ser verdadeiro se limitassem o tema ao caso dos peruanos assassinados no passado recente. Claro, a apoiam para que não se investigue nada nem se castigue ninguém. Então, é o contrário. Não a apoiam: apoiam-se nela para garantir impunidade. Quando se sentirem seguros de tê-la conseguido, esquecerão Dina como uma espora vencida. Além disso, estiveram ali porque ela é “sua Comandante em Chefe”. Quando a árvore cair, esse pavão dormirá no chão, como qualquer animal. Verão isso em breve.
O do Gabinete tem outro significado, as mudanças que se inserem nesse cenário só revelam o pânico que corrói as entranhas de Dina. Sem dúvida, está aterrorizada e busca por isso cercar-se de incondicionais. Premia um deles com a Educação. Mas mantém em sua esfera de influência a titular da Cultura, a da Moradia e Construção e o da Mineração – sócio da Southern. Eles haverão de graduar-se com Medalha de Ouro, como ilustram as botas da presidenta.
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A outra face do “novo gabinete” mostra o desejo de agarrar-se a qualquer coisa para não cair. Por isso, colocou um do Avança País, outro do Somos Peru e um terceiro do Partido Morado, que já tomou distância. Inclusive, um titular do Interior que poderia ir preso por delitos comuns.
“Caderno de ocorrências”
Claro que aí não termina a coisa. O caso do “caderno de ocorrências” perdido é quase a cereja do bolo. Haverá de aparecer, sem dúvida, com alguma nova notícia. E será um passo mais para o mais longe. Por ora, o Fujimorismo pode não pedir cargo algum – para não “se queimar” –, mas isso não o impedirá de co-governar para impor “sua linha”. Pressionará até o fim, mostrando sua maior ferramenta persuasiva: seus votos no Parlamento para a vacância presidencial.
O previsível é que ela não se produza em 2024, porém mais adiante. A Constituição assinala que o Congresso não poderá ser dissolvido no último ano de seu mandato. Os legisladores terão, nessa circunstância, carta livre. Poderão desprender-se de Dina e jogá-la fora como quem se descarta de um papel higiênico. Nesse instante, não a necessitarão para nada.
Entretanto, a trama Boluarte-Oscorima buscará “dar-lhe saída” para o tema dos Rolex com uma versão simplificada.