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“Quando em 2018 o Peru comemorar os 50 anos da insurreição velasquista, talvez se possa falar em outro nível sobre o papel da classe operária, observando-a com maior respeito. As novas gerações de trabalhadores merecem.”
Gustavo Espinoza M.*
Em 3 de outubro se comemora no Peru 49 anos da insurreição velasquista. Em 1968 um general do Exército – Juan Velasco Alvarado – e quatro coronéis optaram por tomar o poder no que inicialmente pareceu ser mais um novo golpe militar com os que soem ocorrer na América Latina.
Transcorridos apenas seis dias, em 9 de outubro, a cidadania peruana pode perceber que se tratava de um acontecimento com outro significado. Era o início de um processo de profundas transformações sociais que remexeu com a própria base da sociedade peruana.
Hoje, sob o governo de Pedro Pablo Kuczynski, alguns meios de comunicação abordam o tema cautelosamente. São de modo geral hostis aos militares de 1968 qualificando-os apenas de “golpistas” e minimizando a importância desse fenômeno que soou em nosso continente como uma nova voz na luta contra a dominação imperialista.
O denominador comum na lembrança desses meios é o de afirmar a ideia de discriminar e marginalizar a participação dos trabalhadores peruanos, e ocultar completamente a luta e as ações da CGTP – Central Geral dos Trabalhadores Peruanos, como se ela não existisse.
A falsidade extrema dessa linha de pensamento se evidencia quando se evoca a história tal como foi e se recorda o ódio expressado diariamente e sem tréguas pela classe dominante, contra os trabalhadores e seus instrumentos de luta.
É bom enfrentar essa grosseira tergiversação da história do Peru, recordando que a CGTP, teve um papel notável nesta etapa da história peruana. Sua luta contribuiu para dar sentido e consistência a uma ação que – liderada pelos setores mais progressistas das forças armadas – interessou vivamente a todos os peruanos. Na vanguarda deles a CGTP cumpriu uma destacada função.
Nesse marco é bom desfazer alguns mitos criados em torno do tema:
1. A CGTP “foi criada graças a Velasco Alvarado”.
Não é verdade. A CGTP foi fundada originalmente em 1929 por José Carlos Mariátegui, e colocada na ilegalidade em março de 1932 pela ditadura militar de Sánchez Cerro. Embora seguisse existindo na ilegalidade até 1937, a verdade é que foi quebrada pelas sucessivas ditaduras reacionárias peruanas. Finalmente, depois de frustradas experiências unitárias, em 1962 e 1963, foi reconstituída em 1968, combatendo firmemente o governo pró imperialista de Fernando Belaunde que pactuou com a International Petroleum Company a entrega do nosso ouro negro por 40 anos.
É bom recordar que, em agosto deste ano, dois meses antes do 3 de outubro, a CGTP desenvolveu o Grande Fórum Nacional exigindo a expulsão da IPC e a nacionalização do petróleo. Personalidades como Alfonso Benavides Correa, Germán Tito Gutiérrez, Efraín Ruiz Caro, Alberto Ruiz Eldredge, Alfonso Montesinos, o general César Pando, entre outros, tiveram ativa participação nesse encontro que foi secundado por diversas greves operárias e outros conflitos liderados pela central.
2. A CGTP “cresceu graças ao apoio do governo militar”.
Falso, também. O governo militar de 1968 nunca apoiou a CGTP, nem lhe brindou com facilidades. A tarefa da central, cumprida rigorosamente, foi a de unir os trabalhadores com uma mensagem “mariatéguista”; organiza-los em todos os níveis; politizar suas ações em função dos interesses do país e promover suas lutas.
Milhares de greves operárias ocorreram nos sete anos de governo progressista, e neles o movimento operário soube exercer sua vanguarda, fortalecendo a consciência de classe. Em todos esses anos a CGTP, respaldando firmemente o processo de mudanças manteve uma nítida independência em relação ao governo e aos partidos políticos – que respeitaram sua condição de frente única da classe trabalhadora – e manteve alçada a bandeira do proletariado.
A central mariatéguista só foi reconhecida depois de três anos do governo militar, em janeiro de 1971, quando os militares compreenderam que a CGTP satisfazia todos os requisitos legais para existir formalmente, e que sua contribuição era decisiva para ganhar a consciência e apoio de amplos setores dos trabalhadores do país.
3. “O governo se valeu da CGTP para enfrentar a APRA no movimento operário”.
Falso. A APRA atuava como outros partidos políticos e não como uma central sindical. Por outro lado, tinha dividido o movimento operário por interesses partidários e para conseguir acordos políticos com a oligarquia e o empresariado peruano. Tinha convertido a CPT – central existente a partir de 1944 -, em seu apêndice partidário e quebrado a unidade sindical para aliar-se com os patrões.
O governo militar manteve com a CTP os mesmos vínculos que teve com outras centrais sindicais, e como esta central não representava realmente os trabalhadores não podia resolver nenhum conflito sindical.
O governo, sim, valendo-se de conselheiros erráticos que ostentavam a condição de “assessores” no SINAMOS e outras dependências, optou por criar sua própria central sindical, a CTRP e forjar seu próprio movimento, o MLR, entidades que naufragaram por carecer de base social própria, o que certamente nunca aconteceu com a CGTP.
Independentemente de suas divergências com o governo de Velasco Alvarado, a central operária apoiou seus objetivos nacionais e envidou valioso esforço para firmar na consciência dos peruanos um sentido verdadeiramente patriótico e anti imperialista.
Quando em 2018 o Peru comemorar os 50 anos da experiência velasquista, talvez se possa falar em outro nível sobre o papel da classe operária peruana, observando-a com maior respeito. As novas gerações de trabalhadores merecem.
*Colaborador de Diálogos do Sul, de Lima, Peru