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Pesquisas eleitorais e meios de comunicação: construtores de quimeras

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Como se ganha eleições utilizando pesquisas, redes sociais, localizadores e outros. Para manipular eficazmente às pessoas é necessário fazer todos acreditarem que ninguém os manipula.

Sergio Rodríguez Gelfenstein*
Pesquisas eleitorais e meios de comunicaçãoO fenômeno das pesquisas em tempos eleitorais  e o aparecimento de empresas que realizam esse serviço começa a preocupar o ambiente político em todo o mundo. Isso se inscreve numa lógica  de racionalidade que se sustenta em argumentos científicos que permitem entregar informação aos atores políticos e aos próprios eleitores com relação a aceitação ou não de um candidato. Ninguém pode duvidar que a estatística seja uma ciência (alguns a definem como metodologia) que trata da coleta, apresentação, análise e interpretação de dados, bem como da projeção e inferência deles. Existem, desde tempos imemoriais, se sabe que já na antiguidade era utilizada para realizar censos e fazer o controle sobre o pagamento de tributos.
Não obstante, é desde épocas bem mais recentes, concretamente desde o século XVII, quando surge como ciência com os primeiros estudos de teoria de probabilidades, a qual se constitui posteriormente na base matemática da estatística moderna, ainda que de forma paradoxal, a mesma floresce vinculada aos jogos de azar e aparentemente, -à luz de seu uso na política- ainda hoje mantém-se vinculada a eles. Foram os jogadores que procuraram os cientistas da época para elaborarem métodos e teorias que lhes ajudassem a ganhar em suas apostas de fortuna.
Segundo o professor Murilo Kuschick, pesquisador do Departamento de Sociologia da Universidade Autônoma Metropolitana de México, as pesquisas de opinião começaram a ser utilizadas para antecipar resultados eleitorais na Europa e Estados Unidos no século XIX. Para o pesquisador mexicano, a primeira pesquisa eleitoral foi publicada em 24 de julho de 1824, no jornal diário Harrisburg Pennsylvanian, “não obstante, foi só a partir de 1896 que a converteram num negócio rentável”, enquanto que foi entre 1924 e 1928 que se publicou nos Estados Unidos a primeira pesquisa falsa, realizada pelo semanário Literary Digest.
Em 1936, essa editora “enviou 20 milhões de volantes a assinantes e compradores de suas revistas e jornais, e também de nomes tirados das listas telefônicas e de proprietários de automóveis para predizer os resultados da eleição deste ano”. Apesar disso falhou no prognóstico do ganhador que sem foi acertado pelo jornalista George Gallup, que tinha projetado um método diferente fundado em quotas referentes às diferentes categorias de acordo com a renda nos resultados: 20% de ricos, 60% de classe média e 20% de pobres. Essa metodologia se impôs à anterior já que, sem ser totalmente exata, era mais próxima da realidade, mais barata e mais rápida. Por isso interessou aos meios de comunicação que começaram a utilizar como instrumento para divulgar uma notícia que interessava a seus leitores, dando supostas premissa de que previam ganhadores e diminuam incertezas todo o que supunha um aumento considerável nas vendas de exemplares para o público, bem como de publicidade para suas páginas, sobretudo em períodos eleitorais.
Nos últimos anos os meios de comunicação e certo tipo de empresas, algumas de duvidosa reputação, descobriram o valor desse tipo de estatística como instrumento de manipulação através da construção e venda de “verdades” que atraem a atenção do público a partir da morbidade que o suposto conhecimento dos fatos futuros produz nos seres humanos. Na prática, esses mercadores da ciência fazem que os cidadãos acreditem que sabem com antecedência quem será o ganhador e os que serão derrotados e porque. Por tudo isso esse valioso instrumento se converteu num vulgar espetáculo de engano que dá aos meios de comunicação e as empresas de pesquisa a possibilidade de vender mais publicidade e aumentar seus ingressos econômicos, sem que vigore o mais mínimo recato moral ou ético por uma prática sem dúvida simulada e fraudulenta, criada para enganar à cidadania.
Charge2012-margem_de_erro-710054O fato de que, apesar da acumulação de erros sobre erros, essas empresas continuam a ser requisitadas para as próximas eleições, faz a gente pensar que os atores políticos conhecem essa situação e são cúmplices dela. Finalmente, as empresas de pesquisa dizem o que querem que diga quem as contrata e se não é assim, simplesmente deixam de publicar, o que pode ser válido para quem pratica, mas não para a cidadania que está sendo influenciada por grotescas manipulações de dados e cifras. Há que lembrar que na definição que fizemos de estatística no início deste texto, também inclui a projeção e interpretação dos dados (é o que fazem os meios de comunicação), não só a coleta (realizada pelas empresas de pesquisa), que hoje estão transformadas em gurus da política graças às bondades da democracia representativa liberal.
Em outras palavras, as empresas de pesquisa eleitoral fabricam as verdades que os meios de comunicação pedem, e com isso, os meios, por sua vez, fabricam verdades que permitem influir, gerar matrizes de opinião e determinar comportamentos, que são comprados por políticos e candidatos que por sua vez vendem  para “autoconstruir-se” como exitosos. Dessa maneira, todos ganham, os meios de comunicação aumentam seu poder e capacidade de controle e domínio ideológico, bem como de elevar seu prestígio, e tudo é considerado mercadoria que se vende sob os fluxos  da lei da oferta e procura, que opera a partir da influência que exercem na vontade dos cidadãos, portanto, na parte da subjetividade do indivíduo, que pode ser conduzido a evitar ou provocar uma mudança em sua decisão eleitoral.
Aqui funciona a condição natural de “jogar para ganhar” por um lado e a ideia arraigada de que “se é o que dizem os números é verdade”, por outro, transformando esse valor quantitativo em valor qualitativo quando se toma uma decisão e se exerce o direito ao voto.
Não obstante, a realidade dos fatos ocorridos em diferentes lugares do planeta durante este ano, está demonstrando a falsidade dessas empresas criadoras de quimeras. Os resultados do Brexit, na Grã Bretanha, que determinou a saída desse país da União Europeia; o plebiscito que deveria confirmar os acordos de paz entre a guerrilha e o governo da Colômbia; as eleições presidenciais nos Estados Unidos que culminaram com o triunfo de Donald Trump e sua designação como presidente; e, mais recentemente, as eleições internas na França, em que a direita passou para o segundo turno com François Fillon e Alain Juppé, deixando fora a Nicolás Sarkozy. Em todos esses casos as empresas de pesquisa eleitoral se equivocaram. São manifestações claras de sua falsidade e da manipulação dos meios de comunicação, os mesmos que hoje dão como favoritos a Ricardo Lagos e a Sebastián Piñera para a próxima eleição presidencial no Chile. Atenção, favorito para os 34% que vota nesse país, a maioria, palavra sagrada na democracia, segundo se ensinava no passado, não tem interesse de participar dessa farsa para eleger o corrupto da vez.
Não obstante, haverá novas eleições e as empresas de pesquisa terão trabalho, voltarão a fabricar sonhos, ilusões e utopias, as transnacionais da informação e seus servidores locais de novo publicarão as invenções, ficções e fantasias. Será mais uma “festa da democracia”, outro negócio para os poderosos, outro show de fantasias para tontos que continuam acreditando nos perversos desplantes mediáticos.
 
*Da equipe fundadora de Barómetro, de Caracas, Venezuela.
 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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