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Por que as regras da Previdência Social são diferentes para homens e mulheres no Brasil?

Com uma nova reforma da Previdência Social em pauta, volta ao debate a discussão sobre as diferenças nas regras de acesso à aposentadoria
Thais Folego
Revista AzMina
São Paulo (SP)

Tradução:

Toda vez que uma reforma da Previdência é apresentada ao Congresso, volta ao debate público a discussão sobre as diferenças nas regras de acesso à aposentadoria para homens e mulheres no Brasil.

Não é diferente agora, com a proposta feita pelo governo de Jair Bolsonaro. Ela prevê que a idade mínima para aposentadoria das mulheres suba de 60 para 62 anos para trabalhadoras urbanas e de 55 para 60 anos para trabalhadoras rurais, mantendo a idade mínima de 65 anos para os homens.

Por que as regras são diferentes? As mulheres não deveriam ter os mesmos deveres, já que reivindicam os mesmos direitos? Essa mudança prejudicaria mulheres? Sobram perguntas e, muitas vezes, faltam dados para embasar os argumentos.

Por isso, a Revista AzMina ouviu uma especialista, buscou estudos e desbravou indicadores socioeconômicos para explicar por que a diferença existe, se ela ainda é necessária e possíveis caminhos para superá-la.

Segundo um estudo do IPEA, essas diferenças de idade e tempo de contribuição entre homens e mulheres parte de um princípio de justiça para compensar as desigualdades de gênero que fazem com que a inserção de homens e mulheres no mercado de trabalho aconteça de forma diferente, segundo pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

No estudo “Previdência e gênero: por que as idades de aposentadoria de homens e mulheres devem ser diferentes?”, de 2017, eles explicam que a Previdência Social é hoje a principal política que faz a conexão econômica entre o trabalho remunerado e o trabalho não remunerado da reprodução, dando uma compensação pelo o sobretrabalho feminino acumulado ao longo da vida ativa da mulher.

Ou seja, é uma forma de compensar e reconhecer o trabalho que a mulher exerce cuidando dos filhos e da casa.

“Esse reconhecimento econômico por meio do Estado, na forma de um direito, é em si transformador porque relativiza a hierarquia entre trabalho produtivo e reprodutivo e, assim, contribui para alterar sua correlação de forças”, dizem os pesquisadores do Ipea.

Com uma nova reforma da Previdência Social em pauta, volta ao debate a discussão sobre as diferenças nas regras de acesso à aposentadoria

Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Com a Reforma da Previdência no Congresso, os debates sobre as regras diferentes entre homens e mulheres volta à cena

Quais são as regras atuais

Pela lei atual, os trabalhadores podem se aposentar de duas maneiras: por idade mínima ou por tempo de contribuição ao INSS ((Instituto Nacional do Seguro Social). Ambos têm exigências diferentes para homens e mulheres.

Para a aposentadoria por idade, homens devem ter 65 anos e mulheres, 60 anos – desde que tenham contribuído pelo menos 15 anos para o INSS. Para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, são 35 anos para homens e 30 para mulheres e não há exigência de idade mínima.

A mesma diferença vale para a concessão das aposentadorias rurais, mas com exigência reduzida da idade: 60 anos para homens e 55 para mulheres, com comprovação de um tempo de contribuição mínima. 

“O que chama atenção nessas regras é como elas operam na vida real”, diz Marilane Oliveira Teixeira, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade de Campinas (Unicamp).

Ela conta que no Brasil dois terços das mulheres se aposentam por idade mínima e um terço por tempo de contribuição. No caso dos homens essa relação é inversa: a maioria deles se aposenta por ter contribuído pelo tempo necessário e apenas um terço pela idade mínima.

Isso acontece porque as mulheres enfrentam problemas para entrar e também para permanecer no mercado de trabalho.

Por isso, transitam mais na informalidade e no desemprego, o que dificulta atingir e comprovar o tempo de contribuição necessário para se aposentarem, explica a pesquisadora.

“Mulheres se afastam na idade reprodutiva e muitas vezes não conseguem retornar ao trabalho por falta de políticas públicas, como creches para deixar seus filhos”, diz Marilane.

A taxa de desemprego entre as mulheres era de 15% no primeiro trimestre de 2018, bem acima dos 11,6% dos homens, segundo dados do Ipea compilados a partir da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE.

A desigualdade também aparece na renda. O rendimento médio real feminino era de R$ 1.853, enquanto o masculino de R$ 2.408, mesmo as mulheres tendo mais anos de estudo que os homens, também segundo dados do IBGE.

Se essas desigualdades não forem levadas em conta no cálculo da idade ou tempo de contribuição para aposentadoria, corre-se o risco de penalizar a segurança de renda das mulheres, na avaliação dos pesquisadores do Ipea.

“Como as mulheres dedicam, em média, menos anos ao trabalho produtivo remunerado e ganham menores salários, acumulam menos requisitos de acesso à proteção social que se baseia neste trabalho; ao mesmo tempo, acumulam requisitos no trabalho reprodutivo não remunerado (cuidado com os filhos e trabalho doméstico)”, explicam. 

Dupla jornada de trabalho

As desigualdades presentes no mercado de trabalho refletem o peso das convenções da sociedade, que delegam às mulheres a responsabilidade pelo cuidado da família e pelo trabalho doméstico não remunerado, ainda que ela trabalhe fora.

A jornada dupla é uma realidade na vida das mulheres mais do que na dos homens. Segundo a Pnad de 2014, cerca de 90% das mulheres ocupadas em atividades urbanas cuidavam dos afazeres domésticos. Entre os homens ocupados, essa taxa cai para 52%.

Seriam necessários 190 anos para que 90% dos homens ocupados se envolvessem em tarefas domésticas, segundo as contas dos pesquisadores do Ipea considerando a evolução desse indicador entre 1995 e 2014.

A dupla jornada acaba excluindo mais as mulheres dos espaços públicos, além de diminuir o acesso ao emprego e à valorização profissional.

Elas trabalham, em média, 20,9 horas por semana em afazeres domésticos e no cuidado de pessoas, quase o dobro das 10,8 horas dedicadas pelos homens, segundo a Pnad de 2017. Ou seja, 10 horas de trabalho representaria um dia de trabalho a mais por semana – e ainda sobram duas horas!

E mesmo os trabalhos remunerados acabam por trazer características dos trabalhos de cuidados e doméstico. Exemplo disso é a predominância de mulheres nas áreas de pedagogia, enfermagem, psicologia, assistência social, limpeza, beleza e atendimento ao público.

Argumentos para igualar idade

No contexto de entrada massiva da mulher no mercado de trabalho, a justificativa para a manutenção da diferença de idade de aposentadoria entre os gêneros passou a ser questionada.

Entre os principais argumentos em defesa da equiparação das idades de aposentadoria para homens e mulheres, se destacam a diferença de expectativa de vida entre homens e mulheres.

De fato, ao nascer a expectativa de vida de um homem era de 72,5 anos em 2017, enquanto a das mulheres era de 79,6 anos, portanto, 7 anos de diferença, segundo dados do IBGE. Mas aos 65 anos, idade da aposentadoria, essa diferença cai para apenas 3 anos.

Outros argumentos costumam partir da percepção de que as desigualdades de gênero diminuíram. A ideia de que a dupla jornada das mulheres seria contrabalançada pela jornada mais extensa de trabalho remunerado dos homens, além da ampliação da participação das mulheres no mercado de trabalho.

Uma proposta para a Previdência

Diante do envelhecimento da população brasileira, que vai aumentar consideravelmente as despesas do país com a Previdência Social, as preocupações com o tema são legítimas. A questão é se as propostas apresentadas vão aprofundar as desigualdades já existentes.

Segundo a pesquisadora da Unicamp Marilane, para promover uma mudança nas condições de aposentadoria de homens e mulheres, seria necessário primeiro observar a redução das desigualdades de gênero no país, assim como a que já ocorreu em países desenvolvidos – onde há uma tendência de igualar as idades de aposentadoria.

Os pesquisadores do Ipea sugerem como alternativa criar indicadores que pudessem medir essa redução das desigualdades. Assim, à medida que estes fossem se alterando, uma quantidade “x” de anos seria reduzida do diferencial de idade hoje existente, de cinco anos.

Para eles, seria fundamental considerar fatores como a diferença na quantidade de horas gastas em trabalho produtivo e reprodutivo entre homens e mulheres, o percentual de homens que realizam afazeres domésticos, o diferencial nas taxas de desemprego e de rendimentos entre os gêneros e a taxa de participação feminina no mercado de trabalho.

Para eles, não se trata de defender o diferencial de idades como bastião da implementação da igualdade de gênero na sociedade, mas sim de pensar em políticas públicas a partir de dados da nossa realidade.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Thais Folego

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