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“Que tudo se exploda”. Tanto o candidato à presidência da Argentina pelo partido A Liberdade Avança (LLA), Javier Milei, quanto a terceira colocada Patricia Bullrich, da coalizão Juntos pela Mudança (JxC), têm apostado no caos político e econômico para tirar a possível vitória eleitoral do peronista Sergio Massa, da Frente de Todos (FdT).
Massa, apoiado pelo kirchnerismo, venceu o primeiro turno da disputa presidencial, realizado no domingo (22), e agora concorre ao posto pela Casa Rosada com o extremista Javier Milei. Os candidatos obtiveram 36,7% e 30% dos votos, respectivamente. Ambos disputam os eleitores de Bullrich, que obteve 23,8%. O segundo turno das eleições será realizado em 19 de novembro.
Desde o final de semana o noticiário argentino tem sido dominado por imagens de carros em longas filas para comprar combustíveis e postos de gasolina fechados, além de depoimentos de cidadãos com dificuldade para encontrar combustível.
O tema, obviamente, entrou na disputa eleitoral e, como denunciam os massistas, tem sido usado como instrumento da direita para atacar o governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, sua vice-presidenta e do qual Massa é ministro da Economia.
A manipulação se dá em vários níveis. A mais emblemática foi protagonizada por Milei que encenou estar em uma fila em um posto de gasolina no norte de Buenos Aires. A ação foi planejada com o objetivo explícito de angariar apoios nas redes sociais e atacar Massa.
Do outro, o candidato e ministro da Economia, Massa, tratou de consertar a situação com um ultimato às refinarias: “se o abastecimento não for normalizado até meia-noite de terça-feira, a partir de quarta não vão poder exportar sequer um navio”.
No centro da disputa está o que muitos na Argentina consideram ser uma ação especulativa por parte de empresas petroleiras para interferir nas eleições, mas também para forçar um aumento no preço dos combustíveis, que é subsidiado pelo governo.
Para efeitos comparativos, o jornal Clarín desta segunda-feira (30) aponta que, no Brasil, o preço de um litro de gasolina custa US$ 1,23 (R$ 6,21), enquanto na Argentina o valor é de US$ 0,82 (R$ 4,19) pelo dólar oficial e US$ 0,32 (R$ 1,61) pelo dólar de “livre” liquidação (CCL). Os valores foram evidenciados como forma de dizer que aqui estão abaixo do mercado.
Para saber mais sobre a disputa eleitoral no país, confira nossa editoria especial: Eleições na Argentina.
Como resposta a essa especulação, em defesa do caráter público que deve ter o petróleo para o desenvolvimento da nação, vários sindicatos petroleiros chegaram a anunciar uma paralisação para esta quarta-feira (1º) como forma de denunciar a instrumentalização política de uma riqueza que deveria ser de todas e todos os argentinos. Esse é o tom da entrevista concedida pelo secretário-geral da Federação dos Trabalhadores do Setor Energético da República Argentina (FeTERA) Julio Acosta, em entrevista exclusiva à ComunicaSul.
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Foto: Gustavo Amarelle/Télam
Julio Acosta: Manipulação que está acontecendo agora não ocorre somente com os combustíveis, mas também com a energia elétrica
Manipulação patronal
De acordo com informações do Clarín, o desabastecimento de combustível tem ocorrido há 15 dias. As quatro petroleiras que operam na Argentina, YPF, Raizen, Trafigura e Axion Energy disseram, em comunicado emitido nesta segunda, que o problema ocorreu devido a um “nível de demanda extraordinário”, entre outras razões, como a paralisação da refinaria da YPF em La Plata e Luján de Cuyo, o que teria coincidido com a inatividade de outras refinarias.
Essa versão é negada pelo governo, que disse ter importado 10 navios com combustível para resolver o tema. Mas, como destacou o ministro Massa, a Argentina importa um tipo específico de diesel, usado na agricultura. A gasolina consumida no país é refinada em solo argentino.
“Se fala dos navios, mas o que se importa é diesel, não gasolina comum, não gasolina premium, essa é produzida na Argentina, e rapidamente apareceram os caminhões para abastecer os postos de combustíveis”, disse o ministro-candidato durante um encontro com líderes industriais, como reportado pelo jornal Página/12.
Liberalização total
A resposta do candidato de ultradireita Milei à situação foi estridente: “liberarei os preços e haverá combustíveis para todos”, escreveu em sua rede social X (antigo Twitter). “Nada que está nas mãos do Estado pode funcionar bem”, acrescentou.
Massa respondeu a Milei dizendo que o país, com a quarta maior reserva de petróleo do mundo, hoje tem o litro de gasolina a 300 pesos e, com o ultradireitista, o valor iria a 800. A diferença é paga pelo subsídio do Estado. “As pessoas têm que saber que isso faz nossa indústria competitiva. O valor do táxi, do ônibus, das verduras” essa liberalização, resume, “é a destruição do bolso dos argentinos”.
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A mensagem de Milei está de acordo com seu plano de governo, que defende a diminuição do Estado até sua quase extinção, a partir de uma confusa ideologia chamada “anarcocapitalismo”. Essa visão, alerta Acosta, conflita com o sensível Estado de bem-estar social que se tenta construir na Argentina. Para defender esse ponto, ele faz um breve histórico:
“Uma das lutas dos trabalhadores na década de 1990 foi para preservar o que chamávamos ‘renda energética’. Com a ‘renda energética’ — dos hidrocarbonetos das usinas hidrelétricas, etc. —este país se desenvolveu. Foram construídas ferrovias e pontes, represas com esses recursos.”
O líder sindical lembra que o tipo de manipulação que está acontecendo agora não ocorre somente com os combustíveis, mas também com a energia elétrica. Isso porque, elucida, quando as empresas não conseguem o reajuste de preço no valor que fixaram “recorrem a esses métodos [como o desabastecimento visto nesses dias]. Por isso são famosos os apagões, que prejudicam centenas de milhares de cidadãos na grande Buenos Aires”.
Resposta
Até o fechamento desta reportagem, na noite de terça-feira (31), a situação do abastecimento nas bombas não estava totalmente normalizada, segundo os meios de comunicação argentinos. Da sua parte, as principais petroleiras do país disseram, em nota emitida no final desta tarde, que “as ações implementadas nos últimos dias começaram a dar resultados e os postos em todo o país registraram um aumento no volume de combustível que estão recebendo”.
Enquanto isso, os principais jornais do país Clarín e La Nación destacavam o fato de que, a partir desta quarta (1º) haverá um aumento no preço dos combustíveis. Isso porque a partir desta quarta acaba o prazo fixado para a política de preços justos, espécie de congelamento de preços.
De acordo com o Clarín, “no entorno de Sergio Massa o desabastecimento dos últimos dias é visto como uma jogada das petroleiras para pressionar por um aumento maior do que o que tem previsto o governo. ‘Pediam 40% primeiro e depois baixaram a 20%. Não haverá 40% nem 20%, nem 10%. Mas algo terá”. Já a emissora C5N, revela que o governo tenta fixar o aumento em um valor em torno de 5%.
“As empresas petroleiras têm que saber que somos felizes quando aumentam suas exportações, somos gratos porque geram divisas para a Argentina, somos conscientes que geraram muitos recursos [no campo de] Vaca Muerta e muito trabalho em toda a cadeia de valor este ano, mas não podem tirar do bolso dos argentinos”, afirmou Massa ao criticar a ação das empresas.
Bem-estar X mal-estar
Para que esse cenário seja revertido, Acosta defende que “o caminho de privatização dos anos 1990 seja desfeito e seja recuperada a soberania energética na Argentina”. Esse, porém, não é o cenário colocado no contexto atual.
Para ele, o país luta para garantir o bem-estar social da população contra “o plano de criação de um estado de mal-estar no conjunto dos argentinos a partir da falta de um elemento essencial, como o combustível para favorecer um candidato de extrema-direita”.
O líder sindical traça ainda uma linha divisória bem demarcada. “Nós defendemos a democracia, ainda que seja imperfeita no que se refere a direitos, salários, desemprego, pobreza, indigência, mas consideramos que é o único sistema que nos permite alcançar novos direitos. Já a ultradireita o que quer é retirar todos esses direitos, acabar com a saúde e a educação públicas”.
Para que não reste dúvidas, ele destaca que, embora Massa não seja o candidato mais amado pelo setor, do outro lado está “a intolerância e o fascismo. Assim, está claro de que lado estamos”.
Vanessa Martina-Silva | Especial para ComunicaSul, direto de Buenos Aires, Argentina.
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