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Por que o “agro pop” não usa etanol para combater alta no preço dos combustíveis?

Empresários sucroalcooleiros inibiram até fabricação de carro elétrico, mas na hora da crise vendem açúcar e etanol mais caros para o primeiro mundo
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

A crise econômica cultivada pela política neoliberal do governo de ocupação — replicada pela pandemia — fez a fome no Brasil voltar a patamares anteriores à implantação do Bolsa Família pelo Partido dos Trabalhadores, até hoje criticada por “patriotas” de araque. 

A taxa de desemprego cresceu 19,7% em 2020. A produção industrial encolhe mês a mês, como manda o receituário do ministro da Economia, Paulo Guedes. Como se bem sabe, quando alguém perde sempre há quem ganhe. Pois, na corrida pelo lucro bilionário, os bancos lideram. O resultado do 4º trimestre de 2021 aponta o Santander Brasil como medalhista de ouro pela agressividade, seguido do Bradesco, que já tem agência operando sem caixa(!), Itaú e Unibanco. 

Por mais escandaloso que seja o faturamento do sistema bancário nativo, em tempos de peste — superou até a indústria farmacêutica — os usineiros seguem “comendo mingau quente pela beira”. E “fraturando”. Quem entende do babado garante: o setor sucroalcooleiro dá as cartas na “hora do vamos ver”. Antes mesmo da guerra da Rússia contra os EUA/Otan na Ucrânia o preço dos combustíveis já havia decolado. 

Empresários sucroalcooleiros inibiram até fabricação de carro elétrico, mas na hora da crise vendem açúcar e etanol mais caros para o primeiro mundo

Pixabay
O agronegócio não parece preocupado com o preço dos combustíveis

Confirma a cobertura completa da Diálogos do Sul sobre a Guerra na Ucrânia

A ditadura militar criou o Pro-Álcool, em 1975, e não poupou subsídios para estimular a participação de “empresários patriotas” no negócio. Porém, agora que o Brasil precisa de carro movido à álcool para superar a crise econômica que dizima a população, tais defensores do país viraram a casaca, seduzidos por “american dollars”. 

Após crescerem despudoradamente, o mínimo que o grupo teria de fazer era o uso extensivo do etanol em Pindorama: a alternativa barata de combustível para não travar ainda mais o desenvolvimento deste país com vocação de quintal dos EUA. O problema é que os usineiros só querem saber de aproveitar a situação e arrancar mais lucros. Investir em etanol e açúcar eles investem, mas só para exportação, muito mais rentável. O mercado brasileiro e seus pobres “que se lixem”.

Patriotismo de Conveniência

O empresariado do país é tão patriota quando Bolsonaro. “Quando foi interessante para os donos de usinas que não houvesse carro elétrico — concorrente do carro a etanol —, o país teve de se curvar à vontade deles”, desfecha Paulo Feldman, professor da FEA — USP, ex-presidente da Eletropaulo e de outras empresas de porte ao longo de 35 anos. 

Feldman se indigna com a postura do empresariado do setor. Justamente na hora em que o Brasil precisa dos usineiros, a quem ajudou, o mínimo de se esperar seria o aumento da produção para o consumo interno. Mas isso está fora de cogitação: “não é interessante para esse grupo”, aponta o docente, para quem o poder do lobby sucroalcooleiro se exerce não só sobre o executivo, mas sobre o Legislativo. 

Na falta do carro elétrico, o veículo movido a álcool representaria uma excelente solução, além de já estar implantado no país. Por uma regra definida há muito tempo, o preço do álcool é 0,7% o preço da gasolina. O Brasil poderia mudar o quadro, oferecer álcool muito mais barato. Na avaliação do economista, se o Brasil conseguisse ter pelo menos metade de sua frota à álcool já seria um exemplo para o mundo: “estaríamos mostrando como o álcool pode ser a grande solução para o futuro, junto ao carro elétrico”. 

Outra vantagem de uma política de popularização do uso do etanol seria acabar com o subsídio à gasolina. O governo títere dos EUA vem prometendo a medida recorrentemente. Feldmann não deixa por menos: em suas palavras, “é um absurdo que se faça toda essa ginástica para dar subsídio no preço da gasolina”, dispara ele, alertando para problemas sérios no horizonte, na direção dos governos federal e estaduais, que dificilmente conseguirão fechar suas contas. O resultado da eleitoreira manobra é a geração de entraves fiscais muito sérios — “desembocando numa inflação ainda maior”. Sem esquecer que, logicamente, inflação ataca muito mais pobres do que remediados.

Faria Lima: Lucro Seguro

A questão de usar incentivos para gasolina, de reduzir impostos para induzir a baixa no preço, são tiros no próprio pé, explica o especialista. De acordo com ele, só 40 milhões de pessoas no Brasil têm automóvel — percentual muito pequeno. Na hora em que se dá subsídio, se isenta de impostos e se beneficiam pessoas que têm carro. Isso acaba gerando uma distorção: ”a maioria do povo brasileiro não tem automóvel. Se é para dar subsídio, que se dê dinheiro para alimentação de quem tem fome”, insurge-se.

“As decisões que estão sendo tomadas em relação ao preço da gasolina são inúteis agora”, observa Feldmann, ao lembrar que o dólar custava R$ 5,2 no início do conflito Rússia x Ucrânia e caiu para R$ 4,6: queda de mais de 10%. Com repercussão no preço da gasolina, cuja tendência ficaria em torno de R$ 6. Para ele, aquele pavor todo criado — dizia-se que poderia ultrapassar os R$ 8 — deixou de existir. Pelo contrário: tendo o real se fortalecido, o preço da gasolina teria de cair, já que o Brasil vai pagar menos pelo barril de petróleo. Aliás, o próprio barril também caiu de preço. O mecanismo inventado pelo governo, de eliminação dos impostos sobre a gasolina é desnecessário: “a manutenção dele é muito ruim para o governo. A falta dessa arrecadação provoca déficit fiscal, rombo nas suas contas, o que é ruim para o país, pois gera inflação lá na frente”.

Qualquer subsídio significa que o governo deve receber menos: “não se pode abrir mão de PIS, Cofins e CIDE no caso do  governo Federal. Nem do ICMS dos governos estaduais”, diz o economista, ao lembrar que, quando os governos aceitam receber menos do que seria  devido, abrem  a possibilidade de gerar déficit. É que nesses casos os gastos não se reduzem — no mínimo vão se manter iguais. 

No caso do Brasil, como os orçamentos são muito apertados, não se poderia fazer redução de impostos sem calcular, meticulosamente, suas consequências. “O fato é que os problemas do governo federal são motivo de preocupação do mercado — apelidado em São Paulo de “Faria Lima”. Os consortes costumariam prescrever aumento nos juros a cada ameaça, fundada ou não, ao mercado. Lucro seguro, obtido sem qualquer esforço.

Trunfo do Brasil

“No Brasil, quanto maior o déficit, maior a taxa de juros” informa Paulo Feldmann, ao prosseguir: “claro que isso não seria necessário, mas somos o paraíso dos rentistas. Infelizmente em países onde predomina o rentismo como aqui, na Rússia ou na Turquia, toda vez que há uma expectativa de inflação, parte-se para o aumento da taxa de juros, imaginando que desta forma vão conseguir reduzir a inflação”. O que ocorreria realmente, só que ao custo da redução brutal no nível de atividade econômica, sinônimo de queda no crescimento da economia e, às vezes, até recessão. “Não se faz isso em um país que já tem 12% de desempregados”, deplora o experiente economista.

O álcool poderia representar o trunfo para o Brasil superar a armadilha na qual o país se viu jogado quando o ministério da Economia anunciou que seguirá o preço internacional do petróleo e derivados, garante ele. A conjuntura política internacional levou a humanidade mais uma vez à guerra. Vivemos uma situação na qual a maioria dos países tenta se ver livre do petróleo. O velho “ouro negro” hoje é condenado por todas as nações — inclusive pelo acordo de Paris, por ser ele o principal emissor de CO2. Como prova a ciência, o petróleo é responsável pelas crises climáticas que estamos vivendo. 

“Trata-se de uma ameaça muito forte à vida na terra. Por isso, todas as nações estão tomando medidas alternativas”, ressalta o professor, que leciona também em duas universidades húngaras, além de ser pesquisador da Universidade Fudan, na China. Em tempos de guerra, o expressivo aumento no preço do petróleo chega a ser “de praxe”. O problema é que a crise dificultaria ainda mais o processo de substituição do combustível fóssil. Paulo sustenta que o Brasil tem tudo para ser independente do petróleo. É só o grupo de “empresários patriotas” deixar. O etanol seria o combustível mais adequado ao momento que o mundo e o Brasil vive. 

A questão é estratégica, sustenta o especialista em energia. Se já não bastasse a livre oferta do etanol em todo o país, trata-se de um combustível difícil de ser produzido por outros países. Mas não para o Brasil: “o etanol é justamente a grande vantagem competitiva que o país tem. Um dos poucos fatores nos quais o Brasil pode se destacar no mundo. Deveríamos aproveitar tais facilidades, abastecendo nossos carros com etanol”, estimula ele, lembrando que os carros que rodam no país já usam o combustível alternativo.           

Há décadas, os postos de abastecimento oferecem álcool combustível. Tão certo quanto amanhã nasce o sol, o economista garante que o país possui todas as condições para não preocupar ninguém com uso de gasolina. Muito menos com o aumento no preço dela — “que vai ser seríssimo esse ano”, adverte o docente, alarmado com a passividade do governo, que se contenta em fazer remendos (eleitoreiros) ao invés de planejar a gestão.

Carro elétrico: faísca atrasada  

O poder sucroalcooleiro é tão forte, a ponto de conseguir evitar, ao longo dos anos, que o Brasil produzisse seu carro elétrico. Mas o “carro zero poluição”, movido a eletricidade, é realidade em diversos países do planeta, há mais de 10 anos. De acordo com o estudioso, já tem país onde nem se usaria mais carro a gasolina. De acordo com dados oficiais, 75% da frota de veículos da Noruega são de carros elétricos. Na Alemanha já são 12%. A frota elétrica aumenta no mundo inteiro — inclusive na América Latina. “Nossos vizinhos têm muito mais carros elétricos do que nós brasileiros”, informa o especialista, ao ressaltar: não dá para ter carro elétrico sem uma ação governamental. Seria crucial a criação de alguns subsídios, já que tudo é mais caro nele, como a bateria, por exemplo. 

O fato é que todos os países dão subsídios aos elétricos. Afinal, o veículo não polui. Além do subsídio governamental, seria preciso que o poder público estimulasse a construção da infraestrutura para a sua fabricação. Eles precisam de postos para abastecer, cita ele, ao lembrar ser possível encontrar postos de eletricidade hoje em Uruguai, Argentina e Colômbia. Já no Brasil, nada.

Cabe um parêntese. No caso do carro elétrico, o subsídio é completamente diferente do que é dado à gasolina. Feldman explica que, no elétrico, o subsídio aumenta a demanda por um produto. Sem ele, o veículo não pode existir. É algo novo, bem diferente de o governo abrir mão de taxas que ele já está arrecadando, como ocorre com o auto à gasolina.

O preço do álcool no Brasil está definido por regularização da Agência Nacional de Petróleo, ANP, segue o entrevistado, ao esclarecer que o preço do produto é multiplicado por 0,7 do valor da gasolina. Não há necessidade da criação de lei: bastaria uma portaria da ANP para resolver o problema. 

“Na minha opinião, tendo em vista a crise atual, o preço do litro deveria ser desatrelado do preço da gasolina, indicado pela própria ANP. Precisaria ficar mais baixo para estimular seu consumo popular, reduzindo custos de produção e, ao mesmo tempo, beneficiando pequenos empresários e quem trabalha com transportes, como essa profusão de prestadores de serviços de locomoção faz.

Confira outros trechos da entrevista:

Amaro Augusto Dornelles: se está tudo na mão, mesmo com o “desgoverno”, porque ninguém parte para a ação?

Paulo Feldman: Aí voltamos ao interesse dos usineiros, que têm um poder avassalador. Poucos grupos empresariais no Brasil têm o poder hoje concentrado nos usineiros de açúcar e álcool. Para eles, não é interessante aumentar a produção de álcool e colocar aqui no Brasil. Por mais que seja interesse nacional. Não é interesse deles, que preferem vender açúcar ao invés de álcool. A cana é matéria-prima tanto para o álcool quanto para o açúcar. Como o preço do açúcar está muito alto fora do Brasil, na Europa principalmente, eles preferem vender o açúcar aos europeus por um preço alto. O álcool que eles produzem também é vendido lá fora, onde o preço é bem mais alto. Não há o menor interesse em colocar álcool aqui. É por isso que o estoque de etanol no Brasil é tão baixo hoje. 

Será que nunca vai se fabricar carro elétrico nesse país quintal?

É evidente que nos últimos anos os usineiros jogaram todo seu prestígio, poder e influência para que não se projetasse aqui veículos movidos a eletricidade.

Inimigos do Agro

Por outro lado, entidades de usineiros sempre se manifestam contra o carro elétrico: alegam que o Brasil precisa privilegiar carro a etanol, pois somos o grande produtor de álcool do mundo. Campanhas públicas a favor do carro à álcool sempre acontecem quando ecologistas saem em defesa do carro elétrico para diminuir o CO2 no ar. Não podemos esquecer que usineiros sucroalcooleiros fazem parte do agro — o maior grupo de pressão política do país. Aliás, também um dos maiores anunciantes.

Naturalmente, Bolsonaro não moveu uma palha para incentivar os elétricos: só porque não surgiu nenhuma indústria dos EUA para investir neles aqui…

Os fabricantes chineses de carros elétricos já tentaram mostrar ao governo como é importante o Brasil usar o carro elétrico. Nunca tiveram o mínimo sucesso. Ninguém na face da Terra vai querer vir para o Brasil fabricar carro elétrico sem que haja apoio oficial, sem que haja infraestrutura para recarregar a bateria, para começo de conversa. Se governo fizer isso no Brasil vira inimigo do Agronegócio.


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