Pesquisar
Pesquisar

Por que os jovens não entendem o fascismo?

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

“Fascismo é uma experiência política, social e humana iliberal e violenta. Um problema é que, para os jovens, a substância iliberal do fascismo é inimaginável. Não tanto porque eles crescem imersos nas liberdades fundamentais do indivíduo e do cidadão: eles falam quando querem e daquilo que querem, eles se movem para onde o desejo os leva, encontram-se, agregam-se e desagregam-se. Protestam. Mas, acima de tudo, porque se percebem como ilimitados.”

A opinião é da escritora italiana Mariapia Veladiano, publicada no jornal La Repubblica, 05-12-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Mariapia Veladiano
Mariapia Veladiano

Não existe escola italiana que não ensine o fascismo. O problema é fazer com que se perceba isso como algo terrível, real e atual. Atual não porque já estamos, de fato, cercados por um novo fascismo, mas porque o fascismo é uma possibilidade real das sociedades avançadas, um atalho da política e também da mente e está novamente levantando a cabeça, e deixamos com que ele faça isso.
Mariapia Veladiano*
Fascismo é uma experiência política, social e humana iliberal e violenta. Um problema é que, para os jovens, a substância iliberal do fascismo é inimaginável. Não tanto porque eles crescem imersos nas liberdades fundamentais do indivíduo e do cidadão: eles falam quando querem e daquilo que querem, eles se movem para onde o desejo os leva, encontram-se, agregam-se e desagregam-se. Protestam. Mas, acima de tudo, porque se percebem como ilimitados.
Essa liberdade de se expandir não conhece o limite dado, por exemplo, pela proibição de turpilóquio, de ofensa, de agressividade verbal. Simplesmente pelo respeito ao outro. Para muitos deles, é inimaginável que tudo não seja absolutamente sempre óbvio quando pensam que isso é bom para si mesmos e também para os pais, para a política, para a sociedade. E, quando um pequeno limite objetivo se concretiza, como as matrículas encerradas na escola ou uma assembleia negada por justa causa, desencadeia-se a raiva de lesa majestade, e a raiva é boa inimiga do pensamento.
Quanto à substância violenta do fascismo, aqui também nos deparamos com algo generalizado, que é a profunda aceitação social da violência. A violência das relações sociais, mesmo aquelas mais nobres, como o debate político ou esportivo, faz parte da nossa vida, e a violência física não assusta realmente porque existe um imaginário construído por filmes, videogames, jogos de RPG que nos faz sempre nos concebermos como parte daqueles que têm a força e a exercem sobre o outro, e o outro muitas vezes é apenas uma categoria (estrangeiro, adversário político ou esportivo) e não uma pessoa, e, portanto, podemos (podem) não sentir a ofensa da violência sofrida.

Quanto à substância violenta do fascismo, aqui também nos deparamos com algo generalizado, que é a profunda aceitação social da violência.
Quanto à substância violenta do fascismo, aqui também nos deparamos com algo generalizado, que é a profunda aceitação social da violência.

Por isso, eles estudam o fascismo iliberal e violento com a mesma participação com que estudam a escravidão nas civilizações antigas. Deplorável, mas não nos (lhes) diz respeito. E, então, como se faz? A escola tem alguns instrumentos. O tempo, por exemplo. Se resistir à pressão do resultado a todo o custo e não perseguir as expectativas de todos, ela tem 10, muitas vezes 13 anos de tempo para escolher dar a conhecer realmente, através do estudo sério e documentado, os mecanismos com que o fascismo, na época, e a tentação fascista, agora, conseguiram e conseguem adormecer o senso crítico, a iludir com grandezas exibidas. Anos nos quais é realmente possível experimentar a convivência, mostrar um exercício da liberdade que é, acima de tudo, participação que muda as coisas e não opressão.
Desconstruir através da consciência a percepção doentia de uma liberdade como expansão infinita de si mesmo e como distração infinita de si mesmo. Não perseguir o mundo, mas conhecê-lo na dor das suas injustiças. A violência do preconceito político e racial é irmã da violência que nos faz sentir perenemente (pré-)julgados por estereótipos de sucesso, de posição social, de posse.
Complicado? Sim e não. É uma verdadeira resistência a que a escola é chamada e que muitos estamos fazendo na escola. Quem mais a está fazendo? Além disso, certamente, podemos estar convencidos de que não há progresso substancial debaixo do sol e que estamos destinados a repetir e a repetir novamente os erros do passado, mas, também a partir dessa posição de desencanto, quem está todo o dia com os jovens sabe que tentar, ao mesmo tempo, construir ou mesmo apenas resistir é muito melhor do que deslizar para a conivência com o mal da opressão.
 
*Original da Revista IHU ONLINE
 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Revista Diálogos do Sul

LEIA tAMBÉM

Tomada de Vuhledar pela Rússia “é uma séria derrota para a Ucrânia”
Tomada de Vuhledar é "grande triunfo para Rússia" e "séria derrota para Ucrânia"
As crises globais, a construção de um novo multilateralismo e o esgotamento da ONU
As crises globais, a construção de um novo multilateralismo e o papel da ONU
Repressão transnacional dos EUA contra o jornalismo não pode virar regra, aponta Assange
Repressão dos EUA contra jornalismo global não pode virar regra, aponta Assange
Terrorismo israelense no Líbano reflete debilidade, não força
Terrorismo de Israel no Líbano reflete debilidade, não força