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Estamos acostumados e analisar o jogo político, em geral, entre uma disputa de dois times com objetivos e visão das funções do Estado antagônicas. O primeiro, Clube de Desporto Direita, objetivando a produção ou geração de riqueza, vê que o Estado deve ter interferência da sociedade em geral nos intentos individuais; e o segundo, a Esquerda Futebol Clube, almejando a repartição ou correção de injustiças históricas, pleiteia o avanço do Estado na prestação de serviços e tem na igualdade um valor central.
Assim, deveríamos ter um bate-bola entre produção e repartição em que, a depender das contingências históricas e da opinião da torcida, ora estaríamos intervindo ou desregulando a economia, pagando ou cortando benefícios sociais, enfim, optando democraticamente entre ser um país rico ou um país igualitário.
Entretanto, quando vamos assistir à partida em solo tupiniquim nos deparamos com um cenário dantesco de disputas paroquiais e irregularidades futebolísticas que tornam absolutamente incompreensível a partida. Chamá-la de pelada ou jogo de várzea tampouco serve para explicá-la. Esta quase impossibilidade de compreensão do que acontece no Brasil deu origem à célebre frase de que o “Brasil não é para principiantes”.
Levei muito tempo para conseguir entender os que dizem que no Brasil falar em direita e esquerda não fazia muito sentido. Longe de mim discordar de Suassuna e dizer que não à esquerda ou direita, mas parece-me que, efetivamente, esta distinção é pouco para descrever o que acontece por aqui.
O primeiro fato que salta aos olhos é que não há jogo. Jogo ocorre quando se tem um prévio acordo a respeito das regras e a disputa se dá dentro destes parâmetros pré-estabelecidos. Assim, no futebol ganha quem faz mais gol, no vôlei quem ganha 3 games primeiro e assim por diante. Aqui inexiste um acordo que faça o outro lado aceitar a derrota. A disputa é sempre fraticida em que tudo vale. Daí as chacinas, os golpes, os massacres e assim por diante. Isto diz respeito a um padrão civilizatório ainda não consolidado em que se veja no outro um adversário e não um inimigo. Temos uma curta história republicana e já nos deparamos com a terceira interrupção da democracia, que tem no respeito ao voto o gol que dá a vitória no jogo.
E por que isso acontece? A hipótese que parece mais sólida é a de que há mais times em campo. O mais evidente é o dos donos da bola. Formado a partir da elite colonial, manteve desde a independência o controle das forças do Estado e, a partir da promoção da ignorância como estratégia de dominação, associada ao uso da força, sempre manteve o controle das instituições políticas da nação, exceto por curtíssimos períodos como na Era Vargas ou com Juscelino.
O problema deste time é que ele é absolutamente antipatriótico. Seu objetivo é parasitar a nação, pilhando as suas riquezas e vivendo delas a lamentar ter nascido no Brasil, imputando os seus problemas ao seu povo. A sua estratégia é a manutenção de um Estado deficitário, o que rouba a possibilidade de planejamento de curto prazo, o que se obtém através da desoneração máxima possível da cadeia de pilhagem e do desperdício de recursos da nação, voltado prioritariamente para a manutenção da estrutura de força que mela o jogo, impedindo resultados que não lhe seja satisfatório.
Como a maior parte dos recursos da nação são por ele entregues, isto provoca uma avalanche de moeda estrangeira que rouba a competitividade do time da Direita propriamente dita, impedindo-a de realmente produzir. Por outro lado, o impedimento de que o Estado se aproprie de parte destes resultados para o desenvolvimento de seu povo, impedindo que a Esquerda produza um país mais justo. Como resultado, a nossa riqueza por habitante está estagnada há décadas e, muito embora tenhamos sucessos significativos na área da proteção social, continuamos sendo uma das mais desiguais nações do globo.
De fato, uma “elite” oligárquica e colonial, que não se confunde com o que entendemos por Direita, tem parasitado a nação e impedido que role a bola. Pautada pela subserviência a nações estrangeiras, que compram as riquezas pilhadas, e pelo profundo desprezo ao povo brasileiro, transacionam de forma inconfessável os interesses nacionais e impedem qualquer perspectiva de que o Brasil se torne ou justo ou competitivo.
É inaceitável que se diga que setores do agronegócio que, a pretexto de “promover o setor”, se coloquem como prepostos de multinacionais de insumos agrícolas, que empresas de mídia insistam em detonar a imagem do país ou que políticos defendam a alienação a preço vil de substanciais reservas de petróleo estejam no mesmo time dos que querem fomentar o desenvolvimento do país. Para este grupo, todo e qualquer forma de efetivo fortalecimento da nação, seja pela via da justiça ou da produção, é uma ameaça aos seus interesses de permanecerem os donos do Brasil.
A nação, ou a parcela patriótica dela, pareceu ter percebido intuitivamente este problema quando de nossa redemocratização. A partir disso que buscou dar autonomia às instituições responsáveis pelo uso da força, almejando uma maior segurança jurídica e um melhor uso dos escassos recursos nacionais. Mas, pasme-se, esta atitude levou a um quadro surrealista em que surgiu outro time: o Burocrático-totalitário.
Se até a Constituição, o controle pela elite colonial das instituições de poder (polícia, justiça, ministério público e órgãos de controle de contas) lhe dava o direito a melar o jogo, a criação de instrumentos de autonomia para estes órgãos deu margem a que interesses corporativos dominassem estas instituições.
A garantia de ingresso apenas mediante concurso público, a vitaliciedade, a inamovibilidade e a assunção de sua gestão orçamentária, que deveriam servir para dar o caráter republicano para estas instituições, deram espaço, na verdade, para que viesse à tona um time fominha de bola. Aqui juiz joga.
Os áudios que revelaram o presidente da maior corte do país preocupado apenas com reajuste da categoria quando o país vivenciava uma de suas mais graves crises econômicas e institucionais, associado à posterior aprovação de um astronômico déficit público seguido da apropriação de boa parte dele para estes mesmos grupos, demonstra que o árbitro não priorizou o cumprimento das regras, mas sim a sua parcela no jogo.
Vemos então que o jogo entre Direita e Esquerda por aqui passa longe. Temos de fato é uma luta fraticida entre quatro projetos de país onde a produção de riquezas e a promoção de justiça social ficam em terceiro ou quarto plano.
Assim, para podermos de fato falar de nação e mudar nosso padrão civilizatório para um jogo, como ele deveria ser, temos que antes de discutir os valores de liberdade ou igualdade, tratar de nos transformar em uma República, pois só em ambiente republicano as forças do Estado não ficam a serviço de grupos e o que fazer com as riquezas da nação podem, de fato, serem objeto de deliberação por seu povo.
*colaborador de Diálogos do Sul, de Brasília