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Dez anos de recessão levaram à insolvência do governo de Porto Rico e à quebra da economia do país. O drama porto-riquenho começou antes da crise global que em 2008 emergiu em Wall Street e agora contribui a tornar mais transparente porem mais insolúvel a situação da ilha. Ou, para ser mais exato, agora fica claro o fracasso fiscal e econômico do regime colonial, tragédia social em que esse regime submergiu a nação, o que faz que seja impossível resolver esse problema enquanto subsista esse regime.
Nils Castro*
A situação, entre tantas consequências, não só disparou o desemprego e a deterioração dos ingressos, como também a maior onda migratória sofrida pela ilha além do colapso das instituições pública. Por exemplo, as famílias ficam sem seguro saúde e os hospitais sem insumos, e só em 2015 mais de três mil médicos abandonaram o país. Um efeito desse colapso no campo sanitário é a proliferação do zica que, por sua vez ameaça o turismo, que ainda estava funcionando.
A dívida pública do Estado Livre Associado passa de 72 bilhões de dólares, segundo o governo. É resultado de mais de uma década de financiamento de atividades através da contratação de dívidas até esgotar sua capacidade creditícia. Com uma reação demasiado tardia, agora o Congresso em Washington considera a proposta de criar uma Junta de Controle Fiscal, com mandato de cinco anos, para reestruturar tal dívida e reordenar a administração da economia do país. Os integrantes dessa junta seriam nomeados pela Casa Branca, e sua prioridade será garantir o pagamento da dívida aos credores de Wall Street, inclusive em detrimento dos serviços sociais à população.
Essa junta teria a missão de aprovar o orçamento, a promulgação de leis e os investimentos em infraestrutura por cima dos órgãos e autoridades eleitos do governo local e da opinião pública porto-riquenha. Quer dizer, representa a intervenção direta de Washington no manejo das funções medulares do governo e o cancelamento de sua suposta autonomia. Isto deixa claro que o chamado Estado Livre Associado (o Ela) não passa de uma farsa e escancara a relação que verdadeiramente existe entre ambas as partes.
Como observou Rubén Berríos, enquanto o interesse de Estados Unidos era multiplicar a dependência e os empréstimos para manter essa colônia à tona, o Ela prevalecia. Porém, agora a prioridade é cobrar esses empréstimos.
Tarde e mal saem a proferir diatribes contra a junta, os líderes e os candidatos dos partidos tradicionais do sistema colonial, como o autonomista Partido Popular Democrático (PPD), que visa manter o status colonial do Ela como um território que pertence a Estados Unidos sem ser parte desse país; e o anexionista Partido Novo Progressista (PNP) que advoga por converter a ilha em um estado a mais de Estados Unidos.
Ambos vêm a Junta como um estorvo, o primeiro porque reduz o governo à figura de um boneco pintado numa parede, e o segundo como um desvio que os distancia da intenção de ser parte da união estadunidense.
Para decepção dos autonomistas do PPD, Washington não assume o papel de se esforçar para tirar as castanhas do fogo nesse sistema endividado mas sim o de tranquilizar os credores. O discurso de que se esforçarão por continuar sendo um Ela, sem Junta, pertence a tempos passados e, ao final, um colonialismo sem Junta tem sido, precisamente o que afundou a ilha e seu povo na presente crise.
Quanto aos anexionistas do PNP, integrar Porto Rico como um novo estado da União é algo que está muito distante dos interesses dos estadunidenses. Não importa o número de porto-riquenhos que vote favorável a anexação, nenhum governo nem nenhum congresso de Washington –nem a maioria de seus eleitores- estarão dispostos a admitir uma ilha caribenha e latina quebrada em sua união. Essa não é uma opção que dependa dos eleitores porto-riquenhos, como tampouco dependeria dos eleitores mexicanos ou os centro-americanos.
Mistificações ultrapassadas. Como adverte Berríos, a causa do problema não é a Junta mas sim o regime colonial. Rechaçar a Junta é necessário mas isto está longe de ser suficiente.
A questão reside em que a comedia política do Ela, cuja evolução a converteu em tragédia, não cabe entre as opções viáveis do século XXI. O Ela é um fantasma de tempos idos. A única alternativa real é pactuar um processo descolonizador que conduza Porto Rico a uma república independente, soberana e sustentável. Opção que, por outro lado, já deixou de se contrapor com os interesses estadunidenses, e melhor, ajudaria Washington a resolver hoje um problema que só pode se agravar daqui pra frente.
*Colaborador de Diálogos do Sul, de Ciudad de Panamá.