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Pós-pandemia: no Peru, mais de 10 milhões de trabalhadores sentirão o gosto do desemprego

A pandemia – além dos grandes danos à saúde e à vida – pôs em evidência a "velha" luta de classes que põe frente a frente diferentes segmentos da sociedade
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Lenin, o revolucionário russo de quem se recordou recentemente o sesquicentenário de seu nascimento, usou esta frase – “Um passo à frente, dois passos para trás” -, para se referir às idas e vindas da socialdemocracia e do reformismo na velha Rússia dos Czares, em junho de 1904. 

A lembrança vem a propósito, porque com ela o líder bolchevique assegura que “em toda luta longa, tenaz e apaixonada, começam a se desenhar geralmente, depois de certo tempo, os pontos de divergência centrais, básicos, de cuja solução depende o desenlace definitivo da campanha e, em comparação com os quais, passam cada vez mais a segundo plano todos e toda classe de pequenos e mesquinhos episódios da luta”. Pois bem, a imposição do Gabinete Cateriano, tem muito que ver nesta história.

No Peru, a pandemia – além de imensos danos inferidos à saúde e à vida – pôs em evidência a quase soterrada luta de classes que põe frente a frente diferentes segmentos da sociedade.

A pandemia – além dos grandes danos à saúde e à vida – pôs em evidência a "velha" luta de classes que põe frente a frente diferentes segmentos da sociedade

Alainet
Mais de dez milhões de trabalhadores sentirão o gosto do desemprego

Trapaças, pressões e os “negócios”

Após as trapaças dos empresários e seu desmedido afã de lucro, as pressões da CONFIEP,  o negócio das Clínicas privadas, a especulação das farmácias, o manejo do gás e as artimanhas das AFPs, apareceu como uma hidra de mil cabeças a política da classe dominante, empenhada em descarregar o peso da crise sobre os ombros dos trabalhadores e do povo.

Isto é o que deu lugar a uma “luta longa, tenaz e apaixonada…” à qual queremos nos referir: o nascimento do Gabinete Cateriano. Ele fecha uma etapa e abre um período no qual as cartas serão jogadas de modo mais nítido e transparente.

Os pontos de divergência se perfilarão melhor e outros que até ontem pareciam ser essenciais, passarão para um segundo plano. Em outras palavras, Lenin – e o novo Gabinete – nos devolveram à realidade. 

Pedro Cateriano e as crenças de Vizcarra

Vizcarra aspira que esta equipe de governo vá até o fim da sua gestão. E crê que será exitosa se derrotar a pandemia, recuperar a economia e assegurar as eleições de 2021. Esse é o “programa” e a gestão que foi encomendada aos ministros que já assumiram seus cargos. No fundo de tal propósito, assomam as orelhas do lobo neoliberal duramente questionado pela cidadania. 

A partir desse “programa” dois haverão de ser os perfis básicos do novo Gabinete: para “reativar a economia” se apoiará sem problemas nos empresários e suas organizações; e porá a mira nos trabalhadores. Em outras palavras, verá as coisas de modo inverso ao que deveria ver. 

Para Pedro Cateriano, o fundamental para este efeito, é o investimento privado. É – diz ele – a ferramenta que nos permitirá “superar a crise”. E é exatamente o contrário: a única força capaz de tirar um país da crise, não é o dinheiro, mas sim a força que o produz. E essa força são os trabalhadores. 

Sem eles, não há produção que valha, nem riqueza que possa ser criada. Em outras palavras, os trabalhadores são a principal força produtiva do país. Com eles é possível construir o futuro. Sem eles, o dinheiro carecerá completamente de valor. 

Isso foi constatado, inclusive pelos ricos, na crise sanitária que nos afeta. Sua vida tem dependido dos trabalhadores da saúde; sua higiene, dos trabalhadores municipais; sua tranquilidade, dos trabalhadores fardados; sua alimentação, dos trabalhadores dos mercados. E a riqueza, dos agricultores que semearam a terra, e não das escavações mineiras. 

Elite não consegue aprender

Mas é claro que nesta crise, os empresários peruanos – como os desterrados de Coblenza nos inícios de 1800 — nada têm aprendido, e nada têm esquecido. Voltam com a sua mesma política, confirmando que o homem é o único animal capaz de tropeçar duas vezes na mesma pedra.

Para “reativar a economia”, os ministros não pensarão nos trabalhadores, mas sim no investimento mineiro, e nas facilidades que serão outorgadas ao “investimento privado”. Conga, as Bambas e o Vale do Tambo voltarão a ser cenários da confrontação. E a defesa dos recursos naturais e da soberania nacional serão as bandeiras de um povo disposto a combater. 

Outra coisa derivada do anterior. Se os empresários apresentaram 50 mil expedientes para se acolherem à “suspensão perfeita” e despedir seus trabalhadores, e só mil foram autorizados a fazê-lo, a partir de agora os 49 mil restantes poderão rir com otimismo: os “protocolos” serão deixados de lado e a autorização para despedir será imparável. Para isso, o procaz e racista ministro do Trabalho, Martin Adolfo Ruggiero Garzón, é perfeito. Foi chamado para fazer o que sabe.

O antes e o depois

Antes da pandemia, 72% da PEA era informal. Isso equivalia a algo mais de oito milhões de trabalhadores. Hoje, já se aceitou despedir 2 milhões e meio; e em mais algumas semanas a cifra será maior. Mais de dez milhões de trabalhadores sentirão o gosto do desemprego. 

Nesse marco, o que está em jogo, então, é um problema essencialmente político e ideológico. Objetivamente, a nova equipe de governo encarna o neoliberalismo em sua mais clara dimensão.

O que o Gabinete vai recuperar não será a economia do país, mas sim a tranquilidade dos ricos.  Estamos advertidos. Isso foi o que disse María Isabel León.

Dando um passo à frente – combater a corrupção, Vizcarra deu dois passo para trás: a mão generosa aos empresários e o garrote feroz aos trabalhadores.

Gustavo Espinoza M., Colaborador da Diálogos do Sul desde Lima, Peru

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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