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Posse de Boric gera expectativas de mudanças à esquerda, mas oposição promete ser dura

Reivindicações mapuche, insegurança e tema migratório são alguns dos desafios do novo presidente, que também prometeu aumentar o salário mínimo
Aldo Anfossi
La Jornada
Santiago

Tradução:

O juvenil líder esquerdista Gabriel Boric Font, diplomado na carreira de direito à qual não apresentou ainda sua tese de graduação, aos 36 anos completados em meados de fevereiro e quem há apenas 10 anos encabeçava os protestos contra a educação mercantilizada, assumiu, nesta sexta-feira (11), a presidência do Chile com uma enorme carga de anseios coletivos às costas e de urgências inevitáveis e impostergáveis. 

Governará com o encargo de não defraudar a exigência de mudanças estruturais expressadas em anos recentes, em particular quando da explosão social iniciada em 18 de outubro de 2019 e que se prolongou por meses, sacudiu a sociedade e a institucionalidade até os seus alicerces, como um desses terremotos descomunais que assolam o país de quando em quando, desatando um processo constitucional em marcha, que avança contra o tempo e contra o boicote direitista.

A Boric o espera, desde o minuto “zero”, ingentes desafios: talvez o mais urgente e conflitivo seja atender à reivindicação histórica reclamada pelos povos originários, em particular os mapuche, algumas de cujas organizações protagonizam um crescente levantamento armado no sul do país pela recuperação de suas terras ancestrais, agora em mãos de latifúndios florestais. 

A situação nesse território de 72 mil quilômetros quadrados nas regiões do Biobío, da Araucanía e de Los Rios, é de quase ausência do estado de direito, apesar da implantação de milhares de policiais e militares com toda classe de recursos tecnológicos.

É dos piores fracassos do presidente que sai, Sebastián Piñera, cuja única política foi responder aos mapuche com mais repressão e criminalizá-los como terroristas e delinquentes, o mesmo tratamento indigno que sempre deu a nação chilena aos indígenas. Boric prometeu que abrirá um diálogo sem exclusões com todas as organizações mapuche, incluída a Coordenadoria Arauco Malleco (CAM) que lidera a “resistência e recuperação territorial”.

Reivindicações mapuche, insegurança e tema migratório são alguns dos desafios do novo presidente, que também prometeu aumentar o salário mínimo

Montagem Diálogos do Sul
Gabriel Boric é empossado presidente do Chile

Os problemas de ordem e segurança se estendem também às grandes urbes, onde centenas de bairros populares estão literalmente tomados por narcotraficantes que campeiam entre si e ostentam seu poder de fogo.

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Ao novo presidente o espera também uma crise migratória descomunal no norte, nas fronteiras com o Peru e a Bolívia, pelas quais diariamente passam milhares de venezuelanos, haitianos, colombianos e peruanos, que chegam com a esperança de encontrar trabalho, moradia e educação para seus filhos. 

Nesse afã, desesperados e abandonados à sua sorte pelo governo, ocuparam os espaços públicos de importantes cidades, moram em barracas instaladas em praças e calçadas, sem acesso a serviços mínimos como água potável ou banheiros. 

A reação tem sido de expressões de xenofobia por parte dos cidadãos chilenos, saturados pela invasão das ruas, enquanto o governo de Piñera — que estimulou a vinda, quando em fevereiro de 2019 viajou a Cúcuta, na fronteira colombo/venezuelana, para participar dos atos que buscavam derrocar a Nicolás Maduro, e onde disse que os venezuelanos eram bem-vindos aqui — se dedica a expulsá-los, 

É um problema maior; a recente pesquisa DataInfluye diz que 65% estão “muito em desacordo” ou em “desacordo” com o ingresso de migrantes, e essa cifra sobe a 73% no norte. 

Além desses desafios contingentes, Boric se comprometeu a aumentar o salário mínimo até cerca de 650 dólares mensais (atualmente está em torno de 380 dólares) e reduzir a jornada de trabalho de 48 para 40 horas semanais; a reformar o sistema de aposentadorias para terminar com as administradoras privadas, fazer uma reforma tributária orientada aos super ricos que arrecade cinco pontos do PIB (uns 15 bilhões de dólares), a reduzir significativamente as listas de espera de atendimento médico (há um milhão de cirurgias pendentes), a perdoar as dívidas dos universitários (uns 8 bilhões de dólares), a criar o Fundo Universal de Saúde, a enfrentar o déficit de 600 mil moradias sociais, e muito mais. 

Não será fácil, pelo contrário. Carecerá das maiorias parlamentares para legislar seu programa e deverá negociar praticamente tudo com a centro-esquerda que não o apoiou nas eleições presidenciais, e com outros setores moderados. 

Além do mais, deverá lidar com a sedição direitista, confessada há alguns dias por um deputado que disse que seu partido sairá a “fazer oposição com tudo” e “atrofiar; e também “tirar a força moral” à Convenção Constitucional. Depois se corrigiu, falou de “apertar”, mas…

A Boric, que ganhou a presidência em dezembro com 55,87% e que com 4,8 milhões de votos o convertem no governante mais votado na história do país, não vai ser fácil. 


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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