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Carey L. Biron*
A comunidade internacional não aproveita a grande oportunidade para enfrentar a mudança climática que é oferecida pelo fortalecimento dos direitos e das leis que concedem a posse das florestas às populações locais, afirma um detalhado estudo.
A nova análise, considerada pelos pesquisadores como o estudo mais minucioso sobre o assunto já produzido, sugere que, nas áreas supervisionadas oficialmente pelas populações locais, as taxas de desmatamento são de dezenas a centenas de vezes menores do que naquelas controladas pelo Estado ou por entidades privadas.
A cada ano o desmatamento responde por 10% a 20% das emissões de gases-estufa que provocam a mudança climática no mundo. O estudo foi divulgado na semana passada pelo Instituto de Recursos Mundiais (WRI), um centro de pesquisa com sede em Washington, nos Estados Unidos, e pela Iniciativa de Direitos e Recursos (RRI), uma rede mundial que trabalha com a posse florestal.
“Essa estratégia de mitigação da mudança climática está subvalorizada”, diz o informe sobre o estudo. “Os governos, os doadores e outros atores interessados na mudança climática tendem a ignorar ou marginalizar a enorme contribuição à sua mitigação que podem se realizadas por meio da expansão e do fortalecimento dos direitos florestais das comunidades”, acrescenta.
Os pesquisadores analisaram imagens obtidas via satélite de alta definição e compararam a informação sobre as taxas de desmatamento com dados sobre as diferentes estratégias de posse em 14 países em desenvolvimento considerados muito florestais. Foi constatado que, nas áreas onde as comunidades locais têm direitos florestais consideráveis, maior era sua capacidade de deter o corte de florestas e a incursão dos colonos e das empresas mineradoras.
Em localidades da Guatemala e do Brasil, com forte posse local, as taxas de desmatamento foram entre 11 e 20 vezes inferiores às das zonas externas das florestas comunitárias reconhecidas formalmente. Em partes da península mexicana de Yucatán, os resultados foram até 350 vezes menores. As repercussões climáticas destas regiões de florestas são consideráveis. As florestas maduras não só abrigam grandes quantidades de carbono, mas também absorvem dióxido de carbono da atmosfera de maneira constante.
“Sabemos que ao menos 500 milhões de hectares de florestas nos países em desenvolvimento já estão nas mãos das comunidades locais, o que se traduz em pouco menos de 40 bilhões de toneladas de carbono”, afirmou à IPS o coordenador da RRI, Andy White. “É uma quantidade enorme, equivalente a 30 vezes as emissões totais de todos os veículos de passageiros do mundo. Mas muitos dos direitos de proteção dessas florestas são frágeis, por isso existe o risco real de se perder” essas áreas, apontou.
Nos últimos cinco anos, houve uma “grande desaceleração” do reconhecimento dos direitos das comunidades indígenas, que anteriormente haviam avançado no mundo, explicou White. Porém, ele acredita que existe um grande potencial para sensibilizar a classe política e a comunidade de doadores sobre o vínculo existente entre os direitos da terra e a mudança climática.
Historicamente, no Sul em desenvolvimento, “os governos fomentaram o desmatamento para a agricultura, e também para a construção de estradas, a colonização e a mineração. Agora, esses mesmos governos dizem estar preocupados com a redução das emissões. Até agora, essas duas mãos não se comunicaram entre si”, ressaltou White.
O vínculo de Lima
A divulgação das conclusões do estudo acontecem enquanto são preparadas duas cúpulas mundiais sobre o clima. Em setembro, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, receberá governantes de todo o mundo em Nova York para discutir o tema, e em dezembro realizará a próxima rodada de negociações sobre o clima mundial em Lima, no Peru, com vistas a chegar a um acordo definitivo em 2015.
As conversações de Lima são conhecidas como a rodada da “floresta”. Alguns conservadores sugerem que a silvicultura oferece o maior potencial para reduzir as emissões mundiais, mas poucos vinculam essa redução diretamente com a posse local. “É importante que os responsáveis políticos estejam conscientes dessa conexão”, destacou Caleb Stevens, especialista do WRI e principal autor do informe.
“Os governos dos países desenvolvidos podem se comprometer com os órgãos de assistência ao desenvolvimento para fortalecer a posse florestal no contexto dos acordos bilaterais”, pontuou Stevens se referindo ao fundo adotado pela Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática em 2011. “Também podem se comprometer com o reforço desses direitos mediante mecanismos de financiamento, como o novo Fundo Verde para o clima”, afirmou.
O mais conhecido, embora polêmico, dos mecanismos internacionais destinados a reduzir o desmatamento é a iniciativa da ONU para a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação das Florestas (REDD), que desde 2008 distribuiu cerca de US$ 200 milhões para proteger as florestas em países do Sul em desenvolvimento. Mas o programa da iniciativa, conhecido como REDD+, nunca aproveitou plenamente o potencial oferecido pela gestão comunitária das florestas, segundo seus críticos.
“O REDD+ foi criado por se saber que o desmatamento é uma parte importante do problema da mudança climática”, explicou Tony La Viña, negociador principal em matéria climática das Filipinas. “O que não é tão compreendido é como as comunidades florestais são eficazes para proteger suas florestas do desmatamento e aumentar a saúde florestal. Por esse motivo, o REDD+ deve estar acompanhado de garantias comunitárias”, acrescentou.
Ficaram as duas terceiras partes
Stevens enfatizou que a prioridade atual em nível nacional da posse local é heterogênea, já que varia consideravelmente de um país a outro. O ativista destacou os avanços da Libéria e do Quênia, onde as leis começam a reconhecer os direitos da comunidade local, e os da Bolívia e do Nepal, onde 40% das florestas estão sob controle legal das populações locais. Uma decisão judicial de 2013 colocaria a Indonésia em um caminho semelhante.
Segundo Stevens, “muitos governos ainda são muito reticentes em acabar com suas tentativas de ter acesso aos minerais e a outros recursos naturais. Mas alguns governos se dão conta das limitações de sua capacidade, e de que o modelo das florestas de propriedade e gestão estatais não costuma funcionar. Em seu lugar, frequentemente gera um vale tudo com acesso ilimitado”.
As populações locais costumam ser mais eficazes na gestão desses recursos do que os governos ou os organismos privados, e também podem se converter em importantes beneficiárias econômicas das florestas. Com o tempo, inclusive contribuem para os cofres nacionais por meio da renda fiscal.
Sem dúvida, há margem para essa ampliação. O RRI calcula que os 500 milhões de hectares atualmente sob controle comunitário constituem apenas um terço do que as populações locais em todo o mundo reclamam, e legitimamente, segundo a organização.
*IPS de Washington, Estados Unidos, Para Diálogos do Sul