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Foto: Partido Democrata / Flickr

Primárias nos EUA: 100 mil dizem “não” a Biden por apoiar genocídio em Gaza

Resultado aconteceu em Michigan; apesar de o presidente ter vencido no estado, números evidenciam custo político da aliança com Israel
David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Washington

Tradução:

Beatriz Cannabrava

* Atualizado em 13/03/2024 às 14h20.

A eleição primária do Partido Democrata em Michigan já está detonando alarmes na campanha de reeleição do presidente Joe Biden ao indicar que poderia perder a eleição geral nesse estado em novembro se continuar outorgando apoio incondicional a Israel, não apelar por um cessar-fogo em Gaza, não encontrar uma maneira de convencer aos trabalhadores que estão fartos de ambos os partidos e ainda não motivar o voto dos jovens que foram chave em seu triunfo em 2020.

Não havia dúvida de que tanto Biden como o republicano Donald Trump ganhariam suas respectivas primárias internas em Michigan no caminho a uma aparente repetição da contenda presidencial de 2020, mas para o democrata seu triunfo incluiu advertências e revelou debilidades em um estado considerado chave para determinar a eleição presidencial em novembro.

Uma campanha de base encabeçada por árabe-estadunidenses e progressistas convenceu mais de 101 mil eleitores democratas a selecionar “não-comprometido” ao invés de “Biden” em suas cédulas como protesto contra sua política de apoio a guerra de Israel em Gaza.

“Estou impressionado com o poder do povo demonstrado hoje por o número de cidadãos que votaram ‘não comprometido’”, comentou Abdullah Hammoud, o prefeito de Dearborn, que ajudou a organizar o projeto de protesto “Escute Michigan”. Ele agregou que “todas as pessoas que votaram ‘não comprometido’ se sentiram pessoalmente obrigadas a usar sua voz para se pronunciar contra o apoio do Presidente Biden ao genocídio do povo palestino por Benjamin Netanyahu”.

Em áreas de concentração da população árabe-estadunidense em Michigan, tal como Dearborn, três de cada quatro votantes selecionaram “não comprometido” em suas cédulas, e em áreas universitárias até 20% dos votos foram marcados assim. No total, quase um em cada sete votos foram de protesto. Organizadores dessa campanha de protesto apontaram que, na eleição presidencial de 2016, Trump ganhou o estado por só 10 mil votos, e na eleição de 2020, Biden ganhou em Michigan por apenas 154 mil votos. Portanto, os mais de 100 mil votos com ‘não comprometido” poderiam ter um impacto maior. 

Pramila Jayapal, a líder do Caucus Progressista do Congresso Federal (com mais de 100 legisladores) declarou que “a guerra em Gaza é um tema profundamente moral e a falta de atenção e empatia para esta perspectiva pela administração está desfazendo a coalizão frágil que construímos para eleger Joe Biden em 2020”. Em entrevista à CNN, ela insistiu que ainda há tempo para fomentar apoio a Biden, mas que ele tem que mudar a política estadunidense em torno à guerra de Israel em Gaza. 

Abbas Alawieh, um porta-voz do “Escute Michigan”, acusou Biden de “ignorar mais de 100 mil eleitores que compareceram e instou-o a ficar ao lado dos filhos de Deus, contra os crimes de guerra, pela paz e pelo cessar-fogo”. Essa iniciativa anunciou que continuarão com esse esforço em outros estados que estão prestes a celebrar eleições primárias nas próximas semanas.

Mas não só os que votaram “não comprometido” estão ameaçando a reeleição de Biden. Durante uma viagem recente a Michigan, o La Jornada conversou com várias pessoas que estavam tão furiosas pelo apoio do presidente à guerra em Gaza que já tomaram a decisão de não votar em 2024. A primária no estado oferece evidência de que essa tendência já está se expressando: em 2020, mais de 1,5 milhão votaram na primária democrata, mas neste ano só 762 mil participaram. 

Por sua vez, na primária republicana a participação se incrementou em relação a 2020, com 1,1 milhão votando em 27 de fevereiro.

Biden tem graves problemas com os jovens. Nas últimas duas eleições, a porcentagem do voto jovem em Michigan foi a maior do país. Mas em pesquisas e entrevistas à mídia, os eleitores jovens – sobretudo democratas – estão indicando que talvez não participem desta vez. 

Além disso, líderes sindicais também estão expressando preocupação de que muitos de seus agremiados poderiam ficar em casa nesta próxima eleição geral, ainda que seus sindicatos apoiem formalmente Biden. “Muita gente opina que ele é demasiado velho e não está segura se ele é capaz de levar a cabo sua agenda. Minha sensação é que muitos ficarão em casa”, comentou Keith Combs, um líder do grêmio dos trabalhadores postais, no centro de Detroit, em entrevista ao Washington Post.

Biden tem ressaltado seu apoio aos sindicatos e, no ano passado, se tornou o primeiro presidente na história do país a visitar um piquete de greve. O poderoso sindicato de trabalhadores automotivos (UAW), que nasceu em Michigan, endossou Biden, mas isso poderia não ser suficiente já que historicamente muitos agremiados não votam pelos candidatos favorecidos por seus líderes. Em 2020, trabalhadores sindicalizados em Michigan votaram a favor de Biden sobre Trump por uma margem de 25%, mas segundo uma pesquisa recente da Fox News, Biden estava ganhando de Trump por só 12 pontos. 

Simpatizantes de Biden argumentam que a eleição continua muito longe e, no privado, que o voto de terça-feira foi de “protesto”, mas que não resultará em uma vitória para Trump em novembro, já que os democratas optarão pelo presidente. “Este voto tinha custos. Será uma decisão com consequências muito maiores”, afirmou David Axelrod, ex-assessor político do presidente Barack Obama, em entrevista ao Wall Street Journal. “Claro, se os votantes que registraram seu protesto na terça-feira (27/02) não participarem, isso poderia ser decisivo”. 

Trump e as cortes

Enquanto Trump gozava seu triunfo na primária republicana em Michigan, recebeu outra boa notícia: a Suprema Corte dos Estados Unidos anunciou em 28 de fevereiro que vai considerar o argumento do ex-mandatário de que quando ocupava a Casa Branca estava efetivamente acima da lei. Com isso, parou por agora seu julgamento federal, até então programado para este mês, onde é acusado de tentar descarrilar a eleição presidencial de 2020, que ele perdeu. Isso será postergado enquanto os nove juízes – três deles instalados por Trump junto a outros três conservadores – avaliarem o argumento dos advogados de Trump de que ele gozava de imunidade por atos que realizou enquanto era presidente.

Em outro caso estatal, um juiz de apelações em Nova York recusou a petição de Trump de adiar o pagamento de 450 milhões de dólares, fruto de uma condenação por fraude empresarial. Trump enfrenta um total de 91 acusações criminais federais em quatro casos, incluindo o que agora será avaliado pela Suprema Corte.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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