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Fracassada a intenção de aprovar a reforma da Previdência, sob o argumento de necessidade de fazer caixa, o governo federal agora tenta emplacar a privatização da Eletrobras.
“Frustrada aquela tentativa, [o governo] voltou suas metralhadoras para o grupo”, atesta José Antonio Latrônico Filho, representante da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) nas negociações coletivas com a holding e presidente da Associação Brasileira de Engenheiros Eletricistas (Abee).
Para tanto, aparentemente, vale tudo: conforme divulgado pela Agência Sportlight, a atual gestão da Eletrobras contratou sem licitação assessoria de comunicação por R$1,8 milhão para manchar o nome da empresa e, assim, ganhar a opinião pública para a “urgência” da privatização.
Para Latrônico, precisaria ser feita uma revisão do modelo do setor elétrico, o que, por si só, comprovaria que vender a Eletrobras é um mau negócio diante do serviço prestado ao País. “Não há dúvida de que o ideal é que fique nas mãos do Estado, com gestão profissionalizada, sem a costumeira influência política predatória. O Brasil ganha com isso”.
A base do governo no Congresso Nacional, contudo, segue o caminho não indicado pelos técnicos: tenta destravar a venda, cuja previsão de arrecadação ao Tesouro é de R$ 12,2 bilhões, ante ativos da estatal que podem chegar, como afirma Latrônico, a R$ 350 bilhões, segundo dados do mercado.
A Eletrobras é a maior holding de energia da América Latina e responde por 31% da geração no Brasil e 47% da transmissão. Por isso mesmo, os valores vêm sendo contestados por técnicos, políticos e juristas. A despeito disso, após acordo no Legislativo, a Comissão Mista que analisa a Medida Provisória 814/2017, relativa à inclusão da Eletrobrás e subsidiárias no Programa Nacional de Desestatização (PND) aprovou o parecer do relator, o deputado federal Júlio Lopes (PP-RJ). A MP tramita em regime de urgência e perde validade em 1º de junho próximo. A expectativa de Lopes é que o texto seja votado em plenário até a próxima semana.
Como explica Latrônico, o governo fala em descotização, ou seja, “para aumentar seu capital social venderá suas cotas à iniciativa privada para que essa faça a gestão do negócio”. Ao usar tal eufemismo, busca mascarar o que ele classifica como “entrega” do patrimônio público — e para o capital internacional. O especialista aponta uma das consequências dessa privatização: “O sistema de transmissão brasileiro trouxe um grande avanço tecnológico ao País. É característica nossa a transmissão de energia de longa distância, de corrente contínua. Vamos perder tudo isso, e qualquer avanço tecnológico experimental ficaria com os estrangeiros.”
Latronico observa: “Temos aí uma série de condicionantes que devem ser discutidas antes de qualquer decisão governamental sobre a Eletrobras. Vamos apresentar um documento ao Tribunal de Contas da União (TCU) que contém análise técnica sobre a questão.” A contribuição deve se somar a esclarecimentos pedidos pelo Ministério Público, os quais levaram a atrasos na análise do edital de privatização das seis distribuidoras que comporiam o primeiro bloco para leilão, marcado para 21 de maio, pelo plenário do TCU.
Aliada nessa batalha está a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Engenharia, Infraestrutura e Desenvolvimento Nacional, que incluiu o tema como prioritário em sua agenda de 2018. “A privatização da Eletrobras não é viável para o nosso país, vai muito além do pequeno valor pelo qual querem vender. É uma questão estratégica”, corrobora seu presidente, o deputado federal Ronaldo Lessa (PDT-AL). Juntamente com outros parlamentares contrários à privatização, ele apresentou em setembro de 2017 o Projeto de Lei 8.564/2017, que retira as distribuidoras de energia do PND.
Questionamentos
Um dos problemas apontados pela Abee é a transferência das dívidas das distribuidoras federalizadas ao grupo Eletrobras, para torná-las atrativas e viáveis ao investidor estrangeiro. A soma apresentada é de cerca de R$ 11 bilhões, mais encargos que superam os R$ 8,5 bi. “Vamos defender junto ao TCU que se faça uma auditoria da dívida.” Segundo o presidente da Abee, a Eletrobras quer limpar o balanço das distribuidoras, que entrariam no leilão em blocos separados. Depois, viria a cereja do bolo: o grupo e suas quatro grandes subsidiárias (Eletronorte, Eletrosul, Chesf e Furnas).
Conforme Latrônico, para além das operações financeiras danosas ao interesse público, é preciso ter clareza que “geração e transmissão são estruturantes ao país”. Ele aponta ainda outras variáveis importantes que precisam ser consideradas. A preservação da soberania nacional na Amazônia depende da presença do Estado — e abrir mão das distribuidoras vai no sentido inverso.
Ademais, é necessário levar em conta o conflito de interesses em relação ao uso múltiplo das águas no país e o contínuo déficit hidrológico. “Nos últimos dois anos, houve uma crise hídrica e há um déficit de R$ 6 bilhões judicializados. São centenas de liminares em que haverá necessidade à frente de um ajuste de contas. Esse é mais um entrave para a privatização”. Soma-se, como afirma Latrônico, o contingenciamento que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vem sofrendo em seu orçamento, “impedindo que cumpra com as suas obrigações legais de fiscalizar”. Ele é enfático: “Há necessidade de uma recuperação do órgão regulador para que cumpra integralmente sua missão, o que hoje já não consegue fazer em função do seu déficit interno.”
Do ponto de vista tecnológico, o documento da Abee abordará as perdas em relação a programas de pesquisa e desenvolvimento. “1% do faturamento de energia no País vai para um fundo destinado a P&D”, o qual ficará nas mãos do investidor estrangeiro, cita. Perde a engenharia nacional e a sociedade como um todo.