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Foto: Departamento Militar do Texas

Programas de deportação não resolvem crise migratória nos EUA, afirma especialista

Segundo professor de história Kevin Johnson, da Universidade da Califórnia, gasto dos EUA para conter imigração triplicou nas últimas décadas, mas população indocumentada dobrou
Jim Cason, David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

O número de imigrantes sem documentos que chegam à fronteira estadunidense despencará nos primeiros dias após o início da segunda presidência de Donald Trump, em 20 de janeiro, mas, a médio e longo prazo, esforços anteriores para fechar a fronteira e deportar milhões de migrantes vindos do México não conseguirão reduzir esse fluxo.

A retórica anti-imigrantes do presidente eleito já está gerando temor entre as populações indocumentadas em cidades e povoados por todo o país. Famílias temem que seus filhos fiquem fora de casa e estão elaborando planos de contingência para eles no caso de os pais serem detidos; alguns já estão considerando retornar ao México ou a outros países diante desse clima hostil e ameaçador. Analistas também preveem que os esforços do próximo governo de Trump imporão ainda mais custos ao México devido à crescente população de estrangeiros forçados a esperar ali enquanto tentam ingressar nos Estados Unidos.

As ameaças de uma fronteira fechada e a retórica oficial anti-imigrantes podem dissuadir muitos de tentar cruzar a fronteira entre o México e os Estados Unidos, mas apenas por um período. Em 20 de janeiro de 2017, quando Trump tomou posse em seu primeiro mandato presidencial, o fluxo de imigrantes através da fronteira com o México quase desapareceu, e, nos meses seguintes (fevereiro, março e abril), registraram-se os números mais baixos de cruzamentos da fronteira em décadas. Isso, segundo previsões, deverá se repetir no próximo ano, como parte da estratégia dos assessores de Trump de reiterar continuamente que a entrada de indocumentados não será permitida.

“O presidente Trump, em seu primeiro dia, assinará uma série de ordens executivas que selarão a fronteira e darão início ao maior esforço de deportação da história dos Estados Unidos”, declarou Stephen Miller, o assessor anti-imigrantes de Trump, nomeado subchefe de gabinete na Casa Branca do novo governo. Essas ordens executivas poderão incluir o reinício do programa “Permaneça no México”, que obriga os solicitantes de asilo a esperar naquele país enquanto suas petições são processadas; a ampliação do programa de deportação expedita; e o fim de programas como o de proteção temporária de deportação, que já permitiu que quase um milhão de migrantes de países em crise ou com condições violentas permanecessem nos Estados Unidos durante anos.

Pacote anti-imigrantes

Miller, o arquiteto das políticas anti-imigrantes de Trump, declarou em entrevista à Fox News que líderes republicanos no Congresso “prometeram que poderão aprovar, em janeiro ou início de fevereiro, um pacote de financiamento para a fronteira, o maior investimento em segurança fronteiriça da história dos Estados Unidos”. Esses fundos, acrescentou, apoiarão um aumento massivo no número de oficiais da agência de Alfândega e Imigração (ICE) envolvidos em deportações, um aumento histórico no efetivo da Patrulha de Fronteira e no salário desses agentes, além de financiamento completo para “operações militares”, locais de detenção de migrantes e barreiras na fronteira.

Questionado no domingo sobre algumas dessas medidas, Trump afirmou que as primeiras ordens de deportação focarão nos migrantes acusados de cometer delitos — uma categoria que, segundo o ICE, inclui 662.566 imigrantes, alguns dos quais foram acusados, mas não condenados, e muitos dos quais não estão presos.

Ameaças e ataques de Trump já causam desespero em imigrantes nos EUA

Em entrevista à NBC News, Trump declarou que tem a intenção de deportar todos os que estão no país de maneira irregular. “É algo muito difícil de fazer, mas existem regras, regulamentos e leis. Eles entraram ilegalmente”, afirmou. Contudo, como frequentemente acontece, Trump se contradisse ao sugerir que é necessário encontrar uma solução para os dreamers — aqueles que chegaram ao país como menores de idade com seus pais indocumentados —, permitindo que permaneçam nos Estados Unidos.

Perguntado se buscaria restabelecer a medida de sua primeira presidência, na qual separava à força as famílias, Trump respondeu que a melhor maneira de evitar isso seria deportar toda a família junta. “Enviaremos [de volta] toda a família, muito humanamente, ao país de onde vieram. Assim, a família não será separada”, comentou à NBC.

Ordens finais de deportação

Uma segunda prioridade para a deportação serão as 1,4 milhões de pessoas no sistema migratório estadunidense que têm ordens finais de deportação, mas que ainda permanecem no país. Outros 1,7 milhões sujeitos à deportação serão aqueles que estão esperando audiências relacionadas às suas solicitações de asilo.

Existem precedentes históricos de deportações em massa. O próprio Trump citou o programa “Operação Wetback [costas molhadas]” durante a presidência de Dwight Eisenhower, nos anos 1950, como um modelo a ser seguido hoje. Em 1954, o ex-general do exército dos Estados Unidos Joseph Swing se juntou à Patrulha Fronteiriça e organizou um esforço de deportação com características militares, que incluiu batidas em trabalhadores nos campos, o cerco a parques urbanos e a prisão de qualquer pessoa que parecesse “mexicana”. Muitos foram colocados em vagões de gado em trens e transportados para a fronteira, partindo de Los Angeles e de outras cidades.

Trump estigmatiza mexicanos enquanto EUA têm índices de violência superiores a México, Haiti e Afeganistão

Em entrevista ao jornal La Jornada, o professor de história Kevin Johnson, da Universidade da Califórnia em Davis, explicou que “oficiais de imigração foram enviados a lojas e lugares públicos onde se supunha que os imigrantes se reuniam. Não houve grande preocupação com o devido processo. Era rápido e sujo”. O governo federal afirmou ter deportado 1,3 milhões de pessoas, incluindo não poucos que eram cidadãos estadunidenses.

Mas o professor Johnson afirma que um paralelo mais adequado ao que Trump está propondo seria a menos conhecida deportação em massa de mexicanos durante a Grande Depressão, em 1931, sob o governo de Herbert Hoover. “Isso foi liderado por governos locais e estaduais. A polícia realizou batidas em lugares públicos… aproximadamente um milhão de pessoas de ascendência mexicana, incluindo muitos filhos de imigrantes, foram deportados”, relatou.

O atrativo dos “empregos”

O especialista destacou que nenhum desses programas de deportação em massa conseguiu pôr fim à migração indocumentada. O emprego é o fator principal que motiva a imigração para este país, lembrou, e “enquanto existirem esses empregos, os imigrantes virão. A Operação Wetback teve muito pouco impacto sobre a população indocumentada neste país”, apontou.

Para comprovar seu ponto, Johnson indicou que, em meados dos anos 1990, a população indocumentada nos Estados Unidos era de aproximadamente 5 milhões. Ele acrescentou que, hoje, embora o gasto federal para conter a imigração indocumentada tenha triplicado, a população indocumentada está entre 10 e 11 milhões. “Não existe evidência de que a repatriação funcione”, concluiu.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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