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Proteger democracia vai além de enfrentar golpismo: é precisar lutar por soberania

Não há democracia sem soberania e não há soberania se o país é refém de terceiros em energia e em produção de alimentos
Pedro Augusto Pinho
Pátria Latina
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

O brilhante intelectual professor Francisco Carlos Teixeira, historiador e cientista político, para o “Viomundo”, em 31/08/2023, lamenta a oportunidade perdida pelo governo Lula de consolidar a democracia no Brasil. Em suas palavras, “A consolidação da Democracia no Brasil é uma pauta tão importante quanto a fome e o desemprego. Sem Democracia, a erradicação das posições de mando das elites antipovo será impossível e seremos sempre um país da fome cíclica e a República dos Privilégios.

Não lutar contra os golpistas em seus nichos é um baita desconhecimento da nossa História. E, no limite, não fazer o enfrentamento didático das Direitas trabalha contra o fortalecimento da própria Democracia entre nós”.

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Perguntamos, quando houve democracia no Brasil, no sentido da participação do povo nas decisões que alteram a vida nacional. E ainda mais, quando e por quanto tempo a estrutura de governança da nação estava adequada a esta participação.

Não há democracia sem soberania e não há soberania se o país é refém de terceiros em energia e em produção de alimentos

Arquivo Nacional
Que democracia é essa que devemos preservar a qualquer custo, como está em todas as mídias?

Breve resumo de nossa estrutura de estado, colonial e independente

Desde a chegada de Tomé de Souza, com a Carta Régia de Dom João III, que definiu a estrutura organizacional da colônia (7 de janeiro de 1549) até a Revolução de 1930 (3 de outubro de 1930), guardadas as expansões territoriais e o aumento populacional, donde as necessidades de maior produção interna e repartição de encargos, tivemos a mesma estrutura de Estado.

A defesa externa, na época das capitanias hereditárias, das invasões por mar, na estreita faixa de terra definida pelo Tratado de Tordesilhas, que bastava ser marítima, donde o capitão-mor da costa.

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Com a independência e o império, o aumento das áreas terrestres necessitaram um capitão-mor da terra, os ministros da marinha e da guerra.

O ouvidor-geral se transforma no Ministro da Justiça e Negócios Interiores, pois o controle interno se expandiu exigindo dilatar os recursos. O provedor-geral se divide no Ministro da Fazenda e no Ministro da Agricultura, responsável pelo principal produto de exportação e recursos nacionais: os agrícolas.

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Apenas a novidade, inimaginável numa colônia, as relações exteriores, trouxe alteração no Brasil de Tomé de Souza para o de Pedro I.

Todas demais funções, que se poderiam exigir do Estado, eram supridas pelo mercado, pela iniciativa privada, como a educação por ordens religiosas católicas, sobressaindo a Companhia de Jesus.

Revolução de 30

A Revolução de 1930 prepara o Brasil para enfrentar a II Revolução Industrial, a da produção de massa, a das inovações no processamento dos bens extraídos da natureza. E o país escravista tem, finalmente, o reconhecimento do trabalho como elemento fundamental da construção nacional, como os capitais na indústria e no comércio: Ministério do Trabalho, Indústria e do Comércio (26 de novembro de 1930).

A Educação e a Saúde, bases da cidadania e da capacidade de enfrentar os desafios de crescimento, resultam no Ministério da Educação e Saúde Pública (14 de novembro de 1930). Muitas outras alterações na estrutura do Estado Nacional, como Institutos e Autarquias, Getúlio Vargas, como líder da Revolução, criou autocraticamente.

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Segue-se período de intensa disputa ideológica, com a Revolução Bolchevista de outubro de 1917, na Rússia Czarista, com a questão racial com o nazismo, em 5 de janeiro de 1919, e seu Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães e, na Itália, em 1919, como organização paramilitar, que se transforma em partido, em 1921.

No Brasil da década de 1930, todas estas forças políticas, ideológicas, tentam obter o poder, levando Vargas a implantar o Estado Novo, que dura até o golpe militar de 1945.

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A Constituição de 18 de setembro de 1946, que levará às eleições em 3 de outubro de 1950, retoma a linha da Constituição de 1934 e foi promulgada pelo Congresso recém-eleito, que assumiu tarefas de Assembleia Nacional Constituinte.

Não chega Vargas ao término de seu mandato, outro golpe se articula e ele prefere sair da vida para entrar na história. Durante os governos de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadro e João Goulart a estabilidade institucional é constantemente ameaçada até que se dá o Golpe de 31 de março de 1964.

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Pode-se, portanto, sintetizar que, deixando de ser colônia, onde a autoridade emana do exterior, por último a dos banqueiros ingleses, o Brasil passa a ter governos surgidos de revolução, de golpe e de contragolpes até 1964.

Em 1964, os militares no governo também aplicam golpes no golpe, como em 1967, de industriais paulistas nos interesses estadunidenses e, ao final do governo Geisel, o golpe da sucessão presidencial, protagonizado pelas finanças, que se empoderam na luta contra a industrialização, e preparam o País para a farsa da redemocratização.

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Apenas recorde-se a luta que as finanças, originalmente inglesas, depois anglo-estadunidenses, e agora já apátridas, para reconquista do poder após a derrota na I Grande Guerra e, ainda maior, após a emergência da indústria estadunidense – o complexo industrial militar referido pelo presidente Ike Eisenhower – que domina os EUA até Ronald Reagan.

O Brasil se prepara para redemocratização quando o mundo vê acontecer as desregulações financeiras, grande triunfo das finanças, que têm início nas grandes praças de Londres e Nova Iorque e tomam o mundo. E vitoriosas, ao fim da década, as finanças enunciam a nova lei, o decálogo de 1989, o Consenso de Washington.

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Inicia um novo tempo para o mundo. Os Estados Nacionais perdem poder para as finanças apátridas, como Brasil, ingênuo, sempre buscando a salvação pelo milagre – ou o que faz a igreja neopentecostal com seus crescentes contribuintes – que elege, desde Collor, serviçais da banca.

A democracia que o Brasil jamais conheceu também sofre desgastes em todo mundo. Como serem democráticos países que abdicaram da soberania monetária, como os europeus? Ou se submetem pela total incapacidade de reação a dispensar a indispensável energia, deixando sua condição industrial se esvair, como a Alemanha? Ou, ainda mais trágico, como a França, eleger e reeleger um empregado dos mais tradicionais bancos do mundo, o da família Rothschild, que, desde o século XVIII, associou-se à aristocracia britânica, e hoje tem posição destacada nas finanças mundiais.

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O novo mundo do “fim da história” produz estragos por todo ocidente, pelos continentes colônias, das Américas e da África, e chegam às casas dos antigos colonizadores europeus.

E no Brasil?

Não há democracia sem soberania e não há soberania se o país é refém de terceiros em energia e em produção de alimentos.

O Brasil do século XXI

Nas duas últimas décadas do século XX, o Brasil só viu nos governos militares a tortura, assassinatos, repressão, censura, a ditadura militar. Não viu as diferentes orientações de Castelo Branco, Médici e, principalmente, Geisel. Este último chegou a enfrentar os EUA em questões até então tabu, desde Vargas, como política externa, de energia e militar.

Não se curvou ao embargo decidido pelos EUA ao Iraque, e lá levou a Petrobrás, que descobriu o maior campo de petróleo dos últimos anos (1975), que valeu o suprimento em condições vantajosas para o Brasil, importador de 80% do petróleo aqui consumido. Reconheceu a independência de Angola, com governo comunista. Não cedeu às restrições do desenvolvimento tecnológico da engenharia nuclear, firmando o Acordo Brasil-Alemanha. E, ainda, denunciou o tratado de ajuda militar Brasil-EUA.

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Estas atitudes soberanas não tiveram continuidade no Brasil redemocratizado (!). Ao contrário. Importamos a ideologia neoliberal que enfraquece os Estados Nacionais em proveito do “mercado”, dando poder aos capitais financeiros apátridas, como se encontra o Brasil de 2023: refém do Banco Central “independente” (sic).

Quem decide sobre a energia no Brasil que tem privatizada a hidrelétrica, a da biomassa, as pretensamente alternativas e mais da metade da fóssil, que não é mais do Estado brasileiro? O quesito energia não mais está sob domínio do Estado Nacional.

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A agricultura passou a ser de exportação, não para alimentação nacional. E a agricultura familiar e dos grupos de agricultores dos Movimentos sem Terra são vítimas de perseguições políticas, de assassinatos e ações violentas das polícias. Muito do que está disponível para consumo é caro e tem origem no exterior. E a autonomia alimentar onde fica?

O controle da moeda, que a Europa demonstra que a falta de decisão dos Estados sobre sua moeda própria leva à submissão a interesses não nacionais, está no Brasil, por legislação imposta pelas finanças apátridas, com o Banco Central independente do Estado Brasileiro.

Em artigo (06/09/2023) no Monitor Mercantil (“China, Brasil e os aprendizados mútuos: ontem e hoje”), o doutor em ciência política Felipe Maruf Quintas esclarece:

“Passa relativamente despercebido o fato de a China ter, no início do seu processo desenvolvimentista, sob a liderança reformista de Deng Xiaoping (1978-1990), buscando inspiração no Brasil para se modernizar. O desenvolvimentismo brasileiro, sobretudo o do Regime Militar, caracterizado pela abertura de novas frentes empresariais de investimento e de exportação, através do planejamento governamental, rechaçado pela esquerda e pelos nacionalistas por seu suposto caráter “associado-dependente”, serviu de modelo para os tecnoburocratas chineses conduzirem a abertura de mercado, sem prejuízo da capacidade ordenadora e indicativa estatal”.

Ausência de Estado

A ausência do Estado Nacional passa a ser de tal modo inserida na pedagogia colonial que o então presidente Bolsonaro, sem provocar surpresa nem escândalo, declara que o “mercado” mandava no Brasil e ele, presidente eleito, nada podia fazer.

Os preceitos do Consenso de Washington, falaciosos, serviram para a aberração do “teto de gastos” (Emenda Constitucional n.º 95) que levou ao comentário irônico do professor da UFRJ, Daniel Negreiros Conceição, no Prefácio do livro de Gustavo Galvão e Heldo Siqueira, “Problemas e Limites da Teoria Monetária Moderna – MMT e das Finanças Funcionais” (Brasília, 2023) que transcrevemos:

“Com o colapso das rendas privadas e, consequentemente, da arrecadação de impostos, e com a necessidade de elevação substancial nos gastos públicos para combater a crise sanitária (por exemplo, construir e equipar hospitais de campanha, adquirir remédios, testes e vacinas) e econômica (pagamento de auxílios emergenciais), o resultado fiscal primário do governo brasileiro chegou em 2020 ao seu maior valor histórico de, aproximadamente, 700 bilhões de reais, impossível e inimaginável dentro do paradigma da responsabilidade fiscal. Ao mesmo tempo, a taxa básica de juros foi levada pelo Banco Central do Brasil ao seu mínimo histórico, puxando para baixo o custo distributivo da dívida pública brasileira. Este conjunto de fatos teria sido simplesmente impossível se a economia brasileira realmente funcionasse segundo descrito pelos defensores da austeridade. Felizmente, o governo brasileiro nunca enfrentou falta de fontes de financiamento para seus gastos. O Tesouro Nacional realizou todos os seus pagamentos em 2020 como sempre fez e como faz qualquer governo monetariamente soberano através da criação de moeda”.

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País sem soberania, não tem cidadania, e país sem cidadania não tem democracia. Que democracia é essa que devemos preservar a qualquer custo, como está em todas as mídias?

Certamente é a farsa que as finanças apátridas jogam como espetáculo eleitoral, onde os candidatos são previamente selecionados e o povo vota em quem não conhece. E para se prevenir de eventual presidente nacionalista, o congresso e o judiciário avançam sobre o executivo.

Prezado professor Francisco Carlos Teixeira, não é punindo militares que se preserva a democracia. É preservando a soberania nacional. E com a mais ampla e diversificada comunicação de massa, hoje quase um monopólio midiático devotado ao poder das finanças apátridas.

Pedro Augusto Pinho | Administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG) e atualmente preside a AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobrás.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Pedro Augusto Pinho

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