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Amaro Dornelles*
No momento em que o país se mobiliza nacionalmente em assembleias populares informais, à margem de qualquer representação partidária – clamando contra corrupção, baixa qualidade do serviço público e a própria representação política através da web – a Câmara Municipal de São Paulo abriu suas portas para o Seminário ‘De Landell de Moura à Web – o Futuro do Rádio no Brasil’.
Não obstante, o que poderia ser a demonstração de que a sociedade finalmente começa a valorizar seus verdadeiros ícones – que revolucionaram o conhecimento como foi o caso do brasileiro inventor do rádio – o que se assistiu, mais uma vez, foi uma reunião de 50 professores, jornalistas, historiadores e congêneres – discorrendo sobre o mérito inglório de um visionário e a capacidade do rádio se adaptar à moderna tecnologia.
O que chama a atenção é a omissão da mídia. Por mais que grandes empresas eventualmente até noticiem o legado de Landell de Moura, o fato é que os grandes meios nunca aparecem quando são necessários. E isso que o evento aconteceu no Palácio Anchieta, a sede do Legislativo Paulistano. Ao sair do Seminário, o presidente da casa, vereador José Américo (PT), jornalista, reconheceu:
– O caso Landell de Moura é típico do histórico brasileiro em não apoiar ideias originais de pesquisadores, cientistas sociais ou de um engenheiro genial. Lutar pelo reconhecimento do brasileiro que estabeleceu a primeira transmissão radiofônica no mundo significa criar ambientes adequados para a verdade vir à tona e ter efeito junto à comunidade, junto à mídia e nas esferas políticas. Por isso abrigamos, na Câmara Municipal, o debate em torno da figura desse gaúcho pioneiro no mundo da comunicação. Não podemos esquecer que seu feito, no começo do século XX, foi testemunhado pela imprensa, na presença de jornalistas do Estadão e do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro
Incrédulos e Crentes
Apesar da notoriedade dos participantes e importância do invento, a chamada grande imprensa simplesmente ignorou o fato. Antes e depois. Nem mesmo a força do Jornalistas&Cia – a newsletter semanal criada em 1995, de ampla circulação entre os profissionais – foi capaz de chamar a atenção dos pauteiros de plantão.
Claro… É muito mais fácil – e lucrativo – exaltar a brasilidade no próximo gol do “escrete canarinho” do que lembrar de um inventor tupiniquim, ainda mais padre. Por mais que os profissionais tenham ciência do que seja uma boa pauta, a grande imprensa não tem interesse em divulgar este tipo de notícia.
“A dificuldade de mobilizar a sociedade em torno de um tema como ciência não diz respeito ao dia a dia”, observa Eduardo Ribeiro, o mentor do Jornalistas&Cia, que comprou a luta de Landell de Moura desde o começo. Em suas opinião, ainda faltaria um padrinho – ou madrinha – de maior prestígio:
Seis mil assinaturas!
– Um presidente da república, um grande artista, enfim, alguém que seja admirado pela mídia e que abraçasse a causa como nós abraçamos. Nos meios mais intelectualizados, mesmo quem adere parece sentir um pouco de vergonha de se expor. É algo na linha, tudo bem, até apoio, colocando meu nome, mas não esperem mais do que isso. Talvez por ainda também não serem totalmente crédulos desses feitos.
A luta pelo reconhecimento do legado deste gaúcho que veio para São Paulo em busca de financiamento para seus projetos é articulada por um paulistano, o jornalista e historiador Hamilton Almeida. Em 10 de julho de 2009 ele fundou com três parceiros o Movimento Landell de Moura, MLM, cuja primeira iniciativa foi criar um abaixo abaixo-assinado – nacional e internacional – a ser encaminhado às autoridades do Governo, solicitando a inclusão dos feitos de Roberto Landell de Moura no curriculum escolar obrigatório, assim como se atribui a invenção do avião a Santos Dumont.
Contando atualmente com pouco mais de seis mil assinaturas, a petição foi entregue duas vezes ao Ministério da Educação: no final de 2011, ao ministro Fernando Haddad, pela senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) e a jornalista Kátia Cubel. E também em 13 de março último, pelo próprio Hamilton Almeida, ao assessor especial do ministro Aloizio Mercadante, Rolf Eckbart.
Será que o padre cientista com sangue de professor pardal não tem nada a ver com cidadania e a efervescência nas ruas? Será que o governador do Rio Grande, já pensou no tema? Ou a presidente da República – que nasceu em Minas mas se formou politicamente nos pagos – já pensou no quanto o reconhecimento do legado de Landell de Moura pode significar para a autoestima do brasileiro?
Avaliar, Aceitar ou rejeitar
O baixo comparecimento ao seminário sobre Landell de Moura é sintomático em uma sociedade condicionada por veículos de comunicação social avassaladores em seu poder de persuasão. Como todos já estamos carecas e grisalhos de saber, fosse um site de fococas televisivas, futebol ou de sexo, e o número de adesões já estaria estourando recordes de visitação. Os futuros jornalistas que se preparam para entrar no mercado profissional devem conhecer um pouco melhor o que os espera.
A informação deixou de ser um direito do cidadão – como ensinam os gregos desde antiguidade com o termo *isegoria – para se tornar apenas uma mercadoria, sujeita à lei da oferta e da procura do público consumidor. Enquanto a comunidade não se mobiliza, o “Cavalheiro da Esperança”, Hamilton Esperamos segue sua luta pelo reconhecimento Landell de Moura.
*Isegoria
Numa democracia, o direito à informação é essencial. Tanto o direito de produzir e difundir informação como o direito de receber e ter acesso à informação. Isso se chama isegoria, palavra criada pelos inventores da democracia, os gregos, significando o direito de emitir em público uma opinião para ser discutida e votada, assim como o direito de receber uma opinião para avaliá-la, aceitá-la ou rejeitá-la. Justamente por isso, em todos os países democráticos, existe regulamentação do setor de comunicação. Essa regulamentação visa assegurar a isegoria, a liberdade de expressão e o direito ao contraditório, além de diminuir, tanto quanto possível, o monopólio da informação. Evidentemente, hoje essa regulamentação encontra dificuldades postas pela estrutura oligopólica dos meios, controlados globalmente por um pequeno número de empresas transnacionais. Mas não é por ser difícil, que a regulamentação não deve ser estabelecida e defendida. Trata-se da batalha moderna entre o público e o privado. (Maria Helena Chauí)
Saiba +
Precursor da primeira transmissão de rádio – anterior à experiência realizada pelo italiano Guglielmo Marconi – padre Roberto Landell de Moura morreu no anonimato. Pioneiro das telecomunicações, concebeu ainda a televisão e vislumbrou as comunicações interplanetárias. Seu nome é lembrado por restritos grupos acadêmicos e estudiosos. Em Padre Landell de Moura – Um herói sem glória, Editora Record, o jornalista e escritor Hamilton Almeida capta a genialidade do inventor com a mais completa biografia do incompreendido cientista brasileiro. O trabalho é resultado de pesquisas iniciadas em 1976 pelo autor. Almeida demonstra em seu trabalho que a falta de oportunidade para mostrar suas descobertas ao governo brasileiro levaram o padre cientista a se retirar das pesquisas e dedicar-se apenas a sua vocação religiosa. O autor sustenta que Moura foi capaz de prever o futuro da comunicação humana: “Em breve, outros inventores, mais afortunados do que eu, irão descobrir meus próprios inventos” vaticinou o inventor incompreendido em seu tempo. Tal qual Copérnico, Landel De Moura foi acusado de bruxaria. Além de ter sido taxado de maluco pelas autoridades instituídas. Emigrou para os Estados Unidos, onde registrou as patentes de seus inventos em 1904. Em 1984, a Fundação de Ciência e Tecnologia, Cientec, de Porto Alegre (RS), construiu uma réplica daquele que pode ser considerado o primeiro aparelho de rádio do mundo: o Transmissor de Ondas. Construído cerca de 80 anos antes, o invento de Landell de Moura funcionou perfeitamente, confirmando o talento de seu inventor.
*Amaro Dornelles, jornalista e diretor da GêneseConsultoriaEmComunicaçãoSocial, colabora com Diálogos do Sul