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Protestos por George Floyd: EUA já prenderam mais manifestantes do que Hong Kong

Enquanto o mundo condenou a China por sua resposta aos protestos, os números e as imagens deixam claro que os EUA responderam ainda com mais força
Gabriel Deslandes
Opera Revista Independente
São Paulo (SP)

Tradução:

Passado pouco mais de uma semana de manifestações, o número de americanos presos nos protestos por George Floyd excede em muito o de presos em mais de um ano de protestos em Hong Kong. Uma pesquisa com 30 departamentos de polícia realizada na terça-feira (2 de junho) descobriu que só eles detiveram ao todo mais de 11 mil pessoas, o que significa que o número real de presos em todo o país será certamente maior. Isso se compara a cerca de nove mil detidos em Hong Kong.

As autoridades chinesas foram condenadas pelos governos ocidentais e por organizações de direitos humanos pelo uso excessivo da força, usando gás lacrimogêneo e balas de borracha que prejudicaram os manifestantes. Entretanto, em mais de um ano de conflito quase constante, as autoridades não mataram ninguém. Em contraste, pelo menos 17 pessoas já foram assassinadas protestando nos EUA. A Guarda Nacional foi ativada quase imediatamente e enviada para 24 estados, com o presidente incentivando as autoridades a atirarem em qualquer um considerado “bandido” ou “saqueador”. “Quando o saque começa, o tiroteio começa”, tuitou Trump. A polícia parece ter levado a mensagem a sério, atirando e matando Sean Monterrosa, um rapaz desarmado de 22 anos em Vallejo, Califórnia, enquanto ele estava ajoelhado e com as mãos para cima. Enquanto isso, na quarta-feira (3 de junho), a polícia de Los Angeles atirou no rosto de um sem-teto em cadeira de rodas.

Tanto nos EUA quanto em Hong Kong, as autoridades apontaram agitadores externos para explicar a violência. O prefeito de St. Paul, Melvin Carter, afirmou na semana passada que todos os manifestantes presos eram de fora do estado, o que implicava uma grande conspiração para a prática de violência. Mais tarde, ele retirou sua declaração após ter sido provado que a grande maioria dos manifestantes era, de fato, local. A ex-embaixadora americana nas Nações Unidas e assessora de Segurança Nacional do presidente Obama, Susan Rice, acredita ter visto uma mão russa em meio ao caos. “Eu apostaria, com base na minha experiência, que isso faz parte do manual russo”, disse ela a Wolf Blitzer da CNN, acrescentando: “Não ficaria surpresa ao descobrir que eles fomentaram alguns desses extremistas de ambos os lados usando as mídias sociais. Não ficaria surpresa ao saber que os russos os financiaram de algum jeito, forma ou maneira”. O conselheiro de Segurança Nacional de Trump culpou a China e o Irã. Enquanto isso, o senador da Flórida Rick Scott afirmou que os protestos estavam sendo organizados por Nicolas Maduro, da Venezuela. Nenhum deles é capaz de apresentar algo mais substantivo do que alguns tweets.

Por outro lado, alguns dos manifestantes de Hong Kong seguem sendo treinados, financiados e apoiados abertamente por Washington. Desde 2014 – ano dos protestos dos guarda-chuvas em Hong Kong –, a organização de mudança de regime da Casa Branca (NED) despejou (oficialmente) mais de US$ 29 milhões na China e Hong Kong para “identificar novos caminhos para a democracia e a reforma política”. Contudo, antes que os protestos de Hong Kong entrassem em erupção, o presidente da NED, Carl Gershman, chamou a China de “regime despótico ressurgente, que aperta sua repressão internamente e expande seu poder a nível global”, alegando que “a democracia está ameaçada” e que devemos “defendê-la”, confirmando assim que qualquer coisa “pró-democracia” na China é, por definição, antigoverno. Desde que as manifestações em Hong Kong começaram, Washington liderou o mundo na tentativa de pressionar e isolar a China sobre o assunto, e lideranças de protestos como Joshua Wong viajam de um lado para o outro nos EUA para conhecer as principais autoridades americanas. Enquanto isso, a diplomata americana Julie Eadeh foi fotografada em uma reunião com outros líderes do protesto.

O conflito nos EUA eclodiu após aparecerem vídeos do policial Derek Chauvin, de Minneapolis, sufocando o homem negro desarmado e algemado, George Floyd, até a morte. Em Hong Kong, a raiva surgiu em resposta a um tratado de extradição proposto com a China que muitos ilhéus acreditavam que minaria com força as liberdades civis especiais que possuem. Ambos os protestos contam com uma boa quantidade de apoio público; pesquisas mostram que, em geral, entre 50 e 60% dos nativos de Hong Kong apoiam os protestos, enquanto 54% dos EUA apoiam as manifestações por George Floyd. Todavia, apesar dos níveis semelhantes de aprovação, suas bases de apoio contrastam bastante. Enquanto os protestos de George Floyd têm queimado a bandeira americana e se opõem categoricamente à intervenção racista de Donald Trump, os habitantes de Hong Kong agitam a bandeira dos EUA e pedem que ele intervenha: “Presidente Trump: liberte Hong Kong” é o slogan predominante visto nos cartazes. Em outros lugares, os hong-kongueses cantaram God save the queen e penduraram a bandeira do Reino Unido no prédio legislativo da cidade. Os britânicos governaram o território como uma colônia até 1997, e o gesto foi interpretado pela mídia ocidental como um “apelo” pela intervenção do Reino Unido.

Enquanto o mundo condenou a China por sua resposta aos protestos, os números e as imagens deixam claro que os EUA responderam ao seu levante popular com mais força e menos tolerância do que Pequim. Se a China é um Estado policial autoritário, isso significa que os EUA também se qualificam para o mesmo título?

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gabriel Deslandes

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