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Quando cores e sons da quebrada inundam a videoarte

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Projeto apresenta fusões de imagens e ritmos como ferramenta infinita de expressão da favela. “Vamos muito além de entretenimento”, diz articulador

<<Por Bruna Bernacchio e Juliane Cintra>>

Para a surpresa da plateia, uma apresentação artística consagrou o encerramento da Mostra Estéticas das Periferias. O poeta Gog, de improviso inesperado, subiu ao palco para acompanhar uma misteriosa exibição que seria transmitido na telona.

Enquanto ele declamava suas palavras de resistência e amor pelo seu povo, o projetor disparava centenas de imagens, entre vídeos e fotos – retirados da internet pelos criadores-, que se alternavam e movimentavam, dançando conforme a música remixada (a partir de funk, rap, forró, samba e suas misturas), conduzindo o público a uma viagem de rápidas visões e pensamentos refletidos, que passam, se sobrepõem, e estasiam.

 

Para o Morro da Previdência, no Rio de Janeiro, onde o videoarte foi instalação em 2010, foi identificação imediata, sentimento de estar sendo representado, de ter voz e forma. Ainda mais quando o pessoal começou a ver seus rostos, literalmente, em tempo real e acelerado, entremeados às outras imagens.

O projeto, chamado de Encontros, surgiu após um grupo de jovens participarem de uma serie de oficinas ministradas por um artista londrino, Gary Stewart. O principal objetivo: manipular sons e imagens, essas retiradas da internet.

Depois das técnicas aprendidas e experiência adquirida, Felipe Jesus e Bruna Passos, que se apresentam no vídeo acima, estão ministrando eles mesmos oficinas para outros adolescentes da periferia. Primeiro, foram assistentes de Gary, com um grupo de decendentes de imigrantes em Londres.

Agora, no final deste ano, devem ir para São Paulo para realizar oficinas com o Cooperifa, no Capão Redondo, e com o Teatro Oficina, do Bixiga. Esse projeto se chama “Declarações”, desta vez com vídeos dos próprios jovens, que vão declarar para a Assembleia Legislativa da cidade, suas angústias e emoções através da videoarte. As apresentações devem ocorrer em março do ano que vem.

Neste link é possível ver um trecho da mesma arte exibida na apresentada na mostra. Abaixo, as respostas de Felipe Jesus para algumas questões e curiosidades despertadas após a primeira conversa, e enviadas por e-mail:

Como foi o processo de entrar em contato com o videoarte? Isso já tinha acontecido antes de conhecer o Garry?
Sim. Sempre me interessei por artes em geral. Estudei em uma escola técnica pública no Rio de Janeiro onde tive a oportunidade de fazer um curso de produção em áudio e vídeo. Foi nessa escola onde tive as primeiras aulas de história da linguagem audiovisual e fiquei super interessado no tema. Procurei outras escolas que ensinassem arte e tecnologia e achei a Spectaculu. Fiquei super impactado com a estrutura dos laboratórios da Spectaculu e o mais impressionante foi ser informado que era uma escola gratuita. Foi muito bom e animador descobri-la, era tudo que eu precisava naquele momento, pois na escola pública o aprendizado ficava muito nas discussões teóricas.

Tive a oportunidade de trabalhar em alguns festivais de arte e entrar em contato com vários artistas. Desde então conheci uma galera muito bacana e surgiram diversos projetos relacionados ao audiovisual. Inclusive um chamado Estética Central e baseado em novas mídias. Conseguimos montar um stand em plena estação Central do Brasil. Foi um projeto surpreendente, em que emprestávamos um celular para os participantes e eles tinham cerca de uma hora e meia para gravar, editar imagens e fazer um vídeo de um minuto sobre o que achavam interessante na estação. Sempre acompanhados por um monitor, é claro, pois para muitos era a primeira vez que estavam fazendo vídeo ou videoarte. Mais tarde, a produção foi exibida em uma grande tela em plena Central do Brasil, para todos os usuários e convidados assistirem.

De alguma forma vocês adaptaram a técnica/estética que ele passou para algo “mais brasileiro”?
Sempre. Lembrando que durante as oficinas do Garry, sua didática sempre esteve pautada na não-opressão criativa. Por mais que existisse um tema para nortear o trabalho, ele sempre evitou interferir de forma ditatorial no processo criativo dos grupos. Alguns destes optaram por temas mais globais, porém em alguns momentos dos vídeos, sempre apareciam fotos, textos e vídeos relacionados aos nossos problemas sociais e temas relacionados à Cultura Brasileira.

Como foi a construção dessa estética que vocês produziram? Foi algo pensado ou totalmente orgânico?
Foi algo pensado. Pode parecer que não, mas foi pensado. Aprendemos que por trás das obras artísticas, devemos sempre transmitir mensagens. Desde as obras mais simples até as obras mais mirabolantes e performáticas, sempre devemos transmitir mensagens que de alguma forma possam levar o público a fazer uma reflexão. Por mais que o entendimento seja subjetivo, cabe ao criador transmitir algo que leve o público a analisar o conteúdo das imagens.

Muitas vezes, uma apresentação de videoarte pode parecer puro entretenimento, porém sempre haverá brechas para inserir mensagens visuais e sonoras com potencial para estimular o senso crítico do espectador. Imagens que possam provocar uma reflexão e uma possível conclusão sobre o conteúdo assistido.

Você acha que o videoarte é uma linguagem que já foi apropriada pela periferia? Pode ser? Por quê?

Sim. A videoarte durante muito tempo esteve ligada a grupos de artistas pertencentes às classes sociais mais abastardas da sociedade. Tanto que antigamente para realizar uma instalação artística utilizando meios tecnológicos era preciso fazer um investimento considerável em equipamentos que geralmente eram importados ou adquiridos por artistas ou parentes dos mesmos em suas viagens ao exterior.

Levando em consideração a realidade financeira de grande parte da população brasileira, ainda fica pouco viável adquirir certos equipamentos por parte das classes populares para produzirem videoarte. No entanto, a videoarte esteve, e de certo modo ainda está, desconhecida como linguagem a ser produzida pela grande parte da população brasileira, porém atualmente estamos vivendo um momento muito especial e importante.

Aparelhos tecnológicos (projetores, computadores, celulares, tablets e afins) estão tornando-se acessíveis para as classes sociais mais simples. E aí a produção audiovisual começa a se popularizar entre as classes menos favorecidas das cidades. Hoje muitos jovens, adultos e até idosos possuem até mais de um celular que filma, fotografa, toca música, manda mensagem e alguns até que editam vídeos e inserem computação gráfica dando a possibilidade de enviar os mesmos para as redes sociais em poucos minutos. Aplicativos que antes eram encontrados em softwares de manipulação gráfica super complexos de serem manipulados, tornam-se populares e simples de manusear, dando a oportunidade das pessoas fazerem fotos e vídeos com efeitos estéticos super interessantes.

Com o barateamento e a popularização desses equipamentos, de certo modo, acabam incentivando, mesmo que de forma não intencional, a produção de conteúdos audiovisuais relacionados à videoarte. Mesmo que o indivíduo que manipula o “super celular” ou o tablet não tenha o devido entendimento de que sua prática audiovisual cotidiana possa se torna uma obra artística com qualidade técnica e conceitual, que muitas vezes não deixam a desejar em comparação as obras dos mais importantes e variados artistas multimídia já conhecidos no meio artístico.

Estou torcendo para que esses conteúdos acabem tendo visibilidade cada vez mais nas redes sociais e se possível futuramente ocupar espaços na TV aberta e principalmente nas galerias dos principais museus. De preferência os que são destinados a arte e tecnologia, localizados nos principais centros urbanos. Espero que os mesmos tornem-se obras artísticas conhecidas e que possuam potencial crítico e criativo, para ocuparem galerias e até mesmo espaços não convencionais que possibilitem exibições e performances em diferentes espaços alternativos em diversas cidades.

Tenho acompanhado alguns festivais de vídeo que acontecem pelo Brasil, não poderia deixar de citar o Projeto de VJ “Encontros”, o “Declarações”, o festival de cinema “Vísões Periféricas”, o festival de vídeo “Estética Central” e o mais recente festival de vídeo chamado “Mercadão de Filmes”, onde frequentadores populares do principal “mercadão” de produtos comestíveis e religiosos da zona Norte do Rio de Janeiro – o Mercadão de Madureira- têm através do projeto a possibilidade de realizar vídeos sobre o local, acompanhados por monitores da área de cinema e vídeo.

Esses tipos de iniciativas estão crescendo cada vez mais e estimulando a produção nas periferias, e o principal, alguns deles estão até premiando e dando visibilidade nacional e internacional para essas obras audiovisuais. Venho acompanhando essas produções e festivais e o mais impressionante de todos sem dúvida são as festas de Tecno Brega do Belém do Pará, onde, diferente dos festivais de cinema e vídeo, são realizadas festas que são consideradas por seus frequentadores como “A Grande Rave Paraense”. Onde grandes estruturas de Luz, som, painéis de leds e projeções e estruturas cenográficas são as principais atrações para as pessoas que frequentam essas festas nas periferias e também nos centros urbano das cidades paraenses.

Espero que surjam cada vez mais iniciativas ou fenômenos com temáticas sobre cultura popular de periferia e tipos de manifestações hibridas que surgem em diferentes regiões periféricas do Brasil. Que de certa forma continuem utilizando a videoarte em suas apresentações. Pena que o Brasil é muito grande e eu não tenha a oportunidade de conhecer todos esses fenômenos artísticos e populares apropriados pela periferia.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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