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Quase-jogadoras de futebol: meninas sofrem com falta de times de base no Brasil

Sem equipes para se profissionalizar com remuneração, muitas desistem da carreira de atleta para poder trabalhar
Julia Reis
Revista AzMina
São Paulo (SP)

Tradução:

Thais chegou a jogar futebol na Portuguesa e no Juventus, mas a falta de dinheiro e estrutura fez com que decidisse seguir carreira no jornalismo (Imagem: Arquivo pessoal)

“Como uma menina de 20 anos vai se sustentar com 200 reais?”. Essa foi a pergunta que Thais Miraldo, 21 anos, fez pra si mesma pouco antes de desistir da carreira no futebol. O valor foi a única remuneração que um clube ofereceu durante a sua tentativa de fazer carreira no futebol.

Ela, que começou no esporte para se tratar de uma depressão, chegou a ser convocada para a Seleção Brasileira Sub-15 e foi atleta dos times Portuguesa e Juventus, de São Paulo. Mas a falta de estrutura e recursos a fez trocar os gramados para seguir carreira no jornalismo.

Às vésperas da Copa do Mundo de Futebol Feminino, a realidade que encaram as meninas que decidem ser jogadoras profissionais ainda é dura. A história de Thais não é única, mas é representativa do cenário do futebol feminino no Brasil: a falta de investimento nos times de base faz com que uma grande parte das atletas desistam da carreira para poder “trabalhar”. 

Sem equipes para se profissionalizar com remuneração, muitas desistem da carreira de atleta para poder trabalhar

Thais chegou a jogar futebol na Portuguesa e no Juventus, mas a falta de dinheiro e estrutura fez com que decidisse seguir carreira no jornalismo
Imagem: Arquivo pessoal

Thais chegou a jogar futebol na Portuguesa e no Juventus, mas a falta de dinheiro e estrutura fez com que decidisse seguir carreira no jornalismo (Imagem: Arquivo pessoal)

“Como uma menina de 20 anos vai se sustentar com 200 reais?”. Essa foi a pergunta que Thais Miraldo, 21 anos, fez pra si mesma pouco antes de desistir da carreira no futebol. O valor foi a única remuneração que um clube ofereceu durante a sua tentativa de fazer carreira no futebol.

Ela, que começou no esporte para se tratar de uma depressão, chegou a ser convocada para a Seleção Brasileira Sub-15 e foi atleta dos times Portuguesa e Juventus, de São Paulo. Mas a falta de estrutura e recursos a fez trocar os gramados para seguir carreira no jornalismo.

Às vésperas da Copa do Mundo de Futebol Feminino, a realidade que encaram as meninas que decidem ser jogadoras profissionais ainda é dura. A história de Thais não é única, mas é representativa do cenário do futebol feminino no Brasil: a falta de investimento nos times de base faz com que uma grande parte das atletas desistam da carreira para poder “trabalhar”.

O sonho também não é fácil no futebol masculino, mas lá os times de base estão garantidos nos grandes clubes, de onde vem boa parte dos jogadores profissionais. Os clubes financiam times intermediários, chamados de base e aspirantes, para garantir bons jogadores para as suas equipes profissionais.

As crianças e adolescentes recebem ali treinamento e recursos financeiros para se manterem, aspirando se tornarem atletas profissionais no futuro. Mas como a maioria dos times, nem times de base femininos tem, o sonho para as meninas acaba ainda mais cedo. 

O resultado está nos campos

Parece piada de mau gosto, mas até algumas décadas atrás, a lei brasileira proibia as mulheres de jogar bola (isso mesmo que você leu). Um decreto de lei de 1941 não permitia que mulheres praticassem esportes “incompatíveis com as condições de sua natureza”. E dentre essas modalidades estava o futebol.

Esse histórico machista se reflete até hoje nos campos. Dos 20 clubes que participam da Série A do Campeonato Brasileiro, somente sete têm times de base femininos estruturados. Sem time de base, não há formação de atletas profissionais.

Um bom exemplo de como fomentar o futebol feminino e desenvolver atletas vem dos Estados Unidos, onde há a cultura de times em escolas e universidades. Isso faz com que crianças tenham contato com o esporte desde a infância. 

E o resultado se mostra nas competições: das oito edições da Copa do Mundo de Futebol Feminino, a seleção dos EUA foi a que mais taças para casa, conquistando o tricampeonato em 2015. Já a Seleção Brasileira teve o seu melhor resultado em 2007, quando conquistou o vice-campeonato. 

Na época em que Aline Pellegrino começou a jogar, não existiam times femininos de base (Imagem: Reprodução/ Instagram) 

Por aqui, chegam aos campos profissionais aquelas que persistem. Foi assim que Aline Pellegrino se tornou zagueira da Seleção Brasileira de 2004 a 2013. Quando fez carreira na Seleção, porém, ainda nem existia Campeonato Brasileiro Feminino, que teve sua primeira edição apenas em 2013.

Na adolescência, Aline praticava diversos esportes, mas tinha o futebol como o favorito. “Só que era o que eu menos conseguia fazer, porque não tinham times de base e eram poucas as meninas que jogavam”, lembra. Sem times de base, ao iniciar a carreira no futebol, aos 15 anos, Aline pulou algumas etapas em comparação ao caminho percorrido no futebol masculino, que costuma ser: time de base, aspirante e profissional.

“Fiz uma peneira para os aspirantes. Fiquei só uns 6 meses no aspirantes e já fui pro profissional, foi um choque de realidade”, conta. Antes da Seleção, Aline atuou em diversos clubes brasileiros, entre eles o Santos, onde conquistou as Copas do Brasil de 2008 e 2009 e a Copa Libertadores da América de 2010. 

Cenário está melhorando 

A história, porém, dá sinais de que está começando a melhorar. A partir deste ano, os 20 clubes da Série A do Brasileiro terão por obrigação manter um time de futebol feminino (adulto e de base) para se enquadrar no Licenciamento de Clubes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

“Hoje tem vários clubes com categoria de base, principalmente aqui no Estado de São Paulo, mas em outros estados acho que a situação ainda é precária”, avalia Emilly Lima, técnica do time feminino do Santos.

A medida prevê que os clubes que não tiverem um time feminino disputando competições nacionais estão proibidos de disputar a Copa Libertadores da América (Conmebol), principal competição de futebol entre clubes profissionais da América do Sul. Essa exigência já fazia parte do regulamento de clubes da Conmebol.

A visibilidade do futebol feminino também deve aumentar no Brasil neste ano. Pela primeira vez, a Rede Globo, maior emissora de televisão aberta do país, vai transmitir os jogos da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de Futebol Feminino de 2019. Mas ainda não vai transmitir todos os jogos do campeonato, como faz com a edição masculina.

“Em seis meses, tivemos um avanço de 20 anos. E não é só da boca pra fora. Contra ataque agora é só pra fazer gol”, diz Aline, empolgada com a Copa e com as perspectiva do futebol feminino. “Hoje as meninas estão chegando aos clubes mais cedo e vão cumprir todas as etapas. Então acho que elas vão ter uma transição mais tranquila até chegar no profissional.”

Medidas como a da CBF e a maior visibilidade podem atrair mais marketing e investimentos de patrocinadores. O Guaraná Antártica, patrocinador das seleções brasileiras de futebol, por exemplo, lançou recentemente uma propaganda com as jogadoras da Seleção Fabi Simões, Andressinha e Cristiane protagonizando cenas clássicas dos comerciais de refrigerantes. E faz a provocação: por que as marcas não estão chamando essas mulheres para suas campanhas, como fazem com os jogadores da Seleção masculina?

Outro anúncio importante foi a da Adidas, marca de produtos esportivos que vai pagar às jogadoras patrocinadas pela marca que vencerem a Copa do Mundo o mesmo bônus pago aos jogadores na Copa masculina de 2018. Ou seja, vai igualar os prêmios pagos aos seus patrocinados, independentemente de gênero. Já a concorrente Nike está com uma campanha que oferece aulas de futebol gratuitas para garotas em São Paulo.

Primeiro campeonato de base no Brasil 

Mas os avanços não são apenas na elite do futebol feminino. O calendário do futebol feminino ganhou uma nova competição neste ano: o Brasileirão Sub-18. O torneio é a primeira competição de base do futebol feminino criada e organizada pela CBF e vem para suprir uma carência da modalidade no país. 

A primeira edição do campeonato Brasileiro sub-18 contará com 24 times divididos em oito grupos, que começarão a jogar em julho.

“A gente precisava disso. E agora que temos, precisamos fazer os clubes criarem times de base, porque tem muita menina querendo espaço. Eu recebo diariamente muitas mensagens de meninas de 10, 11 e 12 anos querendo jogar. E hoje eu consigo indicar times para elas procurarem: ó, Chapecoense tem, o São Paulo tem, o Santos tem, o Corinthians tem”, conta Emily.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Julia Reis

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