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Que outro mundo é possível?

Jorge Rendón

Tradução:

O lema do V Fórum Social Mundial: “Outro mundo é possível” se agita no panorama da história, hoje, como uma formidável bandeira de esperança. Atrás dela as multidões vindas de muitas partes do mundo, marchando pelas ruas de Porto Alegre, animadas por um entusiasmo contagiante.

Jorge Rendón Vásquez*
manifestacionAli se entretiveram em mais de duas mil atividades distribuídas em onze espaços temáticos onde os participantes davam a conhecer seus protestos, propostas e ideias. A maior parte era de jovens, intelectuais e trabalhadores que se entendiam, porque todos falavam a língua comum da luta por um mundo melhor e porque cada um sentia que não estava só nesta tarefa assumida voluntariamente.
Nas reuniões, debates e conversações se escutava as obstinadas indagações: que outro mundo é possível? Este seria o mundo que desejamos?
Há mais de dois séculos o grande rio da história humana desembocou num grande acontecimento que transformou o mundo: a Revolução Francesa. Antes dela, muitos também tinham indagado se outro mundo seria possível, sem vislumbrar o momento em que se chegaria a ele. O racionalismo soprou então como um vento fresco e, assim, um belo dia, a sociedade explodiu e o velho mundo do feudalismo, a nobreza, a arbitrariedade e o abuso foi demolido. Os intelectuais e jovens chegaram ao poder nas ondas das multidões populares, honrando sua ideologia, proclamaram como lema da nova sociedade: “liberdade, igualdade e fraternidade” e logo puderam aprovar a breve porém contundente Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, como o estatuto fundamental de direitos dos seres humanos, que foram reconhecidos como livres e iguais perante a lei e, portanto, também como poder fundante do Estado, cuja organização só seria possível através de um pacto social.
Contudo, se bem a Revolução Francesa de 1789 foi um passo gigantesco da humanidade, não trouxe, nem poderia trazer, a solução para os novos problemas criados pela expansão do capitalismo por obra da revolução industrial. A multiplicação e o crescimento das empresas só foi possível pela trabalho das massas cada vez mais numerosas de trabalhadores, desprovidas de propriedade, que tinham que vender sua força de trabalho para subsistir. A riqueza acumulada pelos capitalista teve como origem, em grande medida, na exploração ilimitada dos trabalhadores. Contra esta exploração se rebelaram os espíritos mais lúcidos da intelectualidade e de várias correntes de opinião, no século XIX, e elaboraram as ideias que poderiam conduzir, segundo acreditavam, a outro mundo melhor.
Por essas ideias e pela ação dos trabalhadores organizados, já nos finais daquele século os governos se viram obrigados a reconhecer certos direitos trabalhistas e alguns serviços de seguridade social.

A Constituição mexicana de 1917, fruto da primeira grande revolução social do século XX (1910), colocou o mundo no caminho do constitucionalismo social, graças a atuação dos intelectuais, camponeses e outros trabalhadores que tinham lutado na Revolução de Pancho Villa y Zapata.
A Revolução Russa de 1917, impondo como solução radical a socialização total da sociedade, despertou a esperança de muitos intelectuais e trabalhadores, e os estimulou para se mobilizarem para a conquista de novos direitos. Diante dela, a Constituição de Weimar, de 1919, com outra perspectiva mais gradual, colocou as bases de uma nova estrutura da sociedade fundada na aceitação do capitalismo com certos direitos sociais e as instituições da democracia como forma de governo.
Os regimes nazifascistas, estimulados y financiados pela parte mais recalcitrante do capitalismo mundial, transgrediram brutalmente o panorama da história ao promover a liquidação física de tudo o que fosse direitos sociais e democracia, e o mundo foi precipitado a uma nova guerra mundial que custou mais de uma centena de milhões de mortos.
Logo depois da segunda guerra mundial, a maior parte dos povos do mundo se uniu pensando na necessidade de dotar o ser humano de um novo estatuto de direitos. Em vários países da Europa Ocidental promoveram a subscrição de novos pactos sociais e no âmbito universal de aprovou a Declaração dos Direitos Humanos, em 1948, que teve como um dos antecedentes importantes a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem desse mesmo ano.
Daí pra frente essas declarações foram reproduzidas em muitos países. Os mais desenvolvidos economicamente experimentaram um grande crescimento de sua riqueza. Contudo, a maioria dos países não pode sair do subdesenvolvimento. O capitalismo não trazia a solução aos tremendos problemas que criava: fundamentalmente o desemprego.
Tampouco os regimes dos países denominados socialistas geraram soluções aos problemas de seus povos e suas insuficiências os levaram a desaparecer por ação do povo. O capitalismo intensificou então sua ofensiva contra os trabalhadores e se lançou a arrebatar-lhes parte dos direitos conquistados Na Europa Ocidental, onde existe uma consciência mais sólida sobre o pacto social, esta ofensiva não teve tanto êxito, porém, na América Latina e outras partes do mundo em que essa consciência é débil, tal política se impôs com a denominação de flexibilização.
E assim chegamos aonde estamos hoje.
Portanto, o grande problema do presente para a maior parte a sociedade é imaginar as bases para um outro mundo, resgatando o que temos de bom e a experiência de outros modelos de sociedade, para projetar a sociedade na qual desejaríamos viver.
Esta reflexão deveria ser permanente e partir da crítica profunda das instituições que conformam a estrutura da sociedade e tratar de projetar como elas deveriam ser, mudá-las se não servem para satisfazer as necessidades dos povos.
*Colabora com Diálogos do Sul
 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jorge Rendón Doutor em Direito pela Universidade Nacional Mayor de San Marcos e doutor em lei pela Université de Paris I (Sorbonne)

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