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Quem ganha e quem perde com o novo Nafta pactuado entre EUA, Canadá e México?

"Não tínhamos nada a ganhar ao renegociar este acordo, e o resultado o confirma. O único ganho para o Canadá é virar a página”, diz analista canadense
Richard Ruíz Julién
Prensa Latina
Havana

Tradução:

Após dois anos de negociações, o USMCA (sigla em inglês para Acordo Comercial Estados Unidos-México-Canadá), também conhecido como Nafta 2.0, caminha para um entendimento e deve ser votado no Congresso dos Estados Unidos na próxima semana. 

Faltarão os votos dos Parlamentos de México e Canadá para que o novo acordo entre definitivamente em vigência, substituindo, assim, o tratado anterior.

Antes do fim do mês passado, a vice primeira ministra canadense, Chrystia Freeland, viajou a Washington para se reunir com importantes funcionários de comércio estadunidenses e mexicanos em outro impulso por conseguir a assimilação definitiva do Usmca.

O velho acordo, o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) em princípio deveria seguir em vigor até a validação do novo pacto; México o aprovou em junho e o Canadá quer fazê-lo junto com os Estados Unidos.

Ottawa e México revisaram em 29 de novembro o progresso do Tratado durante um encontro sustentado entre o primeiro ministro, Justin Trudeau, e o subsecretário mexicano para a região, Jesús Seade.

Mas o certo é que apesar da insistência da Casa Branca para que o convênio seja aprovado antes do fim do ano, o Usmca continua paralisado no Parlamento.

Freeland indicou que se alguma vez tivesse que ser renegociado o Tratado, estava convencida de que um acordo seria obtido no último momento. 

Assinalou que, apesar dos desafios, é uma relação comercial funcional, benéfica para os três sócios e, em última instância, a lógica econômica prevalecerá.

“Realmente, no meu coração, eu me sinto serena sobre o resultado”, manifestou.

Assim, 2019 iniciou depois de dois momentos chaves durante as negociações que assinalaram que um acordo não só era possível, mas também verossímil. 

O primeiro foi quando Washington retrocedeu de sua posição inicial sobre as regras de origem para a indústria automotora.

“Os estadunidenses começaram exigindo 50% de conteúdo nessas operações. Isso teria sido devastador para o Canadá, pelo qual tivemos que dizer que não”, assegurou a atual vice primeira ministra.

“Então, se trataria de mão de obra com altos salários, o que inclui o Canadá; de repente os interesses se alinharam e este foi um acordo que podemos subscrever”. 

"Não tínhamos nada a ganhar ao renegociar este acordo, e o resultado o confirma. O único ganho para o Canadá é virar a página”,  diz analista canadense

Prensa Latina
Ottawa e México revisaram em 29 de novembro os progressos do Tratado durante uma reunião

Lácteos

O segundo momento em que se soube que era provável um pacto ocorreu quando “os mexicanos chegaram a um acordo com o automóvel e os estadunidenses realmente queriam que formássemos parte disso”. 

“O que também tem sentido. Este sempre foi acordo de três vias. A relação econômica canadense é claramente a mais valiosa para os estadunidenses”. 

A funcionária também falou sobre os problemas de ambas as partes na negociação, com linhas vermelhas que não estavam dispostas a cruzar, como a forma em que o Canadá dirigia seu setor lácteo.

“O país entrou com uma posição muito clara, apoiada por todo o Parlamento, e era defender nosso próprio setor de fornecimento”, manifestou. 

Acrescentou que “por certo, se o Canadá tem ou não a administração de fornecimentos deve ser uma decisão nossa e não de qualquer outro Estado, e a esse respeito fomos muito claros”. 

Disse que o debate sobre os produtos lácteos era normal para as negociações comerciais, pois os Estados Unidos queriam que o Canadá abrisse seu mercado para esse setor, tal como Canadá queria que se abrisse o mercado para automóveis e autopeças. 

O Capítulo 19

“O que faz o Capítulo 19 é nos dar as leis e regras que regem nossa relação comercial com os Estados Unidos e um painel binacional independente que decide quem tem razão e quem não tem”, pontuou Freeland.

“Os canadenses entendemos como são próximos os nossos laços com o vizinho e como são críticos, mas também que eles são grandes e nós pequenos. E então, a maneira de fazer que isso funcione é ter um conjunto de regras e uma independência que permita saber quem vai pelo caminho certo e quem não vai. O Capítulo 19 é isso”. 

Em seu estudo econômico publicado nas páginas web da Rádio Canadá, o analista Gérald Fillion assegurou que a partir do momento em que Otawa empreendeu uma renegociação do Tratado, a pedido do presidente Donald Trump, ficou claro que haveria que fazer concessões. 

“Não tínhamos nada a ganhar ao renegociar este acordo, e o resultado o confirma. O único ganho para o Canadá é poder virar a página seguir em frente”, comentou. 

O acordo eliminou a incerteza que pesava sobre a economia canadense há mais de um ano, pois as companhias eram reticentes em investir ali devido aos temores de que o Usmca não fosse renovado. 

O Canadá é percebido como um acesso ao mercado estadunidense, e as negociações que pareciam estar estancadas durante algum tempo foram um obstáculo para a economia, manifestou Fillion.

O que se conserva

O Canadá conseguiu manter o capítulo 19, o sistema de solução de controvérsias que permite o estabelecimento de um tribunal independente para arbitrar disputas sobre direitos compensatórios ou antidumping entre países.

Os estadunidenses não queriam esse mecanismo, preferindo que os tribunais estadunidenses julgassem os potenciais conflitos. 

Também foi mantida a isenção cultural. Os produtos culturais não estão expostos às regras de livre comércio entre os três países. 

No entanto, ficam temas que surgem sobre o efeito dos grandes grupos digitais e tecnológicos que são Netflix, Amazon, Google, Apple e Facebook.

Apesar da isenção cultural, desestabilizam os mercados de produção cinematográfica, musical e os meios de comunicação no Canadá. 

Também se mantém que o setor automotor não estará sujeito a limites de exportações nem às taxas dos automóveis fabricados no Canadá e enviados aos Estados Unidos.

É importante para a indústria automotriz em Ontario, mas não é uma vitória.

O que se perde

A agricultura é para muitos observadores a grande perdedora, particularmente em Quebec, onde o setor se encontra sob uma gestão de fornecimento de 40%. 

As concessões são significativas, opinou Fillion.

É preciso considerar quatro elementos: primeiro, o Canadá aumenta as quotas livres de taxas para as exportações de produtos lácteos dos Estados Unidos: 3,59% de abertura adicional do mercado canadense. Segundo, preços reduzidos para o leite diafiltrado no Canadá com a abolição da Classe 7, um acordo entre produtores e processadores para estimular a compra de leite canadense em lugar de leite estadunidense. 

É importante assinalar nesse sentido que o leite diafiltrado é um produto de proteína em pó que entre no Canadá livre de taxas desde os Estados Unidos porque não se considera que seja leite real. 

Terceiro. O acordo agora prevê um limite máximo de 13 mil toneladas aplicadas às exportações de sólidos não graxas do Canadá e, além disso, um imposto adicional sobre os produtos lácteos exportados pelos canadenses. 

E por último, abertura adicional às exportações estadunidenses nos mercados de aves de curral, ovos e perus até 3,5% neste caso.

Caso Huawei, uma aliança nortista que deixa de fora o México 

Menção a parte merece a acentuação das diferenças políticas entre o Canadá e a China, derivadas da detenção no país da diretora financeira da companhia de telecomunicações Huawei, Meng Wanzhou.

Neste caso, diferentemente do Usmca, México nada tem que ver; a questão Huawei alinha uma vez mais a Ottawa com seu principal benfeitor, Washington, o que ficou demonstrado no encontro Trudeau-Trump no contexto da cúpula pelos 70 anos da Organizações do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Assim, a cidadã asiática, a cargo das finanças na companhia do leque vermelho, continua sob vigilância eletrônica à espera de que a justiça local decida sobre sua extradição aos Estados Unidos, por presumidas violações das sanções impostas por Washington ao Irã. 

Autoridades chinesas emitiram declarações através de um comunicado oficial onde qualificam o fato como “um sério incidente político” e reafirmaram que “Estados Unidos e Canadá infringiram seu acordo de extradição e aplicaram coerção a Meng Wanzhou, violando seus legítimos direitos e interesses”. 

No texto, Pequim amparada na defesa aos direitos de seus cidadão e companhias, exortou o Canadá a considerar as preocupações da parte chinesa, corrigir seus erros e libertar a funcionária. 

Meng permanece em território canadense acusada de encobrir vendas a Teerã supostamente realizadas pelo equipamento tecnológico produzido por empresas ligadas a Huawei (incluída na lista de companhias mais respeitadas pelo ‘The Reputation Institute’ e publicada pela revista Forbes, em maio de 2007).

As operações da empresa privada multinacional chinesa de alta tecnologia foram proibidas pelos Estados Unidos sob as sanções aplicadas ao Irã para forçá-lo a regressar à negociação que limita o desenvolvimento de seu programa nuclear, apesar do acordo de 2015. 

Em escala rumo ao México, Meng – também filha do fundador da Huawei, Ren Zhengfei – foi detida no aeroporto canadense de Vancouver em 1º de dezembro de 2018 por solicitação dos Estados Unidos com fins de extradição, em meio à guerra comercial existentes entre Washington e Pequim.

Desde sua criação em 1987, a Huawei provê a 35 dos maiores operadores de telecomunicações no nível global e investe a cada ano cerca de 10% de seus lucros em áreas de pesquisa e desenvolvimento, até o ponto de ter se convertido em líder da tecnologia de quinta geração (5G). 

*Richard Ruís Julién, jornalista da Redação da América do Norte de Prensa Latina.

*Prensa Latina, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

**Tradução: Beatriz Cannabrava

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Richard Ruíz Julién

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