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Quem ganhou e quem perdeu as eleições em São Paulo

Paulo Cannabrava Filho

Tradução:

Quem de fato ganhou as eleições em São Paulo foi um esquema montado por grupos em que dominam empresários e financistas, gente de muito, muito dinheiro. A maior derrota não foi de nenhum partido. Foi da democracia, foi de um projeto nacional que não foi apresentado por nenhum candidato, como se verá.

Paulo Cannabrava Filho*

Foto: Glória Fluguel
Foto: Glória Fluguel

Houve eleições no Brasil inteiro, contudo, danos nos ater mais a São Paulo por uma razão muito simples: é aqui que está o comando (ou sub comando) e o foco principal da estratégia de captura do poder por uma nova direita (nova?). Curitiba, sede da Lava Jato, é um mero apêndice, treinado e informado em Washington, lembre-se disso. Mas é em São Paulo que está o dinheiro, portanto o comando.
São Paulo é importante, o interior e a capital, porque é o laboratório onde foi forjado o plano de captura do poder que agora será aplicado para conquistar Brasília, tendo base de sustentação nacional. Não se enganem, tudo foi tramado em São Paulo e…. em Washington, claro.
desenho_tatooHá quem diga que tenho uma visão conspiratória da história. Não é verdade. O certo é que tenho vivenciado e estudo o processo conspiratório há mais de 50 anos. No Brasil, presenciei esse filme pelo menos umas cinco vezes e outras tantas presenciei na Argentina, Uruguai, Bolívia, Chile, Peru entre tantos.
Quando Dilma tomou posse, alertamos que ela assumiu a presidência, mas não o poder e que a conspiração já estava em andamento, que ela não duraria muito porque sequer um serviço de inteligência ela tinha a seu favor. Muitos especialistas viam isso, só o governo manteve olhos fechados, se não intencional, certamente por incompetência. Antes que viessem de Washington as escutas feitas pela NSA no governo e empresas brasileiras, principalmente a Petrobras, denunciamos aqui a armação do golpe, inclusive indicando as origens.

Mussolini da nova era

Mussolini era jornalista e um grande comunicador. Fez o que fez e alcançou o que planejou graças a seus dotes de comunicador. Seu feito repercutiu no mundo inteiro e tentou ser reproduzido por muitos. Criou uma escola. Roosevelt, Vargas, Haya de la Torre, Perón e tantos outros beberam dessa fonte. Quem, porém, melhor se valeu dela foram os alemães.
Não bastasse seus dotes de comunicador, Adolph Hitler se juntou a Joseph Goebbels, outra fera. A junção dessa dupla infernal deu no que deu. Acreditaram-se onipotentes.
Seguindo as pegadas de Mussolini, na Itália, tivemos um Silvio Berlusconi. Ninguém desde o armistício de Ialta, em 1945, teve tanto poder e por tanto tempo como Berlusconi. Seu poder, fundamentalmente, o poder da comunicação, pessoal (era um grande comunicador) e dos meios que conseguiu monopolizar em todo o país. Governou com as máfias. É bom lembrar que o advento de Berlusconi se deu quase que como uma sequência da Operação Mano Pulitti, inspiradora da “república judicial” do Paraná.
Na minha percepção, desponta em São Paulo o possível Mussolini da nova era. É o risco latente da vertiginosa ascensão ao poder do João Doria Júnior, eleito prefeito em 2 de outubro de 2016, no primeiro turno, só perdendo para os votos em ninguém, ou seja os votos nulos, brancos e as abstenções. E esse é outro perigoso sintoma favorável ao fascismo. O povo desiludido da política se afasta das urnas, dá lugar para os oportunistas.

Os votos para  ninguém

O Ninguém, ou seja, o voto do desiludido, do ausente por descrença, o voto do protesto foi vencedor em cidades tão importantes como Belo Horizonte (741.915 contra 396.952), Aracajú (139.723 contra 49.815), Belém (241.166 contra 139.723) e em São Paulo, onde Dória Junior teve 3.085.187 votos contra os 3.096,304 em ninguém. Veja mais votos para ninguém
No legislativo municipal, dos 55 vereadores, 33 foram reeleitos e só 22 são novos. Os evangélicos aumentaram em 75% sua bancada na Câmara, agora são 14 e, são neopentecostais, direita pura.
A coligação que apoiou Dória Junior também conseguiu uma maioria folgada na Câmara Municipal, pois elegeu 19 vereadores, e poderá facilmente conseguir 30 votos dos 55. O PMDB elegeu 6 vereadores.
O Partido Novo, partido dos banqueiros, apesar de nascido agora, teve 140 mil votos, mais votos que o vetusto PCdoB ou o PDT e o PP e elegeu uma ativista do Vem pra Rua, a Janaina Lima. Elegeu vereadores também em Porto Alegre, Belo  Horizonte e Rio de Janeiro. Outro ativista, este do Brasil Livre,  Fernando Holiday, foi eleito pelo DEM. No Brasil o MBL disputou com 45 candidatos elegeu 8.
O Partido Novo é presidido pelo banqueiro João Dionísio Amoedo, ex presidente do Citibank e membro do conselho diretor do Itau/Unibanco. Ele se declara abertamente adepto do laissez-faire e do neoliberalismo e prega a privatização de tudo.
Positivo talvez seja que aumentou o número de mulheres, de 6 para 11, entre elas, Janaína Lima, já citada, e Sâmia Bonfim, do PSOL.
Na atual conjuntura, o que se poderia realmente se considerar candidatura de esquerda, o PSOL elegeu dois prefeitos (Macapa –AP e Itaocara – RJ) e 53 vereadores no país todo. Em São Paulo, além da Sâmia, elegeu também a Toninho Vespoli. É importante, mas, tiveram muito pouco votos. PCdoB, PPS (ex PCB), PV e a Rede da Marina Silva não elegeram ninguém.
Eduardo Suplicy, depois de ter sido eleito deputado estadual, deputado federal e três vezes senador da República, preterido por seu partido, o PT, elegeu-se agora vereador de São Paulo, batendo o recorde de votos: 301.446. No total foram 14 eleitos pela coligação. Fora esse desempenho, pessoal do Eduardo, o PT foi muito mal nessas eleições.
No Estado de São Paulo, dos 645 municípios, o PT tinha 72 prefeitura foi reduzido a 8. No Brasil, dos 638 prefeituras que conquistou em 2012, o PT só elegeu em 256 ou no máximo 263, uma redução de 60%. Ainda no estado, 36 prefeitos eleitos em 2012 abandonaram o PT para disputar por outra legenda.
Além de não conseguir reeleger o atual prefeito, Fernando Haddad, na capital do Estado, perdeu eleição no que a mídia chamava de “cinturão vermelho” de São Paulo, como Santos, Guarulhos, Osasco, São Bernardo do Campo, Santo André, Diadema, Mauá. No Brasil, o PT teve 853.800 votos para vereadores enquanto o PSDB teve um milhão.

Propaganda ardilosa

Em São Paulo a oposição anunciou que vai fazer uma representação ao Ministério Público por grave abuso do poder econômico na campanha do Dória Júnior. É, realmente rolou muito dinheiro. Em Brasília, o senador Lindemberg Farias (PT) anunciou que faria o mesmo contra propaganda enganosa patrocinada pelo presidente de fato Michel Temer em todos os jornais que diz “Vamos tirar o Brasil do vermelho para voltar a crescer”.
Mais que enganosa é propaganda marota, abusiva, incitadora do ódio aos vermelhos, ou seja, a tudo o que é esquerda neste país. O mesmo conteúdo e intenção da propaganda que o IPES e o IBAD pagavam nos jornais da época que antecedeu o golpe de 1964; o mesmo estilo da propaganda paga no Chile de Pinochet, logo após a derrubada de Allende.  Porém… denunciar pra quem cara pálida? Está tudo contaminado.
O Tribunal Regional da 4a Região, de Curitiba, é um tribunal de exceção. O procurador vai à Igreja e faz proselitismo como se salvador da pátria fosse e nada acontece. O Supremo Tribunal Federal valida tudo. Estamos nas mãos da troika: Polícia, Ministério Público e Justiça (juízes). Já houve protestos e denuncias qualificadas inclusive em foros internacionais. Nada acontece.
Agora a situação ficará cada vez mais crítica.
Dória Júnior é um comunicador profissional, no estilo de um Sílvio Santos e dos pastores das igrejas pentecostais. Oratória efusiva, retórica, capaz de convencer pela repetição, pela lógica aparente, por dizer aquilo que está preso na garganta de muitos. Convence mesmo quando diz uma besteira do tamanho do “não sou político”.
Depois de um massacre mediático esculhambando com toda classe política, indistintamente, Dória se oferece dizendo que “não sou político, sou empresário bem sucedido”. Na linha da igreja da prosperidade, em que o deus maior é o deus dinheiro, diz ser empresário bem sucedido por esforço próprio”.
Para o ingênuo de cabeça feita pela mídia parece como admissível que alguém possa não ser político e estar candidato de um partido político numa grande jogada de profissionais da política e da comunicação. Pode parecer verdadeiro que alguém fique milionário neste país sem depender do poder público, sem explorar os trabalhadores.
Mas vamos aos fatos. Dória nasceu em berço político. Conheci bem seu pai, João Dória, deputado federal. Com ele denunciamos nos jornais que o que se armava aqui em vésperas do 1o de Abril de 1964, contra o governo de João Goulart, era o mesmo que havia ocorrido na Guatemala contra o governo de Jacobo Arbenz, ou contra o governo de Mossadeg no Irã: golpes orquestrados pela CIA com dinheiro de Washington. O deputado Dória foi cassado pela ditadura militar precisamente por suas posições nacionalistas e democráticas. Deve estar revirando na tumba se pudesse ver com quem está metido seu filho. Não honra o nome do pai.
Dória filho é realmente um profissional competente como comunicador e muito bem treinado. Gente, reparem, a cara dele é como se fosse feita de mármore, uma escultura que se repete igualzinha em todas as fotos… (puro botox). Muito bem treinado e assessorado. Tem a seu lado comunicadores e publicitários acostumados a convencer o público a comprar aquilo que eles querem vender.
Com a mesma intensidade com que a mídia demonizou figuras como Brizola, por exemplo, e o próprio Lula depois que deixou de ser “o cara”, a mídia endeusará o Dória Junior, o preferido da vez, tal como endeusaram o Fernando Collor. Lembram?

Esquerda perdendo todas as batalhas

Dizem por ai que o PT aposta no fracasso de Michel Temer. O presidente usurpador vai fazer tantas maldades, violar tantos direitos e o PT se recupera na oposição. É uma atitude na defensiva, na retaguarda, o mesmo erro que cometeram desde que Dilma Rousseff assumiu em 2015 e teve início a conspiração para derrubá-la. Diziam, “vamos parar o golpe” e o golpe já estava consagrado.
É certo que só 24% aprovam o governo de Temer. Nem Dilma teve tanta rejeição. Mas, Temer é o que menos importa. O que é que vamos colocar no lugar dele? Outro Meireles? Qual a alternativa de poder? É isso que é preciso construir, uma alternativa de poder. E isso só será possível recuperando-se a soberania nacional. Como colônia, jamais.
O que é preciso no país é que os movimentos de massa, os partidos populares e organizações de trabalhadores se tornem protagonistas de um grande movimento de salvação nacional. Uma frente ampla em torno de um projeto de desenvolvimento e de recuperação da soberania nacional.
Constata-se que as esquerdas vêem perdendo faz tempo a batalha da comunicação. Paralelamente vem perdendo também a luta de classe, ao abandonar o espaço das massas populares, aquelas das periferias (não tão periféricas) das grandes e também das pequenas cidades. E vem perdendo também a batalha ideológica. A má escola favorece essa derrota, claro.
O ex sindicalista e ex presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sem dúvida, é também um grande comunicador, excelente mesmo, mas, foi incompetente, duplamente incompetente em aproveitar os dotes e o poder que adquiriu. Cercou-se de incompetentes politicamente porém ávidos de poder e riqueza e achou que com os poderosos empreiteiros iria governar por 20 anos ou mais. Lula, mais esperto, criou o Sistema de Comunicação nacional que lhe foi proposto por Franklin Martins, inspirado na Conferência Nacional de Comunicação. Criou mas não usou. Nem ele nem Dilma e com isso, perdemos também a batalha da comunicação. Não temos meios. Incrível.
Por incompetência ou intencionalmente Lula cumpriu o nefasto papel de neutralizar o movimento operário sindical e popular. Bom comunicador maior enganador. Teve oportunidade de virar a mesa, não virou porque era uma cria do sistema. E nada melhor que um sindicalista, operário e carismático para executar o projeto neoliberal, manter a ditadura do capital financeiro. Ele era “o cara” enquanto serviu, mas não era da turma. Agora não serve mais, é carta fora do baralho. Com a mesma desenvoltura com que ajudaram a construir o mito Lula, a mídia agora trata de destruí-lo.

Desponta um novo líder

Agora o sistema vai apostar não num novo Lula, mas num novo Berlusconi, mais confiável, porque é criatura do Geraldo Alckmin, o homem do Opus Dei que foi capaz de derrotar as vestais uspianas do PSDB, a UDN que qual fénix, ou melhor, qual corvo, ressurge das cinzas da história. Lembram do Carlos Lacerda (o Corvo), golpista contumaz nas décadas de 1950-60, levou Vargas ao suicídio?
É de tirar o chapéu a grande jogada do Geraldinho de Pindamonhangaba, hoje pela terceira vez governador de São Paulo. Tal qual seu ancestral mineiro, o José Maria Alckmin, ministro de Vargas, aprendeu a comer o mingau pelas bordas e acabou por devorar o PSDB inteiro, pelo menos aqui no Estado de São Paulo. O “Picolé de Xuxu” liquidou com o “Príncipe” Fernando Henrique Cardoso. Por tabela liquidou também com José Serra, e nem precisava pois este se enterrará com Temer. Quanto ao Aécio, este não representa perigo, já era carta fora do baralho.
Geraldo Alckmin, se consagra como o grande líder come-quieto dos paulistas. Não só liquidou com FHC como desestruturou toda sua base de apoio. Sem tapete, desarvorados, seus áulicos se bandearam para outros partidos ou apoiaram outros candidatos. E, preparem-se Alckmin vai repetir a dose. Vai comer desse mingau em cada um dos Estados.
Alckmin já disse a que veio. Ele sai desta eleição, e de todo esse episódio de tristeza, de judicialização da política, de acusações e prisões de lideranças políticas e empresariais, sai como o mais fortalecido candidato às eleições presidenciais de 2018. Esta formada a dupla Geraldo Alckmin/João Dória Junior.
O PMDB, claro, pensa que chegou sua vez. Continua sendo o maior partido e o que mais elegeu nessas eleições. Derrubou a presidenta Dilma Rousseff e está fazendo direitinho a lição de casa no Planalto e, está gostando de mandar. Contudo, o PMDB é vítima da própria judicialização da política que, na sua santa ingenuidade, ajudou a criar. Temer, Renan, e toda a entourage, principalmente Temer, sabem que estão com o fio da navalha no pescoço. Qualquer deslize afloram dez mil processos contra eles. Eles vão ficar bem comportados. Alckmin conta com isso.
Alckmin é parte dessa nova direita que vem sendo construída por empresários e financista com participação do Instituto Milenium (IMIL) e outros congêneres, na mesma linha do IPES e do IBAD nos anos 1950-60. A Opus Dei também faz parte disso, e o Alckmin é Opus Dei. Quantos juízes o serão também? Em toda a campanha estava visível, explícito o poder do dinheiro.
O IMIL foi criado em 2005 por Patrícia Carlos de Andrade, ligada ao grupo Globo, mas logo se assumiu-se como uma Nova Direita. Tem entre diretores e mantenedores figuras das mais expressivas do mundo empresarial e da administração pública, como, por exemplo:  Henrique Meireles, Gustavo Franco, Armínio Fraga, Jorge Gerdau, Sergio Toguel (Odebrecht) João Roberto Marinho (Globo), Nelson Sirotsky (RBS), Giancarlo Civita (Abril). Essa turma comanda também o Instituto Liberal e o Instituto Liberdade, instituições que se dedicam a arregimentação e formação de quadros.
Outra organização envolvida na construção da nova direita no Brasil é o Instituto Ludwig von Mises Br com sede principal nos Estados Unidos. Prega o liberalismo da escola austríaca e é presidido por Hélio Coutinho Beltrão, um apaixonado por ditaduras, foi ministro de Planejamento do general Costa e Silva e ministro da Desburocratização do general Figueiredo. Integra o Grupo Ultra, o mesmo que nos idos da ditadura, com Pery Igel e Albert Hening Boilesen financiavam a OBAN, o organismo da repressão. Tudo gente boa…
Então minha gente, só o povo organizado e uma frente política fechada em torno a um projeto nacional salva este país. Que país queremos deixar para nossos filhos e netos?
*Jornalista editor de Diálogos do Sul
 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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