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Quem ganhou essa eleição?

Paulo Cannabrava Filho

Tradução:

Paulo Cannabrava Filho*

Paulo-Cannabrava-Filho-Dialogos-do-SulUma boa pergunta que instiga à reflexão. Podia ser também o que se ganhou e o que se perdeu nessa eleição.

De bate pronto, de maneira geral, quem mais perdeu foi o povo brasileiro. Repito o que disse quando do início da publicidade eleitoral: é triste, para não dizer trágico, depois de mais de 50 anos de jornalismo e de lutar por um Brasil melhor, chegar a um espetáculo eleitoral como esse. Não tivemos uma campanha político-eleitoral estrito sensu. Tivemos uma guerra midiática conduzida por publicitários. Publicitários no lugar de comunicadores, vendendo sabonete no lugar de apresentar programa de governo, incitando o ódio entre os iguais.
pepeFicou moda nesse pos eleitoral especular sobre quem ganhou e quem perdeu essas eleições de 26 de outubro. Quase todos querem reverter a imagem de ganhador de Dilma e do PT para a de perdedor. Em parte têm razão. É fato que Dilma foi eleita (re) mas perdeu a eleição. Em outras palavras, não conquistou a governabilidade.
Perdeu também a batalha midiática. Principalmente nas regiões Sul e Sudeste, consideradas as mais “esclarecidas” e politizadas. Esse sim é tema que precisa ser estudado em profundidade.
A população de São Paulo, historicamente, sempre foi conservadora, mas atualmente está de um reacionarismo deveras preocupante, pois chega às raias da irracionalidade. Claro que os meios ajudaram a construir, mas o que mais preocupa é como desconstruir isso que se configura como a ascensão do nazifacismo na primeira metade do século passado.
Exagero? Não creio. Estudo história e estudo comunicação no que tenho de vida racional e os acontecimentos na Europa ainda estão muito frescos para serem simplesmente apagados da memoria. O fim da história não está próximo nem nunca chegará.
O que ocorre é que, longe de ser a população mais “esclarecida e politizada”, a população de São Paulo está se comportando como a mais alienada, cabeça feita pelos meios de comunicação. Isso se tornou possível ao longo de um processo de guerra psicológica e guerra econômica travada pelas potencias imperiais e suas tentaculares corporações transnacionais.
Diálogos do Sul publicou uma análise de Marjorie Cohn[i][1], sobre os 50 anos da Guerra do Vietnã, em que ela explica a alienação do povo estadunidense diante das ações irracionais de Guerra de seus governantes. Ela diz: “Controlar a narrativa é ferramenta chave para propagandistas que sabem que o modo como a opinião pública compreende um conflito externo tem efeito direto e decisivo sobre o comportamento de apoio ou de oposição ao governo”.
Esse raciocínio é valido para a nossa questão eleitoral. A narrativa controlada faz com que a catástrofe do fornecimento de água para a Grande São Paulo passe como coisa natural (falta chuva hoje mas amanhã vai chover), ou como culpa do governo federal. Alheio a tudo elegem o Geraldin Alquimim e querem impichar a Dilma.
Porta-voz de elites destronadas a mídia não se conforma de ter adventícios no poder. Tem sido assim ao longo da história. Tudo o que favorece o povo, a soberania nacional, o controle das riquezas naturais e da economia, é logo demonizado. Foi assim com Getúlio, com Jango, Brizola, ou figuras dispares como Jânio ou Collor, demonizados simplesmente por serem adventícios, ou por desrespeitarem as regras de perpetuação do status quo.
Endeusam um Fernando Henrique sem um mínimo de questionamento sobre quem pagou ou paga a conta. Querem os petistas não só fora do governo, mas na cadeia, e fecham os olhos a escândalos como do “rouba-anel”, do Metro de SP, do Sivan ou da Embratel.
Se algum mérito tem o governo Dilma, um só já bastaria para coloca-la na história: o de ter dado luz verde e carta branca para o Ministério Público e a Polícia Federal investigarem e denunciarem os crimes de corrupção. Antes dela, comprovadamente, o que se impunha eram os engavetadores da justiça.
Mas, fica pergunta: e os corruptores?
Desde os tempos do padre Vieira, ninguém até hoje mexe com os corruptores simplesmente porque sem eles não ha governo. Es o verdadeiro busílis da questão moral-administrativa. Não existe o corrupto sem o corruptor e vice-versa. É e será sempre o lado mais fraco que pagará o pato. Nas empreiteiras ninguém toca. Elas fazem carteis, elidem licitações, impostos, elegem seus representantes e escolhem seus serviçais para a administração pública. Além disso, de um tempo para cá, os donos de empresa estão concorrendo diretamente às eleições para os legislativos e executivos em todos os níveis.
Privatizar o Estado é o mesmo que institucionalizar a corrupção. Ah!, mas o Estado também é corrupto… dirão. Seguramente é mais fácil sanar o Estado ou diminuir os malfeitos do que controlar o poder dos poderosos conglomerados privados. Basta olhar o que ocorre nos Estados Unidos. Quem é que manda lá? Obama? Faz-me rir….
Como disse a professora Marjorie Cohn, controlar a narrativa é a ferramenta chave. Se não vejamos. Jornais dos dias seguintes a eleição de Dilma manchetaram: Dólar bate recorde, sobe 2,56%; Ibovespa cai 2,77%; despencam as ações da Petrobras, desvalorizam 12%. Da maneira como foi colocado, tudo pelo efeito Dilma. Dilma cria expectativa negativa no mercado ao não anunciar ministério nem plano de governo. E as pessoas acreditam. Algumas se entusiasmam, é isso mesmo, fora o PT. Quem ganha com isso?
Com o dólar valendo mais reais (R$2,526), e as ações da Petrobras valendo menos 12 por cento, tudo isso criado artificialmente. Está na hora de vender os dólares comprados da baixa e comprar as ações despencadas. Imagina quanto valerá essas ações da Petrobras quando do auge do pré-sal.
O mega especulador George Soros se gaba de ter ganho um bilhão de dólares num dia numa operação desse tipo, comprando e vendendo dólares e ações. A imagem que passam para o público é de que o “efeito Dilma”, como foi o “efeito Lula”, desestabiliza o mercado. Ha que ser muito ingênuo para não se dar conta de que o mercado instável é a melhor fonte de renda dos especuladores. Ou não? Há no mercado, profissionais especializados precisamente em provocar essas “crises” para os especuladores ganharem dinheiro. Essa técnica se conhece como guerra econômica. No limite, eles quebram empresas que incomodam para comprar na bacia das almas. Era o que Fernando Henrique com sua equipe tentaram fazer com a Petrobras e quase conseguiram.
Como dizia Paulo Freire, é preciso ensinar a população a ler e a olhar critica e criativamente a realidade. De ter uma população com cerca de 70 por cento qualificada como analfabeto funcional só se pode esperar que digam amém a tudo enquanto chocam o ovo da serpente.
Dilma ganhou o governo mas perdeu as eleições. Será? Basta ver o resultado das eleições de 5 de outubro, está em todos os jornais. O parlamento a ser instalado em 2015 será o mais conservador e reacionário da história republicana. Diminuíram as bancadas de sindicalistas, partidos progressistas, pessoas independentes, aumentou o número de representantes de empresários, latifundiários, agronegócios, banqueiros e, fundamentalistas religiosos (leia-se neopentecostais). Estarão eles dispostos a aprovar uma reforma política? O PMDB, antes mesmo de iniciar a nova legislatura já disse que não. E, então?
Lula perdeu a grande oportunidade de sua vida no dia em que chegou a Brasília para tomar posse pela primeira vez. A Nação (com maiúscula) estava em festa, eufórica, ocupando todas as ruas do país. No dia seguinte ele teria condições de aprovar todas as reformas de que o povo a séculos reivindica. Não o fez porque ele não veio para isso. Pra que veio então? Uma boa pergunta que merece muita reflexão.
Lula também, se algum mérito teve, o mais acertado foi o de ter cedido à pressão popular e convocado a Conferência Nacional de Comunicação, que mobilizou boa parte da sociedade em todos os âmbitos e concluiu com propostas aceitáveis, necessárias para fazer o Brasil mudar de rumo com uma comunicação mais democrática. E por conseguinte institucionalizou (ou começou a institucionalizar) o tão necessário e reclamado Sistema Nacional de Comunicação.
Tanto a proposta para o sistema como o ministro que propôs eram bons e aceitáveis. Caiu o ministro, o sistema está ai, não diz a que veio e os porta-vozes das oligarquias destronadas continuam a vociferar contra tudo que é mudança e/ou fira os interesses da metrópole imperial.
Alguém precisa dizer para Dilma que com os meios de comunicação, o legislativo e o judiciário como estão configurados, hoje e pior como estarão em 2015, não haverá possibilidade de qualquer reforma que contrarie os interesses consagrados.
Derrotista? Não. Continuo acreditando que a força do povo é capaz de tudo. Mas, é preciso ter coragem para se sentir povo, juntar-se a ele e virar a mesa. Infelizmente para nos, felizmente para as elites, falta-nos a coragem do povo. E isso porque? Por falta de propostas, por falta de um projeto nacional identificado com os anseios do povo.
*jornalista, editor de Diálogos do Sul. Presidente honorário da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual dos Jornalistas, membro do Conselho da Fundação Cátedra Mariategui e membro do Conselho da Associação Brasileia de Anistiados Políticos.
 
[i] professora da Faculdade de Direito Thomas Jefferson e ex-presidente da Ordem Nacional dos Advogados dos EUA [orig. National Lawyers Guild]. Seu livro mais recente, Drones and Targeted Killing: Legal, Moral and Geopolitical Issues [Drones e Assassinatos premeditados: questões legais, morais e geopolíticas] foi lançado em outubro


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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