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Quem organizou e a quem interessa a greve nos transportes?

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Paulo Cannabrava filho*

Paulo-Cannabrava-Filho.-Perfil-Diálogos4Nas manchetes de hoje (29/5) os jornais assinalam que 2.5 milhões de pessoas ficaram sem ônibus em quatro capitais estaduais. Há pouco mais de uma semana, terça-feira 20 de maio, mais de dois milhões de pessoas ficaram sem transporte coletivo apenas na cidade de São Paulo.

Numa reflexão, bastante racional, sobre essa paralização dos transportes públicos, Oliveiros S. Ferreira, na página editorial do diário O Estado de São Paulo de 28 de maio, pergunta: “contra quem e contra que se coloca a organização que programou e realizou a greve em São Paulo e no Rio (de Janeiro)?”

Greve__Onibus_FortalezaEle continua: “Ao comentar as manifestações de junho passado e a ação dos black blocs, deixei a mesma pergunta no ar, indo ao extremo de falar numa organização de um homem só, o Dr. Fu Man chu. Exagero literário que não elimina a hipótese de haver uma organização capaz de fazer tumulto na hora que lhe parecer conveniente”.

Essa primeira parte do raciocínio do professor Oliveiros, é de clareza meridiana. Não se pode dissentir. A eficiência e eficácia da operação grevista remete à organização militar, segundo o editorialista, com acerto.

Naquela terça-feira, os motoristas foram acionados por telefone celular. Veio a ordem, não se sabe de quem, eles pararam onde estavam, nas ruas do centro, nos corredores exclusivos para ônibus, nos terminais modais, e, fizeram os passageiros descerem, geraram o caos.

Pararam em fila, um colado ao outro para impossibilitar que alguém pudesse manobrar. Nos terminais furaram pneus dos veículos barrando a saída. Em alguns casos, entravam nos ônibus e ameaçavam os motoristas em dúvida, tiravam a chave e faziam isso armados para evitar qualquer vacilação.

A polícia, absolutamente impotente, apenas protegendo os ônibus evitando que os populares enfurecidos provocassem algum dano. Mesmo assim, nas regiões mais afastadas do centro, onde a população mais sofre com o transporte urbano, cerca de 40 veículos foram queimados.

Diante desse caos, perplexidade total das autoridades, civis e militares, estaduais e municipais. O movimento pegou todo mundo de surpresa. Na véspera, o Sindicato dos trabalhadores no transporte coletivo, em mãos de em mãos de mafiosos, tinha chegado a um acordo com o sindicato dos donos das empresas, concordando com um aumento de 10% nos salários. A greve foi deflagrada a revelia do sindicato por uma oposição que pretendia 30% de aumento. Em suma, uma disputa sindical gerou o caos numa cidade de mais de 12 milhões de habitantes, 7.5 milhões de automóveis, e mais de 22 milhões na sua área metropolitana, capital de um estado com cerca de 45 milhões de pessoas, um PIB maior que o da Argentina.

As autoridades, em todos os níveis, parece que se esquecem que São Paulo é essa megalópoles, em que 80% das pessoas vivem em bairros dormitórios, longe de suas áreas de trabalho. Essa massa de excluídos é a que mais sofre. Há bairros que estão a mais de 30 quilômetros dos locais de trabalho.

Eu estava no centro, quis pegar o Metrô, na praça da República, as portas estavam fechadas, tal a quantidade de gente que pretendia entrar. Caminhei em direção à avenida São João atento para ver se conseguia um taxi. Pedestres atônitos caminhando em todas as direções. Depois de caminhar uns dois quilômetros, faltando ainda 12 quilômetros para chegar em casa, um taxi livre surgiu de uma esquina bem na minha frente. Segui conversando com o motorista, paramos mais de uma vez para perguntar aos grevistas, perfilados ao lado dos ônibus, se havia previsão de fim da greve. Não tinha. Pessoas frustradas que aguardavam nos pontos de parada de ônibus, ou caminhando pelas calçadas não escondiam a indignação, raiva, impotentes diante do drama. Algumas disseram que estavam sem rumo desde as 10 horas da manhã. Eram cerca das 17 horas, início da hora de pico do transporte coletivo e dos automóveis particulares.

Comentário do motorista do taxi que me conduzia: “Essa gente é galinha! Deviam queimar os ônibus!”. Lembrei que na zona sul e na zona leste o povão certamente já estaria queimando. Disse que não resolve e argumentei que o melhor seria ocupar os carros, enche-los de passageiros e seguir a rota.

greve-niteroi-300x168“Não dá, retrucou. Veja que os carros estão encostados uns nos outros e além disso, tiraram as chaves”. De fato, parecia não haver solução.

Pedi que parasse onde estava um guarda de trânsito para perguntar se podíamos seguir pela faixa exclusiva para ônibus em longos trechos absolutamente vazios. Disse que não, que se o fizesse seria multado. E onde havia coletivos parados havia policia militar tomando conta.

Lembrei-me de uma greve da CMTC (Companhia Municipal de Transporte Coletivo, monopólio de empresa pública), em finais dos anos 1950, o governador de então mandou a Polícia Militar acompanhar, armada de fuzil e revolver, os motoristas que não queriam aderir à greve. E havia bastante porque sabiam que a punição pela falta ao serviço –serviço público, para atender a um direito fundamental das pessoas- seria severa. E naquele tempo a “democracia” era mais democrática do que a de fancaria que temos hoje.

Oliveiros Ferreira, em seu editorial (pois ele é a própria voz do Estadão) lembrou que logo após o término da II Guerra Mundial, a CGT francesa decretou greve geral e o governo, em resposta, mobilizou os grevistas. E que Truman também, durante a guerra de agressão contra a Coreia, mobilizou os grevistas que paralisaram parte do sistema ferroviário. Mobilizar, na linguagem da época, significava alistar compulsoriamente nas forças armadas.

Oliveiros conclui especulando sobre a possibilidade de se decretar estado de emergência para garantir a realização da Copa Mundial de Futebol com início marcado para menos de duas semanas.

Poder-se-ia acrescentar que Salvador Allende, quando presidente do Chile, não fez isso diante da greve dos caminhoneiros (melhor dizendo, locaute), deixou o país sem abastecimento, gerou o caos que contribuiu para sua queda, ou seja, para o golpe fascista que o depôs.

Para a direita, a solução para garantir o governo e realização da Copa é o Estado de Sítio, militarização do Estado, suspensão dos direitos e garantias fundamentais às pessoas, repressão sobre o povão. Fique em casa vendo televisão, pois, se sair, apanha.

Especulação à parte, voltemos às questões de fundo, à essencialidade do problema.

Temos num primeiro plano a “perfeita” organização com que foram paralisados os ônibus nas ruas. E do outro lado, a total perplexidade e imobilismo do Estado (no caso, administrações municipal e estadual, com suas secretarias setoriais, judiciário, polícia civil e militar). E federal também posto que envolve área estratégica.

No primeiro caso, é de se perguntar: será que a máfia dos transportes urbanos e seus aliados do PCC chegaram a tal nível de organização, capaz de gerar o caos em mais de uma capital simultaneamente e por vários dias?

Não me parece. Isso requer um nível de especialização muito alto, muito distante do nível de conhecimento dos protagonistas aparentemente envolvidos. E requer recursos também. Muito dinheiro.

Será que nossa direita já evoluiu a esse nível sem precisar de ajuda de fora?

Fica no ar a pergunta inicial do editorialista: a quem e a que serve o caos?

Quem tem esse tipo de conhecimento especializado, recursos e dinheiro?

Quem mobilizou, organizou e financiou os caminhoneiros chilenos?

Quem mobilizou, organizou e financiou os fundamentalistas, os fascistas e a direita na Síria, levando o país à guerra civil?

É difícil aceitar que à direita interessa o caos. Os empresários estão ganhando dinheiro como nunca. Os que falam mal do momento econômico são as empresas que transformaram comunicação em negócio e recebem dinheiro do exterior para defender ideias contrárias aos interesses nacionais.

Não obstante, as transnacionais que operam no país, essas sim, estão organizadas. Nos idos de 1950 e 1960 tivemos o IPES e o IBAD, comprando os meios de comunicação, financiando candidatos, organizando terroristas como o CCC e outros. Prática que repetiriam logo em seguida no Chile.

Hoje, nos mesmos moldes, funciona aqui o Instituto Milênio, e, como no passado, o Council of America, a Usaid, Usia e todas as agências de inteligência.

Vale lembrar que os Estados Unidos nas vésperas do golpe de 1o de abril de 1964 tinham, só no Nordeste, mais de três mil agentes. Quanto agentes estadunidenses estariam operando hoje no Brasil? Alguém saberia responder a esta pergunta? O que estão fazendo? Para quem estão dando dinheiro e treinamento?

E os serviços de inteligência brasileiros, que estão fazendo? Têm algum controle sobre atividades de espionagem e de operações encobertas da CIA, do Mossad e outros serviços de inteligência? Ou estão submissos em função de acordos de cooperação com os EUA?

O Brasil, se um dia for governado, se um dia tiver um projeto nacional, tem imensuráveis condições de desenvolvimento. Assim também a Rússia, a China e a Índia. Os Brics a que se somou recentemente a África do Sul.

Esse é o novo fantasma que assusta os estrategistas estadunidenses. Agora não há o disfarce ideológico. A questão é abertamente uma questão econômica, ânsia por hegemonia.

Militarmente e/ou através de golpes de estado, de manobras desestabilizadoras, Estados Unidos com sua Otan e governos submissos da União Europeia e da Ásia, organiza um cerco com intenção de isolar a Rússia. Outras manobras estão dirigidas a controlar com a força naval as costas do Pacífico.

Da mesma forma que aos Estados Unidos não interessa o desenvolvimento da Rússia, menos ainda interessa o desenvolvimento do Brasil, ainda mais liderando uma integração continental que se opõem aos pactos bilaterais patrocinados por Washington.

Criar agitação social, desestabilizar governos, colocar mais ênfase na produção de commodities e na especulação financeira, enfim, gerar o caos, é a maneira mais fácil para os Estados Unidos alcançarem seus objetivos hegemônicos com relação ao Brasil.

A conjuntura e as características da política brasileira favorecem os planos hegemônicos dos Estados Unidos. Nenhum dos candidatos à Presidência da
República, por exemplo, explica como vai conseguir governabilidade com mais de trinta partidos, nenhum deles ideológico, nem mesmo nacionalista, nenhum com projeto nacional, todos fisiológicos? Um deles diz que vai reduzir pela metade o número de ministérios? Adiantará alguma coisa? A bancada ruralista permitirá? E a bancada das empreiteiras, permitirá?

As Reformas de Base propostas desde os tempos do governo de João Goulart são hoje mais necessárias que nunca. Mas, como fazer a reforma política e partidária, a reforma tributária e bancaria, a reforma urbana e a reforma agrária, com a composição que temos no Congresso e com os meios de comunicação guiados por interesses que não são os brasileiros?

Dilma estava certa quando aceitou a proposta das ruas de se convocar uma Assembleia Constituinte exclusiva para aprovar a reforma política, mas, já nem fala mais nisso e o movimento popular em favor da Constituinte e das reformas arrefeceu. Arrefeceu em função do caos urbano. Arrefeceu e deu lugar a manifestações pontuais, coorporativas, sem conteúdo político.

Agora vem a Copa, imediatamente depois as campanhas eleitorais (teremos eleições em outubro), todas destituídas de conteúdo, puro marketing para vender candidatos e partidos como se vende lingeries e as péssimas cervejas da Ambev.

*Editor de Diálogos do Sul, presidente honorário da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual dos Jornalistas, membro do Conselho da Associação Brasileira de Anistiados Políticos.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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