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Queremos juízes, não sofistas

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Victor Neiva*

idoso-justicaQuando estudante, a Faculdade de Direito da Universidade de Brasília era tida como detentora de uma grande dádiva por ficar na capital federal. Com efeito, estando sediada na unidade da federação aonde estavam todas as cortes superiores, poderia contar em seu quadro docente com ministro de todos estes tribunais.

Destacavam-se à época Gilmar Mendes, ainda não ministro do Supremo, e Marco Aurélio Mello. O primeiro, ainda não ministro, havia recentemente sido aprovado no concurso e, tendo retornado do doutorado no exterior, era famoso pela excessiva quantidade de leitura e o profundo conhecimento sobre jurisdição constitucional. O segundo, então tido como o eterno voto vencido, ministrava aulas sempre com análise crítica da jurisprudência daquela corte, e era tido como um profundo conhecedor do processo, matéria que inclusive passou a ministrar aulas na escola do colega Gilmar.

Procurei, dentro das possibilidades, aproveitar esta oportunidade. Tendo sido aluno da primeira turma do curso noturno da universidade, só tive oportunidade de acompanhar as aulas de Gilmar em cursos extracurriculares, palestras e bancas de mestrado, o que, entretanto, justificou que obtivesse dele cartas de recomendação para concorrer ao curso de mestrado. Quanto ao Marco Aurélio, além de aluno fui monitor de sua matéria de controle de constitucionalidade. Obviamente, para um garoto, era motivo de orgulho.

Era um momento muito rico na universidade, que tinha assumido o pioneirismo na alteração dos currículos do curso de Direito, liderada então por Dourimar Nunes Moura e José Geraldo de Souza Júnior, que buscavam uma formação mais humanística, que promovesse a incorporação de um debate pluralístico e de uma formação democrática em uma área do conhecimento ainda não inteiramente reformulada, do ponto de vista doutrinário, após a Ditadura.

Com eles, particularmente Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, aprendíamos que o formato de corte constitucional hoje existente na maioria dos países se dava pela necessidade de uma força contra-majoritária que fizesse prevalecer a supremacia da Constituição em momentos nos quais uma maioria estivesse a afetar direitos fundamentais de uma minoria. Também nos aprofundávamos no estudo do devido processo legal e da ampla defesa, enquanto um conjunto de regras pré-estabelecidas que determina como um caso será julgado e o direito, inclusive, de ver os seus argumentos considerados.

Apesar da trajetória das decisões por eles tomadas, após mais de quinze anos, não posso dizer que causa surpresa a conduta de ambos. Creio que a palavra certa é estupefação.

É certo que não raro eram profundamente dotados de uma grande habilidade hermenêutica para condicionar o Direito a duvidosas opções decisórias, quando o correto seria que buscassem prevalecer a supremacia da Constituição. Apesar disso, sempre foram reconhecidos pelo profundo conhecimento e pela competência em expor suas razões.

Mas, diante desta questão dos embargos infringentes, é realmente espantosa a conduta. Desde a desqualificação grosseira de colegas até a completa subversão do que de fato é a Constituição e o Direito, parecem muito mais de sofistas que de juízes.

Parece que a postura se dá, fundamentalmente, porque o debate a respeito do cabimento do recurso é simples. Quanto a isso, tomo de empréstimo as palavras de José Afonso da Silva, um dos mais renomados constitucionalistas brasileiros de nosso tempo:

A fundamentação é simples. A Constituição dá ao Supremo a competência originária para processar e julgar infrações penais de certos agentes políticos (art. 102, I, b e c). Quem dá os fins dá os meios, tal a teoria dos poderes implícitos. Os meios à disposição eram as regras do regimento interno, até que viesse uma lei disciplinando a matéria.

Aí é que entra a lei nº 8.038/1990, que disciplinou os processos de competência originária do Supremo, entre os quais o da ação penal originária. Daí a controvérsia sobre se essa lei revogou ou não a previsão regimental dos embargos infringentes. Expressamente não revogou, porque lei revoga lei, não normas infra legais, como as de um regimento. A questão se resolve pela relação de compatibilidade.

Há quem entenda que não há compatibilidade porque não cabe ao regimento disciplinar matéria processual, quando não previsto expressamente na Constituição. É certo. Mas aquela lei não regulou inteiramente o processo da ação penal originária. Só o fez até a instrução, finda a qual o Tribunal procederá ao julgamento, “na forma determinada pelo regimento interno” (artigo 12). Logo, se entre essas “formas” está a previsão dos embargos infringentes, não há como entendê-los extintos, porque, por essa remissão, eles se tornaram reconhecidos e assumidos pela própria lei. (grifo nosso) (in http://www.osconstitucionalistas.com.br/questao-de-direito)

Assim, ante uma questão tão comezinha, não houve tergiversação possível. Passou-se então para pressão política e a chicana.

Só posso entender que isto se deve a algo nos autos que possa justificar um temor de alteração do julgado. Afinal, seria bem mais simples passar à análise dos infringentes, com objeto bem mais reduzido que o do primeiro julgamento.

Tamanha a gravidade da situação, que, para defender o seu ponto de vista, no início de seu voto Marco Aurélio vaticinou que “o Direito sacrificou o valor Justiça”. Lição esta que posso garantir que não foi ensinada na Universidade de Brasília e que duvido que o tenha sido “nos bancos da Faculdade Nacional”.

E a ideia de força contra-majoritária assim se esvai, a mostrar que alguns dos principais responsáveis por tutelar nossa constituição e seus valores fundamentais, não veem a Justiça como o seu objetivo maior.

E quanto ao passado, o que um dia foi motivo de orgulho, passa a ser de explicação.

*Advogado, Colaborador de Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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