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Rafael Correa, Evo Morales e as lições que a Bolívia deve aprender com o Equador

Países se assemelham pelos processos políticos dos anos recentes, pelo discurso do “socialismo do século XX” e pelo autoritarismo de seus mandatários
Alfonso Gumucio
La Paz

Tradução:

Meu pai costumava dizer: “Se La Paz estivesse mil metros mais abaixo, seria um vergel, como Quito”. Recordo essa frase cada vez que aterrisso na capital equatoriana, e mais ainda desde que o aeroporto Mariscal Sucre começou a operar em pleno campo, já não no meio da cidade. 

Em novembro de 2018 tive que viajar duas vezes ao Equador por motivos de trabalho e enquanto pela janelinha do avião via se aproximar o verdor e a névoa que competem entre si, pensava no muito que têm em comum e em tudo o que separa ambos os países.

Ambos países se assemelham, entre outras coisas, por seu processo político dos anos recentes, pelo discurso do “socialismo do século XX” e pelo autoritarismo de seus mandatários: Morales e Correa. A loucura demagógica do primeiro é parecida com a do segundo, que já não está no poder.

Me contavam em Quito histórias sobre a prepotência e a arrogância de Rafael Correa, e não podia deixar de pensar em atitudes similares de Evo Morales. Um dia, Correa se apresentou de surpresa no Conselho Nacional de Educação Superior que se encontrava classificando o nível acadêmico das universidades para a outorga do orçamento, e de maneira contundente vetou a Universidade Andina Simon Bolívar e a FLACSO, que tinham as melhores qualificações. Correa agia como “Gerente Proprietário do Armazém Equador”, diz meu amigo Poncho Álvarez.

Países se assemelham pelos processos políticos dos anos recentes, pelo discurso do “socialismo do século XX” e pelo autoritarismo de seus mandatários

Andina
Chavez, Correa e Morales expoentes do "socialismo do século XXI"

Ambos mandatários se pareciam em muitas outras coisas, por exemplo a distância entre o discurso usurpador do “bom viver” e da “Pachamama”, e como contrapartida suas políticas econômicas extrativistas que danificam a natureza e as comunidades indígenas que habitam em territórios que são reservas naturais.

Quando Lenin Moreno assumiu o poder, Correa lhe deixou uma pedra no sapato: um homem de sua inteira confiança na vice-presidência. Logo se descobriu que Jorge Glass estava implicado em casos de corrupção e agora está na prisão em Latacunga. Quando Correa inaugurou esse presídio disse que “se pode perder a liberdade, mas não a dignidade”. No entanto, Glass se queixa das condições de detenção nessa prisão “modelo”.

O próprio Correa teve que fugir do país e se refugiar na Bélgica porque a justiça encontrou evidência suficiente para julgá-lo pelo sequestro de um jornalista. Também fugiu Fernando Alvarado, que foi o poderoso Secretário de Comunicação de Correa. Depois apareceu o escândalo dos dízimos recebidos pela vice-presidenta, que acabou renunciando após oferecer alguma resistência.

Lenin Moreno está encurralado por seu próprio partido político, Alianza País, onde as fidelidades se repartem entre os adeptos da Revolução Cidadã e os militantes que estavam fartos do autoritarismo e da corrupção, e se somaram a Lenin Moreno, que desde que assumiu a presidência tem deixado que a justiça e os outros poderes trabalhem com independência do executivo.

A situação é um grande paradoxo, porque na Assembleia Nacional às vezes os deputados da Alianza País votam juntos e às vezes separados. Isso faz de Lenin Moreno um refém das manipulações políticas daqueles que estão incrustados no poder e não querem perder seus privilégios.

Imaginemos o que sucederá na Bolívia quando Carlos D. Mesa assuma a presidência em 2019. Encontrará, da mesma forma que Lenin Moreno, um aparelho do Estado repleto de políticos do MAS que não querem perder seus privilégios e que se dedicarão com afinco, como acontece no Equador, a sabotar de dentro as mudanças que o novo presidente trate de fazer. Diferentemente do Equador, onde a justiça tem agido com independência, na Bolívia atuará submetida aos ditados de Evo Morales já deslocado do poder. A situação será pior que no Equador, onde a justiça conseguiu julgar alguns dos corruptos. Na Bolívia, os protegerá.

Uma das primeiras medidas que deveria tomar o governo de Carlos D. Mesa é um julgamento de responsabilidades a Evo Morales, García Linera e seus ministros por uso indevido de bens do Estado, milhares de contratos sem licitação, sem transparência e com superfaturamento, centenas de obras sem estudos de factibilidade e impacto ambiental, corrupção generalizada, narcotráfico e violações de direitos humanos, entre outros. 

Embora a Comissão de Participação Cidadã do Equador esteja tentando institucionalizar o país, Lenin Moreno não conseguiu todo o apoio de seu próprio partido. Mais difícil será para Carlos D. Mesa institucionalizar e democratizar um aparelho de Estado corrompido até a medula pelo MAS. 

(Publicado em Página Siete, no sábado 1º de dezembro de 2018)

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Não há democracia em um processo que está depredando a natureza, a Pachamama e as comunidades. —Alberto Acosta

 

 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Alfonso Gumucio Boliviano. Cineasta e documentarista. Especialista em comunicação para o desenvolvimento com experiência mundial em comunicação participativa, mobilização social e desenho da estratégia. Foi Diretor de Comunicação da UNICEF na Nigéria e no Haiti

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