Na manipulação da opinião pública, a tevê Globo usa em seus noticiários a mesma fórmula padronizada de contrapor ideologia aos fatos. Há um formato básico comum para temas tão diversos como, por exemplo, Venezuela, desemprego e reforma da Previdência.
A crise na Venezuela se define como uma luta pela democracia e pela liberdade; o desemprego aumenta mas é quase escondido, e rapidamente obscurecido pelos que usaram sua liberdade do desemprego para empreender trabalho autônomo; já a reforma da Previdência dará ao trabalhador a liberdade de escolha entre a Previdência pública e a capitalização
É claro que tudo isso faz parte de uma mistificação para enganar a esmagadora maioria de telespectadores, sobretudo os da periferia – que não tem outro meio de comunicação de massa a não ser a tevê -, diante do noticiário esmagador pró-reforma. Veja o noticiário relativo à Previdência.
A tevê Globo não se dá ao trabalho de apresentar o conteúdo do projeto do governo. Limita-se a tratar da forma e, especialmente, da cobertura do jogo parlamentar superficial sobre prazos de votação. Os parlamentares entrevistados a respeito são escolhidos a dedo para dar a impressão de que há cobertura isenta do processo legislativo.
É dessa forma que a encenação na tevê de discordâncias simuladas entre Bolsonaro e César Maia, em torno de temas políticos triviais ou mesmo pessoais, tem servido exclusivamente para disfarçar a questão central, a saber, o apoio de ambos ao regime de capitalização que condena à morte a Previdência pública.
Ilustração: tt Catalão
A tevê Globo não se dá ao trabalho de apresentar o conteúdo do projeto do governo
Embora esse seja um ponto de extrema importância na infame proposta de reforma, a Globo, por sua tevê aberta – isto é, a tevê que atinge as massas – se exime de prestar qualquer esclarecimento a respeito. E é para assegurar essa omissão que não se dá tempo de critica a entrevistados, apenas balelas.
Quanto ao desemprego, a cobertura da tevê é um acinte. Passasse rápido como um relâmpago pelos indicadores de aumento do desemprego e logo se desvia a atenção do telespectador para situações particulares, novelescas, que apresentam um ou outro desempregado que conseguiu um pequeníssimo negócio como estratégia de sobrevivência. Isso não tem qualquer representatividade no quadro geral de desemprego, mas permite esconder o fato, por exemplo, da absoluta falácia da reforma trabalhista de Temer como geradora de emprego, o que se estenderá agora com a reforma da Previdência, se passar.
O caso da Venezuela é sintomático da vassalagem do governo brasileiro em relação ao norte-americano, e da tevê em relação ao governo. É evidente que há um golpe em marcha comandado por Washington, mas a televisão trata a eventual saída de Maduro como uma transição “democrática”. Guaidó, o auto-proclamado presidente, é tratado como mandatário legítimo, objeto da curiosa oferta pelos golpistas de anistia ao presidente eleito, se ele deixar o poder. Em suma, um dos valores basilares da democracia é a liberdade de imprensa. Contudo, para haver real liberdade, deve haver pluralidade de opiniões. Não temos isso. Lula não quis acabar com o monopólio da imprensa em seu governo, e acabou pagando caro. Essa conta está aberta.
* Jose Carlos de Assis é economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB