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A reforma na Previdência Social proposta pelo governo de Michel Temer requer que se trabalhe até a morte e não reduz os custos no curto prazo.
Joana Rozowykwiat*
A reforma da Previdência – apresentada por Michel Temer como necessária para tirar o país da crise – além de ser “perversa do ponto de vista social”, não trará alívio às contas públicas no curto prazo. O alerta é do economista Paulo Kliass, que vê nas mudanças uma tentativa de destruir a previdência social, abrindo espaço às previdências privadas. Para ele, as novas regras não apenas retiram direitos, como são de um “grau de maldade impressionante” e, por isso, não se sustentam. “O mais dramático é que os efeitos fiscais da reforma vão exatamente na contramão do que é pretendido. O argumento usado pelo governo é o de que o país está quebrado e tem que reduzir despesas. Mas a reforma da Previdência faz exatamente o contrário no curto prazo”, diz o economista.
Isso porque as incertezas e o medo de perder direitos já tem levado a uma corrida pela aposentadoria. “Isso aconteceu em 1998 e em 2003 também, nas reformas anteriores. Quando se fala em mexer na Previdência, sempre é para retirar direitos, então às pessoas correm e antecipam sua aposentadoria. O efeito imediato para 2017 e 2018, portanto, é de aumento das despesas, muita mais gente vai se aposentar. É a corrida da incerteza”, aponta Kliass.
Dados do Ministério do Planejamento, divulgados pelo El País em novembro, já indicavam recorde na solicitação de benefícios. Diante da ameaça de mudanças, entre janeiro e agosto, 11.635 funcionários solicitaram aposentadoria, uma média mensal de 1.939. Trata-se da maior média desde 2003. Para efeito de comparação, no ano passado, a média era de 1.374, 42% menor do que neste ano.
O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) também registrou um aumento nos pedidos de aposentadoria na iniciativa privada. Em agosto deste ano, 4,8 milhões de benefícios foram concedidos, número 11,6% maior que o acumulado nos últimos doze meses.
Além de, no curto prazo, provocar um aumento no número de aposentadorias, a reforma, de qualquer forma, não acarreta a redução de despesas pretendida pelos próximos anos ou até décadas. Afinal, as novas regras não valem para quem já está aposentado e há uma regra de transição para homens com 50 anos ou mais e mulheres com 45 anos ou mais.
“Ou seja, a realidade vai na contramão do discurso. O governo alega uma emergência fiscal de curto prazo e a reforma não vai responder a isso”, observa o economista.
Menos direitos
De acordo com ele, a reforma da Previdência afeta principalmente a base da pirâmide social, onde estão aqueles que dependem do benefício, após uma vida de trabalho. E, ao contrário do que diz o governo, ela retira direitos dos trabalhadores. Com exceção daqueles que já estão aposentados, todos serão prejudicados.
“Criam uma sutileza jurídica para dizer que há diferença entre direitos adquiridos e expectativa de direitos. O sujeito que trabalhou 30 anos e está às vésperas de se aposentar, ele teria uma expectativa de direito. É uma grande balela, pois, quando ele começou a trabalhar e contribuir para o sistema previdenciário – e ao longo dessa vida de contribuição – , havia um contrato, que agora está sendo absolutamente desrespeitado. É uma reforma de retirada de direitos”, afirma o economista.
Mulheres na berlinda
Paulo Kliass ressalta ainda que a reforma é “extremamente injusta”, ao unificar as regras de aposentadoria para homens, mulheres, trabalhadores do campo e urbanos. Pela regra atual do 85/95, mulheres podem se aposentar com 55 anos de idade e 30 de contribuição; homens com 60 anos e 35 de trabalho.
Caso a reforma de Michel Temer seja aprovada como está, todos só poderão receber o benefício a partir dos 65 anos e desde que tenham contribuído por 15 anos. Mas, para ter acesso ao valor integral da aposentadoria, é exigida contribuição por 49 anos.
“Hoje o Brasil reconhece um histórico de desigualdade e de injustiça em relação à mulher, que costuma se ocupar mais dos filhos, da casa e, do ponto de vista previdenciário, há um tratamento diferenciado. Agora, você drasticamente promove essa equiparação, que significará mais 10 anos de trabalho para a mulher e, para os homens, apenas mais cinco anos. Então, relativamente, há um impacto muito maior para mulher, e não tem uma transição”, crítica Kliass.
Trabalhar até morrer: “uma loucura”
O economista aponta que o grau de exigências estabelecido pela reforma não existe em nenhum outro país do mundo. “Qual o trabalhador brasileiro que chega aos 65 anos, tendo contribuído durante 49 anos?”, questiona. “Isso é uma loucura, uma insanidade. No fundo é dizer que a pessoa vai morrer antes de se aposentar”. Para os trabalhadores rurais, as novas regras pesam ainda mais. Trata-se de categoria que, em geral, começa a trabalhar muito cedo e cujo trabalho pode ser extenuante do ponto de vista físico.
“Quanto mais dura a atividade laboral – cortadores de cana, por exemplo -, há mais razão para dar condições particulares de ingresso na aposentadoria. O discurso do oficialismo é de que é preciso acabar com regimes especiais, como se eles fossem privilégios. Não são. São condição para atender a particularidades de categorias que têm uma vida de trabalho muito diferente de alguém que vive no ambiente urbano e trabalha no setor de serviços. Algumas categorias chegam à aposentadoria em condições de desgaste físico totalmente diferentes”, destaca.
O projeto de Temer prevê que os trabalhadores rurais, que hoje não são obrigados a contribuir para o regime, passem a pagar uma alíquota para ter direito ao benefício. Para Kliass, este não é o maior problema. A principal questão é que, com as novas exigências, homens e mulheres do campo não conseguirão chegar à aposentadoria.
Descalabro social
O atual ambiente de informalidade e precarização crescentes do mercado de trabalho tornam a reforma da Previdência ainda mais perversa. Neste cenário, a exigência de 49 anos de contribuição para a aposentadoria integral será algo ainda mais inalcançável para grande parte dos brasileiros.
O trabalhador que atua na informalidade, sem nada registrado em carteira, dificilmente contribuir como autônomo, inclusive porque a alíquota costuma ser mais alta. E a precarização do trabalho, a alta rotatividade que vem junto com a terceirização também dificulta a vida do trabalhador.
“O cara da construção civil passa por um número enorme de contratos na carteira, por várias empresas. Muitas delas vão à falência, sonegam. Quando o cara chega na época da aposentadoria, descobre que algumas dessas empresas nunca recolheram a contribuição previdenciária. E ele não tem a quem recorrer. Então você combina a precariedade, a sonegação e a informalidade e há um quadro de descalabro social”, aponta Kliass. “Você está institucionalizando o não direito previdenciário de uma geração”, concluiu.
Privatizar e agradar o financismo
Na avaliação do economista, a reforma da Previdência só é positiva para uma elite que não depende do benefício e para o sistema financeiro, que opera as previdências privadas. “É um serviço sujo que está sendo oferecido para o sistema financeiro, destruindo a Previdência no longo prazo”, analisa.
Segundo ele, se for implementada como está sendo imaginada, a reforma estará desassistindo uma parcela da população que precisa da Previdência. “´É a mesma coisa que ocorre com saúde e educação. Se o Estado está impedido de oferecer esse serviço, a dinâmica do mercado – a gente vive num sistema capitalista – é oferecê-lo pela via privada – em condições mais degradantes, é verdade. Então o serviço que essa reforma presta é tornar a previdência privada mais atraente”.
Para Kliass, dificilmente a reforma da Previdência será aprovada como está e já há concordância de que o tema só irá à votação no ano que vem. A pressa em apresentar a proposta, para o economista, foi mais uma deferência de Temer ao “mercado”.
“O governo quis dar uma demonstração de que é sério e competente do ponto de vista do sistema financeiro e que está ali para fazer a lição de casa, que é entregar um país sem os engessamentos provocados pela herança da Constituição de 1988, que é o Estado de bem-estar social, que ainda hoje é um arremedo, mas está lá no texto”, diz.
De acordo com ele, o governo defende a ideia de que o Brasil não suporta mais o projeto social da Constituição de 1988, que ele não cabe no orçamento e, portanto, é preciso cortar gastos. Trata-se de algo muito presente nas discussões sobre a Proposta de Emenda Constitucional 55, que estabelece um teto para as despesas públicas.
“A reforma da Previdência vem em cima da PEC, que, apesar de tudo, não tem o poder de limitar drasticamente os gastos previdenciários. Então vem a reforma e ataca a Previdência em si”, lamenta.
*Original do Portal Vermelho