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Comissária Europeia Hadja Lahbib se encontra com al-Julani em Damasco em 17 de janeiro de 2025 (Foto: União Europeia)

Regime de al-Julani massacra minorias na Síria com “aval” do Ocidente, alertam especialistas

Europeia mantém apoio a al-Julani mesmo diante da perseguição a alauítas, cristãos, drusos e sunitas – um reflexo de como as mortes no mundo árabe foram normalizadas
Sputnik Brasil, Melissa Rocha
Sputnik Brasil
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

Uma nova fase da disputa pelo poder na Síria foi iniciada neste mês após confrontos entre as forças do governo interino e combatentes leais ao ex-presidente Bashar al-Assad, deposto em dezembro de 2024, deixarem centenas de mortos nas províncias costeiras do país, em Tartus, Latakia e Jableh.

As três províncias ficam localizadas no noroeste do país, onde se concentram apoiadores de Assad que se opõem à nova administração síria, liderada pelo grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), que tem como líder o presidente interino Ahmed al-Sharaa, também conhecido por Abu Mohammad al-Julani, no qual al-Julani significa “o golaniano” — uma referência às Colinas de Golã, região de origem de sua família e que se encontra ocupada pelas forças de Israel.

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O governo interino da Síria enviou reforços para o noroeste do país, a fim de lutar contra os combatentes leais a Assad, trazendo ainda mais incertezas para o país, já assombrado pela possibilidade de o novo governo perseguir minorias como os drusos, os cristãos e os alauítas. Além do envio de forças, o governo interino criou um comitê para manter a paz, que visa se aproximar da comunidade alauíta residente na região costeira.

Ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Muna Omran, cofundadora e pesquisadora sênior do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (GEPOM), explica que os alauítas são uma vertente mais esotérica dos xiitas, não considerada pelos sunitas um grupo religioso, e que viveu marginalizada, excluída do sistema educacional, tendo como única forma de ascensão social o ingresso no Exército. Esse cenário mudou na década de 1970, quando o alauíta Hafez al-Assad, pai de Bashar al-Assad, chegou ao poder.

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“O Assad muda e diz que qualquer muçulmano, de qualquer grupo religioso, pode chegar ao poder na Síria. E aí ele começa a governar dentro de um Estado laico. É importante também dizer isto: o governo sírio, tanto do Assad pai quanto do Assad filho, não era um governo religioso, não era um governo teocrata. Era um Estado laico, que vai ter dentro do ministério sunitas, drusos, cristãos, toda a diversidade religiosa. E, mais ainda, eles vão dar a liberdade religiosa para todo e qualquer grupo religioso, incluindo os cristãos”, explica.

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Ela acrescenta que quando Ahmed al-Sharaa chegou ao poder, começou um “beija-mão” com vários líderes políticos da Europa, mesmo dando todos os indícios de que era um “terrorista” e que já em dezembro começaram os massacres contra minorias, com invasões a aldeias e, inclusive, a queima de uma árvore de Natal em Al-Suqaylabiyah, cidade de maioria cristã, localizada no oeste do país.

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“O presidente [Ahmed al-Sharaa] vai para a TV e diz que eram dias de respeito, que todas as religiões seriam respeitadas, todos os grupos, desde que não questionassem o regime. E aí o próprio governo reconstrói a árvore de Natal, mas começam a ver, então, que um dos primeiros decretos dele é tirar, exonerar de todos os altos cargos, altos postos de militares do Exército, postos esses ocupados por alauítas e cristãos, em sua maioria […], então ele começa a tirá-los do poder.”

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Omran afirma que, em paralelo, a Europa continua “a bajular” Ahmed al-Sharaa, que buscou no continente europeu financiadores para reconstruir a Síria, ao mesmo tempo que alauítas eram perseguidos e se movimentavam para sair do país.

Vários líderes políticos da Europa apoiaram al-Julani mesmo dando todos os indícios de que era um “terrorista” (Foto: União Europeia)

“Porque depois ele fecha as fronteiras, então quem conseguiu sair, saiu. Quem não conseguiu está saindo ilegalmente. E esse massacre para as minorias religiosas da Síria já estava sendo esperado, e não são só os alauítas, os cristãos também. Recentemente, há umas duas ou três semanas, eles pegaram o filho do patriarca sírio, da Igreja Ortodoxa síria, rasparam a barba dele, o próprio patriarca, rasparam a barba, rasparam o cabelo, numa situação de humilhação, prenderam, torturaram”, afirma a especialista.

Ela avalia que essa perseguição não vinha sendo denunciada no Ocidente até que houvesse um massacre maior por falta de conhecimento sobre os alauítas e, também, para não mostrar que o governo sírio atual tinha práticas terroristas, já que ele “chegou ao poder com o aval do Ocidente”.

“Eu costumo dizer que tudo o que envolve o mundo árabe, o Ocidente não está preparado para proteger. […] Quando nós ficamos sabendo do espancamento, do sequestro do palestino codiretor do filme “No Other Land” […], só chamou atenção porque ele acabou de ganhar o Oscar. Se não fosse isso, talvez ninguém teria sabido. Eu sempre falo assim: ‘Qualquer coisa que envolva os árabes nunca é divulgada. Afinal, nós não somos europeus.’ Então eu vejo dessa forma, que também é uma questão de segregação mesmo do Ocidente.”

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Gabriel Mathias Soares, doutor em história social pela Universidade de São Paulo (USP) e global fellow na Habib University, em Karachi, no Paquistão, afirma que os alauítas são bastante associados ao governo de Bashar al-Assad, o que cria uma situação tensa com grupos como o HTS, que tem origem jihadista e forte viés sectário. Ao podcast Mundioka, ele afirma que entre os alauítas há pessoas que não aceitam o novo regime, têm treinamento militar e estão se armando e atacando também forças do novo governo sírio.

“Mas é fato que houve pelo menos centenas, se não milhares de civis que foram mortos nas últimas duas semanas, mais ou menos, nessa região costeira da Síria, majoritariamente alauítas”, ressalta o especialista.

Soares acrescenta que o massacre não se restringe aos alauítas, e que também foram atacados e mortos integrantes de outros grupos, incluindo sunitas que aceitaram abrigar alauítas em suas casas. Ele afirma que embora os massacres tenham sido amplamente documentados na Síria, no âmbito internacional não foram repercutidos.

“As relações continuaram normais. Ainda é uma abertura muito grande da União Europeia com o novo governo da Síria. Não houve, por mais que eu tenha procurado, qualquer ação diplomática ou de repreensão nesse sentido. Pelo menos nas esferas mais altas eu não encontrei.”

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Ele afirma que está sendo muito normalizada a morte de árabes pela mídia já há um tempo, e que há momentos que se desperta alguma tensão, “mas percebe-se que, muitas vezes, é muito intencional, muita lágrima de crocodilo, ou usada para, às vezes, outros motivos”.

“Por exemplo, agora, na mesma medida em que o governo Bashar caiu, Israel aproveitou a situação para tomar novos territórios [na Síria].”

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Ele afirma que a Síria tinha um equipamento antiaéreo que, ainda que não conseguisse conter inteiramente os ataques israelenses, dificultava certos tipos de operações que Israel realizava.

“E quando o novo grupo HTS tomou o controle, eles [israelenses] aproveitaram a situação para simplesmente destruir todo esse equipamento, toda essa artilharia antiaérea, todos os equipamentos, os estoques de armamentos que eles podiam localizar, […] e também ocuparam aquele perímetro ao redor das Colinas de Golã, avançando até o alto do monte Hérmon, que é um dos maiores picos daquela região e que está a poucos quilômetros de Damasco”, afirma.

Ele acrescenta que, diante dessa situação, é difícil ser otimista em relação à Síria, porque é um momento de muita tensão.

“Se isso não for de alguma maneira resolvido, não houver um esforço de entendimento, de reconciliação, talvez possa escalar para outro conflito mesmo”, afirma.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Sputnik Brasil
Melissa Rocha

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