Poderíamos chamar de meio século de retrocesso, mas é pior do que isso. Começou a valer nesta quarta-feira (1º) no Texas, Estados Unidos, a lei anti-aborto que se tornou o carro-chefe da ofensiva conservadora contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres no país.
Contrariando a decisão da Suprema Corte que, em 1973, tornou o aborto legal em todo o território dos EUA, a lei — promulgada em maio pelo governador republicano Greg Abbott — não apenas viola direitos já conquistados como introduz dispositivos que se assemelham a uma versão 2.0 da caça às bruxas. Entre eles, está o estímulo à delação, por cidadãos comuns, da prática de aborto através da oferta de recompensas de no mínimo US$ 10 mil.
Apesar da reação negativa do presidente Joe Biden, que chamou a nova lei de uma “violação descarada” dos direitos das mulheres estabelecidos pela Constituição, as instituições estadunidenses, por enquanto, não se moveram para impedir essa que é a medida mais restritiva ao aborto legal em quase 50 anos.
A Suprema Corte, de maioria conservadora desde as reconfigurações operadas por Donald Trump, não se pronunciou sobre um pedido emergencial que barraria o projeto antes de sua efetivação, permitindo que entrasse em vigor.
Assim, as novas regras — que proíbem o aborto após seis semanas de gestação, período inferior ao tempo em que normalmente as mulheres descobrem suas gestações — já começaram a valer e a provocar efeitos deletérios.
Estima-se que entre 85% a 90% dos abortos legais no Texas sejam impedidos com a legislação, que não abre exceções sequer para casos de estupro ou incesto. A única brecha é para casos em que a saúde da gestante está em risco, mas mesmo ela é limitada e depende de rigorosa comprovação médica.
A “monetização da violação”, que prevê as tais recompensas pela delação de provedores de aborto e qualquer pessoa envolvida na realização de interrupção de gravidez, coloca sob vigilância e ameaça até mesmo quem se disponha a ajudar uma mulher levando-a até uma clínica de aborto. Um esquema de “caça a recompensas”, segundo a União Americana de Liberdades Civis (UALC). Um estudo da Universidade de Austin aponta que as mulheres negras e de baixa renda serão as mais afetadas.
Evan L’Roy/The Texas Tribune
Em maio deste ano, manifestantes se reuniram em frente à Mansão do Governador em Austin para protestar contra projeto de lei anti-aborto.
O dia anterior à entrada da lei em vigor foi marcado por corridas aos centros de saúde para realização de abortos, que provocaram longas filas e impediam que todas as mulheres fossem atendidas.
Movimentos pelos direitos civis e críticos à medida em geral alertam: a lei colocará mulheres em risco ao reduzir o acesso ao procedimento, aumentando as tentativas nada seguras de auto-indução do aborto e forçando deslocamentos a outros estados.
Fica, ainda, o temor de que o Texas sirva de vitrine e encoraje mais ataques aos direitos das mulheres. O cenário é árido: considerando apenas o primeiro semestre, 2021 já é o ano em que medidas anti-aborto mais prosperaram nos legislativos estaduais dos EUA desde 1973.
A Suprema Corte ainda pode aceitar recursos de organizações da sociedade civil e movimentos sociais, revogando a lei. O tribunal precisa decidir se a medida — considerada inconstitucional por ativistas e profissionais de saúde — pode ser contestada em âmbito federal, já que seus defensores argumentam que os recursos deveriam ser direcionados somente à esfera estadual.
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