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Foto: DelwarHossain / Wikimedia Commons

Revolução colorida em Bangladesh: 4 pontos para entender a operação dos EUA contra Hasina

Depois de quinze anos dirigindo o Bangladesh, Sheikh Hasina foi subitamente derrubada. Os EUA, patrões do "mundo livre", nunca mudam
Thierry Meyssan
Rede Voltaire
Paris

Tradução:

Alva

Depois de ter organizado a queda de Imran Khan no Paquistão, os Estados Unidos conseguiram derrubar igualmente a Sheikh Hasina em Bangladesh. Uma terceira mudança de regime estaria em preparação na região. Washington, patrão do “mundo livre“, nunca muda: desprezando a vontade dos povos, impõe-lhes os seus dirigentes.

A Sheikh Hasina, que depois de quinze anos dirigia o Bangladesh e era famosa como uma campeã da democracia, foi subitamente derrubada pela multidão, em 4 de agosto. Ela é acusada pelo novo governo de ter transformado o seu regime numa ditadura. Efetivamente, as eleições legislativas de 7 de janeiro de 2024 deram-lhe um parlamento obediente, já que elas haviam sido boicotadas pela oposição e, sobretudo, as manifestações de julho-agosto foram reprimidas de maneira sangrenta, causando pelo menos 250 mortes, talvez até 650.

Como sempre, as aparências são enganadoras e os contos mediáticos puras intoxicações.

Primeira anomalia: ingerências da Comissão Europeia e do Departamento de Estado dos EUA

No dia 6 de janeiro, quer dizer, na véspera das eleições gerais boicotadas pela Oposição, Maria Zakharova, porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, pôs em causa as ingerências da Comissão Europeia e do Departamento de Estado dos EUA na organização destas eleições [2]. Segundo o Washington Post, Bharat (India) teria intervido junto ao Departamento de Estado para que a mudança de regime em Bangladesh decorresse suavemente.

Sabe-se que o International Republican Institute (IRI) e o National Democratic Institute (NDI) se envolveram fortemente na preparação dessas eleições. Estes organismos, ligados à CIA, receberam de fato vários milhões da National Endowment for Democracy (NDI) para tal.

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O Supremo Tribunal Bengali restaurara o sistema de quotas na função pública em junho. Estas são reservadas aos veteranos da Guerra da Independência (1971) e seus descendentes, o que favorece os membros da Liga Awami no poder que lutaram na Guerra da Independência. Os jovens licenciados encontram-se, assim, sem perspectivas de emprego. Uma greve pacífica foi então organizada por sindicatos estudantis. Ela foi interrompida durante as festas muçulmanas (Aïd).

Após as eleições de janeiro de 2024, um diplomata estadunidense alertou Sheikh Hasina: se ela não aceitasse ceder uma parte do território Bengali, para criar um Estado cristão a cavalo sobre o Mianmar e instalar uma base aérea militar estrangeira na ilha de Saint-Martin, seria derrubada. Em 24 de maio de 2024, ou seja, duas semanas antes do início do movimento contra ela, a Sheikh Hasina reuniu os dirigentes dos 14 partidos políticos da sua coligação para os alertar sobre este complô [3]. Em vão.

Segunda anomalia: operações de destruição dos símbolos de Bangladesh

Desde o início da greve, em junho, vários indivíduos atacaram e vandalizaram monumentos de homenagem ao fundador da nação, o Sheikh Mujibur Rahman (assassinado em 1975). Ora, no momento, ninguém criticava esse herói nacional. Acontece que este não é apenas o pai da nação (Bangabandhu), mas também o da Conselheira Principal (Primeira-Ministra), a Sheikh Hasina. Isto foi exatamente o que se viu no início da guerra na Síria (2011): indivíduos não identificados vandalizaram as estátuas de Hafez al-Assad (1930-2000), que, portanto, à época ninguém no país contestava. Não se tratava de pôr em causa a sua herança, mas de destruir símbolos do Estado de maneira a deslegitimar o seu filho e sucessor, Bashar al-Assad.

Os média internacionais não deram importância a estas ações contra os monumentos públicos. Elas eram, segundo tudo parecia, perpetradas por membros do Partido Nacionalista do Bangladesh (BNP). Esta formação fora criada por Ziaur Rahman, Presidente de Bangladesh de 1977 a 1981, data de seu assassinato. Ela é favorável aos islamistas, enquanto a Liga Awami é laicista. Toda a história do meio século de existência do Bangladesh é uma luta entre islamistas e laicistas. A presidente do BNP e antiga Conselheira Principal (1991-1996 e 2001-2006), Khaleda Zia, está hoje em dia na prisão por desvio de fundos. O seu filho, Tarique Rahman, prossegue a sua luta a partir de Londres (capital do antigo Império das Índias de onde o Bangladesh é originário), onde vive no exílio.

Sempre por trás do seu pai, Hunter Biden só ficará com os 100 milhões prometidos após a libertação de Khaleda Zia e o acesso ao Poder do BNP.

A partir de maio de 2023, o BNP contrata Hunter Biden (filho do Presidente norte-americano) através da empresa Blue Star Strategies. O acordo especifica que Hunter Biden receberá, além das taxas de lobing, US$ 100 milhões de dólares assim que o BNP volte ao poder.

Os islamistas são representados pelo Jamaat-e-Islami, fundado por Sayyid Abul Ala Maududi e Said Ramadan, representante da Confraria Egípcia dos Irmãos Muçulmanos. Eles militam contra o Estado bengali e pela ligação ao Paquistão.

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Em 10 de julho, uma marcha de protesto confrontou-se com manifestantes da Liga Awami. Em 19 de julho, os manifestantes atacaram um centro de detenção, libertaram os prisioneiros e incendiaram-no. Os tumultos que se seguiram fizeram mais de uma centena de mortos. Em 4 de agosto, novos protestos causaram 97 mortes adicionais. A Conselheira Principal, Sheikh Hasina demite-se após 650 mortes em dois meses e foge para a Índia num helicóptero militar [4].

Terceira anomalia: um regime pacífico torna-se de repente mortífero

A Sheikh Hasina jamais havia mandado atirar contra a multidão. Por que é que, repentinamente, ela derramou essa vaga de sangue? Encontramos aqui o método desenvolvido pelos Estados Unidos durante as guerras da Iugoslávia e que eu os tinha visto aplicar na Líbia e na Síria: atiradores especiais colocados nos telhados ferem ou matam, em simultâneo, polícias e manifestantes de modo a cada um veja o outro como um inimigo.

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Em 6 de agosto, Mohammad Shahabuddin, Presidente da República, dissolve o Parlamento e nomeia Muhammad Yunus Conselheiro Principal interino (Primeiro-Ministro) do Bangladesh para dirigir o governo após debates com o exército e os dirigentes dos protestos.

Quarta anomalia: um outsider torna-se conselheiro principal

Por uma “feliz coincidência”, Muhammad Yunus anunciara em junho a sua intenção de regressar à política e de governar o Bangladesh [5]. Passa-se sempre o mesmo nas revoluções coloridas: o vencedor não é nunca aquele em quem se pensa.

O banqueiro Muhammad Yunus (83 ans) tornou-se Conselheiro Principal do Bangladesh sem ter feito fosse o que fosse. Mas, ele apenas assegurará essa função enquanto espera que os Estados Unidos revelem para quem é que eles organizaram esta operação.

O economista Muhammad Yunus (Prémio Nobel da Paz 2006 pela sua prática dos microcréditos) tinha entrado em conflito com a Sheikh Hasina, que contestava ação do seu banco de microcrédito. Ele tinha transferido 100 milhões de dólares de subvenções de diversos países para uma empresa familiar para evitar pagar impostos e cobrava taxas de juros elevadas às mulheres pobres, na ordem de 21% a 37% [6].

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Yunus é um amigo pessoal dos Clinton e um doador importante da Clinton Global Initiative (CGI). Os Clinton ameaçaram a Sheikh Hasina de se oporem a um empréstimo de 1,2 mil milhões (bilhões-br) de dólares do Banco Mundial se o Bangladesh processasse Muhammad Yunus. Sem este empréstimo, a construção da ponte ferroviária sobre o rio Padma foi interrompida. Jornais, financiados pelos Estados Unidos, supostamente revelaram subornos pagos pela empresa de construção candense de pontes à Sheikh Hasina.

Esta proclamou a sua inocência e acusou Muhammad Yunus de ter urdido este complô. Ele fora então defendido pelo antigo presidente do Banco Mundial e membro do comité diretivos do Grupo Bilderberg, James Wolfensohn. O Procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), Luis Moreno Ocampo, viajou para o país com vista a proceder a inculpações. No entanto, não houve processos bengalis contra Muhammad Yunus e um tribunal canadense estabeleceu que não havia qualquer irregularidade na construção da Ponte de Padma.

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Desde a sua nomeação, Muhammad Yunus atribuíu-se 25 ministérios. Ele declarou durante a sua primeira conferência de imprensa: “Eu tomei as rédeas de um país que, bem vistas as coisas, era um verdadeiro desastre. Nos seus esforços para permanecer no poder, a ditadura (sic) da Sheikh Hasina destruiu todas as instituições do país. O sistema judicial foi estilhaçado. Os direitos democráticos foram suprimidos por uma repressão brutal que durou dez anos e meio”.

Notas

[1Controversial US visa policy for Bangladesh catches flak from India“, Ranjan Basu, Dhaka Tribune, August 20, 2023.

[3China praises Bangladesh PM Hasina for refusing to permit foreign air base“, Press Trust of India (PTI), May 28, 2024.

[5No competitive politics left in Bangladesh, says Nobel laureate Yunus“, Ruma Paul, Reuters, June 11, 2024.

[6The Micro Debt“, Tom Heinemann, January 26, 2011.

 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Thierry Meyssan

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