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Fernanda Pompeu*
A morte se anuncia quando paramos de rir. Meu pai foi um sujeito de várias risadas. Ele tinha o humor da provocação. Quando tudo soava calmo ou careta demais, ele soltava uma frase ou fazia um gesto para bagunçar o coreto. Mesmo sem ter lido o poeta Torquato Neto (1944 -1972), papai fazia acontecer os versos: Vai bicho desafinar / o coro dos contentes. Só quando a doença se apossou é que seu riso desapareceu. O fim do humor foi o sinal inequívoco de que ele estava indo.
No meu círculo de amigos, há muitos naturalmente engraçados, da estirpe que abre a boca e já estamos rindo. Divertidos na hora que contam qualquer coisa, no momento que observam pequenos e grandes fatos do mundo. No entanto, acho que a maioria das pessoas tem humor mais discreto. Semelhante ao meu. Ninguém me descreve A Fernanda é uma pessoa engraçada. Ao primeiro contato, sou do tipo sério, para evitar dizer sisuda ou casmurra.
Na medida que rola a convivência, consigo até provocar boas risadas. O que me faz pensar que passamos, de fato, a conhecer alguém quando percebemos seu humor. O primeiro riso desmonta o pé-atrás. Talvez porque o humor nos humaniza. Ele nos recorda que somos relativos, contraditórios e fundamentalmente finitos. Entre os meus sobrinhos, um deles, descaradamente o mais reservado, tem um humor fino e arguto. Pois os humores, como as piadas, têm suas classificações.
Assim, há o humor de botequim, de salão, do Congresso Nacional, de esquina, de programa de TV, de livro. Até humor de velório. Mas o mais certeiro deles, na minha observação, é o auto-humor. Rir de si mesmo é sábio, terapêutico e divertido! Pois a gente costuma praticá-lo ao reconhecer um erro. Quando nos enganamos, trocamos nomes, embaralhamos itinerários. São situações em que a culpa se torna risível.
No início deste ano, cheguei ansiosa e esbaforida para dar uma oficina de escrita. Dei de cara com o Centro Cultural fechado. O segurança se espantou Nunca abrimos às segundas-feiras! Fiz cara indignada Mas estava marcado para hoje, dia 26! O segurança Impossível, senhora! Daí resolvi conferir na programação afixada na porta. Havia me atrapalhado. Minha oficina estava agendada para o 26 do mês seguinte.
Meu corpo relaxou, o espírito desarmou: Ah, seu guarda, errei. A oficina é daqui 30 dias. Deveria ter trazido uma mochila com roupas, cobertor e escova de dentes. Voltei para pegar o carro às gargalhadas. Lembrei que a correria do dia e o trânsito insano haviam sido em vão. Que erro, Fernanda! Que história ridícula! Ótima para compartilhar.
*Colaboradora de Diálogos do Sul – Imagem: Régine Ferrandis