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Em reunião com o ministro da Justiça, representantes da CNA entregam ofício, assinado também pela FPA, solicitando suspensão de todos os processos demarcatórios iniciados a partir de 2007, inclusive, de ribeirinhos e outras comunidades rurais, mesmo em terras da União.
Por Bruno Stankevicius Bassi
Na última terça-feira (15), o ministro da Justiça, Torquato Jardim recebeu em seu gabinete representantes da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Além de defender a implementação do parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União que adota a tese do marco temporal para demarcação de terras para povos tradicionais, eles pediram a suspensão de todos os processos embasados na Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), adotada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de 2007.
Foi entregue um ofício, cujo teor não foi oficialmente divulgado no site da CNA, mas que solicita a revogação do Decreto nº 6.040/2007 que instituiu a institui a PNPCT e a suspensão dos processos demarcatórios.
O documento assinado pelo presidente da CNA, João Martins, e pela presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS), critica o critério de auto-atribuição e a definição dos territórios tradicionais como “espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais”.
Segundo as entidades, o programa dá margem a interpretações ambíguas e afronta a ordem e segurança, além de violar a garantia à propriedade privada e à dignidade humana, dando como exemplo o processo de demarcação de terras pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU) nas margens do rio São Francisco, em Minas Gerais.
O ofício esquece de relatar que os chamados “terrenos marginais” reclamados pelos fazendeiros no Norte de Minas pertencem à União, conforme artigo 20, inciso III da Constituição Federal, que declara como bens da União as áreas às margens de lagos, rios e quaisquer correntes de água que banhem mais de um Estado, como é o caso do rio São Francisco. A região é palco de conflitos entre fazendeiros e camponeses de comunidades ribeirinhas. Um levantamento da Comissão Pastoral da Terra identificou 14 conflitos no entorno do rio.
Exigem ainda que um parecer elaborado pela AGU que inviabiliza qualquer demarcações seja “cumprido” (sic).
Mauricio Saito, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul (FAMASUL), entidade filiada à CNA, pediu também ao ministro Torquato Jardim “para que o parecer da AGU seja cumprido na sua totalidade, trazendo assim aquilo que a gente busca, que é a segurança jurídica no campo”.
O parecer leva em conta decisão aplicada pelo Supremo Tribunal Federal no caso Raposa Serra do Sol e defendida vigorosamente por membros da bancada ruralista no Congresso, que fixa em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição Federal, como data para as demarcações de terras de povos tradicionais.
Segundo lideranças indígenas, na prática, o parecer inviabiliza novas demarcações de terra. Em julho, o Ministério Público Federal no Mato Grosso ajuizou ação pedindo a suspensão imediata do parecer da AGU.
O ataque da CNA e da bancada ruralista às demarcações de terras para povos tradicionais ocorre no momento em que estudos comprovam a importância desses territórios na preservação ambiental. No caso da Amazônia, 83% do desmatamento apurado entre 2001 e 2015 ocorreu fora de territórios indígenas e áreas protegidas. O esforço de preservação se justifica também do ponto de vista financeiro: pesquisadores do World Resource Institute estimaram que as florestas em terras indígenas podem render até 1 trilhão de dólares ao Brasil nos próximos 20 anos.
Palco do maior conflito indígena do país e citado pelo presidente da FAMASUL como exemplo do “tensionamento no campo”, o Mato Grosso do Sul tem 92% de seu território em terras privadas. Dessa área, 83% são latifúndios.