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Rússia: Único objetivo da "fórmula de paz" de Zelensky é prolongar conflito

Opositor terá que enfrentar outro processo por “terrorismo", o qual supõe penas ainda mais duras
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

A Arábia Saudita convocou uma reunião de dois dias na cidade de Yeda para debater a “fórmula de paz” proposta pelo presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, porém, sem convidar a outra parte do conflita armado, a Rússia. 

“Sem a participação da Rússia e sem levar em conta seus interesses, nenhuma reunião sobre a crise da Ucrânia tem o mínimo valor agregado”, apontou a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores russo, Maria Zakharova.

Agregou que Moscou “tomou nota” das consultas em Yeda, às quais assistiram seus sócios do grupo dos BRICS (Brasil, Índia, China e África do Sul) – além de 38 outros países – e espera que “compartilhem conosco suas conclusões”.

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Zakharova afirmou ainda: “não mudou nossa posição sobre a chamada ‘fórmula de paz’ de Zelensky que o regime de Kiev e o Ocidente tentam promover durante esse tipo de encontro; nenhum dos seus dez pontos pretende buscar uma solução à crise através das negociações e da diplomacia, e seu conjunto represente um inútil ultimato à Rússia, cujo único objetivo é prolongar as hostilidades”. 

Resumida, a iniciativa de Zelensky – apresentada pela primeira vez por videoconferência ante a cúpula do G20 em Bali, Indonésia, em novembro de 2022 – inclui: impor um cassar-fogo imediato e retirar de seu território todas as tropas russas; restaurar a integridade territorial da Ucrânia conforme a carta da ONU e suas fronteiras de 1991, Criméia incluída; impedir uma escalada das hostilidades; liberar todos os prisioneiros de guerra e deportados ucranianos à Rússia; assegurar a segurança nuclear, a alimentar e a energética; combater o ecocídio e a deterioração do meio ambiente; restabelecer a justiça, castigando os culpados de crimes de guerra e compensando a devastação; e confirmar o fim da guerra. 

“Sobre esta base é impossível alcançar algum acordo”, sublinhou Zakharova.

Ela sustenta que ao promover a iniciativa de Zelensky como a única possível, a Ucrânia e o Ocidente “menosprezam o importante significado das propostas de paz de outros países (uma das primeiras foi formulada pelo presidente do México, Andrés Manuel López Obrador) e monopolizam o mero direito de apresentá-las”. 

Opositor terá que enfrentar outro processo por “terrorismo", o qual supõe penas ainda mais duras

Foto: Reprodução/Twitter
Maria Zakharova: Ucrânia tem que assumir status de país neutro e desnuclearizado

Reiterou que a Rússia “está aberta a uma solução negociada” e disposta a responder a propostas “realmente sérias”. 

Na opinião da chancelaria russa, para lograr um acordo “verdadeiramente integral, sustentável e justo”, se requer que “o regime de Kiev” deponha as armas, cesse seus “ataques terroristas”, assim como seus patrocinadores ocidentais deixem de fornecer armas ao exército ucraniano. 

Ademais, a Ucrânia tem que assumir o status de país neutro e desnuclearizado e, sobretudo, aceitar o que o Kremlin denomina como “nova realidade territorial”, ou seja, a perda das regiões de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporíjia, anexadas pela Rússia.

Zakharova disse o mesmo que o porta-voz da Presidência russa, Dmitry Peskov, ao responder ao New York Times, na reportagem Putin’s Forever War (A guerra eterna de Putin) publicada nesta segunda-feira (7), segundo a qual a Rússia não tem a intenção de conquistar mais território ucraniano: “Não. Só queremos controlar as terras que estão inscritas em nossa Constituição como nossas”.

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Ao responder com um ultimato inaceitável a um ultimato semelhante contra eles, a Rússia e a Ucrânia apenas confirmam a conclusão tirada não faz muito tempo por um dos participantes mais importantes da reunião de Jeddah, o diplomata chinês Li Hui, ex-embaixador em Moscou e enviado especial do líder chinês Xi Jinping para a crise da Ucrânia, depois de visitar as capitais russa e ucraniana: nenhum dos dois está pronto para negociar a paz.

Terceiro julgamento contra Navalny concluiu com uma nova condenação, mas não a última

O opositor Alexei Navalny, que atualmente paga uma condenação de 9 anos de reclusão por “estafa” e “falta de respeito a um juiz”, terá que passar 10 anos adicionais em um centro penitenciário de segurança máxima, segundo ditou o juiz Andrei Suvorov ao considerá-lo culpado de “extremismo”.

Pelo princípio da consunção, Suvorov, juiz da Corte Urbana de Moscou, a cargo do julgamento que se levou a cabo a portas fechadas na mesma prisão, a IK-6 da região de Vladimir, onde se encontra encarcerado o opositor, decidiu que sopesando a gravidade dos delitos que figuram nas duas condenações, Navalny, de 47 anos de idade, deve estar atrás das grades em um total de 19 anos. 

Rússia julga Alexei Navalny, acusado de apologia ao nazismo e ligação com terrorismo

Como era previsível, o terceiro julgamento contra Navalny concluiu com uma nova condenação, não a última, pois logo terá que enfrentar outro processo, nesse caso por “terrorismo”, o qual supõe penas ainda mais duras. 

O juiz endossou as conclusões da promotoria nos sete delitos apresentados contra Navalny. Tipificados no código penal, o mais grave é o de haver criado uma “organização extremista”, em alusão ao Fundo de Luta contra a Corrupção (FBK, na sigla em russo), fundado em 2011 e proscrito há dois anos. 

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O FBK se converteu em algo mais molesto que uma pedra no sapato do Kremlin ao exibir os excessos e o enriquecimento inexplicável de membros da elite governante.

Navalny também foi acusado de “instar a cometer ações extremistas”, de participar em “atividades extremistas”, de fundar uma organização não governamental que afetava os interesses dos cidadãos, “financiar o extremismo”, exortar menores de idade a cometer “ações perigosas” (em referência a assistir manifestações de protesto não autorizadas) e de “reabilitar o nazismo”.

Daniel Jolodny

Detido pouco depois de Navalny ter sido acusado de “extremismo”, o outro imputado na mesma acusação, Daniel Jolodny, diretor técnico do canal Navalny Live, que era emitido no YouTube, também foi condenado no mesmo julgamento a 8 anos de reclusão em um centro penitenciário normal. 

Os membros da equipe de Navalny – considerados pelas autoridades russas “integrantes de uma comunidade extremista” – publicaram através do YouTube a alegação de um de seus colaboradores mais próximos, Ivan Zhdanov, o qual desde o exílio afirma que, nos 400 tomos da causa penal contra o opositor, não há nada que o incrimine de haver criado e dirigido uma “organização extremista”. 

“Guaidó russo”: Entenda o papel de Navalny para tirar Putin do poder a mando dos EUA

Mas mesmo se assim tivesse sido, opina, o processo deveria ser anulado pelas constante chamadas telefônicas ao juiz, antes e durante o julgamento, de acordo com o registro da companhia operadora dos celulares de Suvorov e de Denis Jvorov, funcionário do segundo departamento de defesa do regime constitucional do FSB (sigla em russo do Serviço Federal de Segurança) que, segundo eles, tentou envenenar Navalny há dois anos. 

“Não sabemos o que falaram o juiz e o funcionário do FSB, se discutiram os detalhes do julgamento ou o FSB simplesmente advertiu o juiz que se não tomasse a decisão correta algo mau lhe poderia suceder. Por exemplo, o que aconteceu com a juíza que disse para Navalny que sentia de verdade haver tido que mudar a condenação condicional por prisão efetiva (no primeiro julgamento contra ele) e meio ano depois de ditar a sentença faleceu de maneira repentina”, aponta Zhdanov em seu comentário gravado. 

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Segundo Zhdanov, se imputa a Navalny “delitos” de quando já estava atrás das grades. Em outras palavras, “foi condenado por dirigir uma organização extremista desde o cárcere, estando incomunicável”. 

Ao determinar que Navalny é um “reincidente muito perigoso”, o juiz decidiu que merece passar à história como o primeiro opositor ao Kremlin a estar recluso em uma das prisões mais severas da Rússia, construída para assassinos em série e violadores condenados à prisão perpétua, entre outros criminosos desse tipo.

Suspensão da pena de morte

Quando a Rússia aderiu à suspensão da pena de morte, abriu este tipo de centros penitenciários de segurança máxima com três níveis de restrições para os internos. O mais estrito supõe que o indivíduo aí encerrado fique completamente isolado do resto do mundo, sem televisão, rádio e acesso à internet, em uma pequena cela com um foco aceso 24 horas por dia e sem contato algum com o resto dos condenados, com uma hora e meia diária de caminhada em um pátio interior coberto, sem sol, e com direito a uma só visita por ano, conjugal ou familiar, a escolher.

Esta é a terceira condenação de Navalny. Primeiro, ao não se apresentar a firmar cada semana depois de haver sido envenenado e passar por tratamento médico em Berlim em 2020, um juiz suspendeu a condenação de liberdade condicional durante 2 anos e meio pelo chamado caso Yves Rocher (por haver aconselhado seu irmão a cobrar mais da conta pelo transporte dos produtos dessa companhia francesa) e o enviou à prisão e, em junho de 2022, entrou em vigor a atual condenação de 9 anos de reclusão por “estafa” e “falta de respeito a um juiz”. 

Os membros de sua equipe estão convencidos de que Navalny não poderá sair do cárcere enquanto o presidente Vladimir Putin, seu inimigo, estiver no Kremlin.

Juan Pablo Duch | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava


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Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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