Pesquisar
Pesquisar

Rússia: Vamos continuar avançando enquanto Otan enviar armas de longo alcance à Ucrânia

"Nossos objetivos geográficos se afastarão ainda mais da linha atual", afirmou recentemente o chanceler russo Sergei Lavrov
Pepe Escobar
Strategic Culture Foundation
Líbano

Tradução:

Passos ecoam na memória
Por caminhos que nunca tomamos
Rumo à porta que jamais abrimos
Dando para o roseiral. Ecoam assim minhas palavras
Na tua mente.
Mas para quê
Perturbando a poeira sobre um vaso de folhas de rosa.
Não sei.
T.S. Elliot, Burnt Norton

Pensem no fazendeiro polonês tirando fotos dos destroços de um míssil – mais tarde identificado como pertencente a um S-300 ucraniano. Então, um fazendeiro polonês, seus passos ecoando em nossa memória coletiva, talvez tenha salvo o mundo da Terceira Guerra Mundial – desencadeada por um complô calhorda urdido pela “inteligência” anglo-saxã.

Essa calhordice foi agravada pela tentativa ridícula de esconder o malfeito: os ucranianos estavam atirando em mísseis russos em uma direção de onde eles não poderiam estar vindo. Ou seja: a Polônia. E então o Secretário da Defesa dos Estados Unidos, o mascate de armas Lloyd “Raytheon” Austin, decretou que a Rússia, mesmo assim, era culpada porque seus vassalos de Kiev estavam atirando contra mísseis russos que não deveriam estar no ar (e não estavam). 

Podemos ver isso como o Pentágono elevando a mentira deslavada à condição de uma arte bem vagabunda.

O propósito anglo-americano, tramar essa fraude, era gerar uma “crise mundial” contra a Rússia. O plano foi desmascarado – desta vez. O que não quer dizer que os suspeitos de sempre não venham a tentar de novo. Em breve.

A principal razão é o pânico. Os serviços de inteligência do coletivo ocidental veem que Moscou, finalmente, está mobilizando seu exército – pronto para entrar em ação no próximo mês – ao mesmo tempo em que destrói a infraestrutura elétrica ucraniana como uma forma de tortura chinesa.

Assista na TV Diálogos do Sul

Aqueles dias de fevereiro em que foram enviados apenas 100.000 homens – tendo as milicias das Repúblicas Populares Donetsk e Lugansk, mais os comandos Wagner e os chechenos de Kadyrov, fazendo boa parte do serviço pesado – há muito terminaram. De modo geral, os russos e os russófonos vinham enfrentando hordas de militares ucranianos – chegando talvez a um milhão. O “milagre”, em tudo isso, foi que os russos se saíram muito bem. 

Todos os analistas militares conhecem a regra básica: uma força invasora deve ser três vezes mais numerosa que a força defensiva. O exército russo, ao início da Operação Militar Especial, correspondia a uma fração dessa regra. O efetivo das Forças Armadas russas talvez chegue a 1,3 milhões de homens. Obviamente eles poderiam ter utilizado algumas dezenas de milhares a mais que os 100.000 iniciais. Mas não usaram. Tratava-se de uma decisão política.

Pepe Escobar | Biden lança promessas a Xi. Quais razões tem a China para confiar nos EUA?

Mas a Operação Militar Especial chegou ao fim: agora estamos em território da Operação Contraterrorista. Uma sequência de ataques terroristas – tendo como alvo os Nord Streams, a Ponte da Crimeia e a Frota do Mar Negro – finalmente demonstrou a inevitabilidade de ir além de uma simples “operação militar”. 

O que nos traz à Guerra Elétrica. 


Abrindo caminho para uma Zona Desmilitarizada

A Guerra Elétrica está sendo conduzida de forma essencialmente tática – levando à uma futura imposição dos termos russos em um possível armistício (que nem os serviços de inteligência anglo-americanos nem a OTAN vassala desejam). 

Mesmo que houvesse um armistício – que já vem sendo anunciado há algumas semanas – a guerra não chegaria ao fim. Porque os termos tácitos e mais profundos da Rússia – o fim da expansão da Otan e a “indivisibilidade da segurança” – foram plenamente explicitados, tanto para Washington quanto para Bruxelas, em dezembro último, e subsequentemente descartados.

Uma vez que nada – conceitualmente – mudou desde então, somado a que a ‘armamentização’ da Ucrânia pelo Ocidente atingiu um paroxismo, a Stavka da era Putin não teve outra alternativa que não a de expandir o mandato da Operação Militar Especial inicial, que continua sendo de desnazificação e desmilitarização. Mas agora esse mandato terá que abranger Kiev e Lviv.

Do “lado errado” do tabuleiro, Kherson pode ser condição para cessar-fogo russo-ucraniano

E isso começa com a atual campanha de deseletrificação – que vai muito além do leste do Dnieper e ao longo da costa do Mar Negro, chegando até Odessa.

O que nos leva à questão fundamental do alcance e da profundidade da Guerra Elétrica, em termos de estabelecer o que viria a ser uma Zona Desmilitarizada – com uma terra de ninguém e tudo o mais – a oeste do Dnieper, para proteger as áreas russas da artilharia da Otan, dos HIMARS e dos ataques de mísseis.

"Nossos objetivos geográficos se afastarão ainda mais da linha atual", afirmou recentemente o chanceler russo Sergei Lavrov

Flickr
Sergei Lavrov: "Não podemos permitir que a Ucrânia venha a possuir armamentos que representem uma ameaça direta a nosso território"

Com que extensão? 100 quilômetros? Não basta. Melhor seriam 300 quilômetros – uma vez que Kiev já pediu artilharia com esse tipo de alcance.

O que é de importância crucial é que, ainda em julho, isso já vinha sendo discutido em Moscou nos níveis mais altos da Stavka.

Em uma longa entrevista de julho, o chanceler Sergei Lavrov entregou – diplomaticamente – o jogo:

“Esse processo continua, de forma consistente e persistente. E continuará enquanto o Ocidente, em sua ira impotente, desesperado para agravar a situação ao máximo, insiste em inundar a Ucrânia com uma quantidade cada vez maior de armas de longo alcance. Os HIMARS, por exemplo. O Ministro da Defesa Alexey Reznikov se gaba de já ter recebido munição de 300 quilômetros. O que significa que nossos objetivos geográficos se afastarão ainda mais da linha atual. Não podemos permitir que a parte da Ucrânia a ser controlada por Vladimir Zelensky, ou quem vier a substituí-lo, venha a possuir armamentos que representem uma ameaça direta a nosso território ou às repúblicas que declararam independência e querem determinar seu próprio futuro”.

As implicações são claras.

Por mais que Washington e a Otan estejam cada vez mais “desesperadas para agravar a situação ao máximo” (esse é o Plano A: não há Plano B), em termos geoeconômicos, os americanos vêm intensificando o Novo Grande Jogo: o desespero, aqui, se aplica a tentar controlar os corredores de energia e determinar seus preços.

A Rússia permanece impávida – ao mesmo tempo em que continua a investir no Gasodutistão (em direção à Ásia), a solidificar o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (CITNS) multimodal, juntamente com parceiros importantes como Índia e Irã, e vem determinando o preço da energia por meio da OPEC+.


O paraíso dos oligarcas saqueadores 

Os straussianos/neocons e neoliberais-cons que lotam o aparato de intel/segurança – vírus transformados em armamentos – não irão ceder. Eles, simplesmente, não podem se dar ao luxo de perder mais uma guerra da Otan – e, além de tudo, uma guerra contra a Rússia, a “ameaça existencial”.

Países fazem fila para aderir ao Brics rumo a moeda global contra supremacia do dólar

Como as notícias dos campos de batalha ucranianos prometem ser ainda mais funestas sob o General Inverno, pode-se, pelo menos, encontrar consolo na esfera cultural. A farsa da Transição Verde, temperada, em uma tóxica salada mista, com o ethos eugenista do Vale do Silício, continua a ser o acompanhamento servido com o prato principal: a “Grande Narrativa” de Davos”, anteriormente a Grande Reinicialização, que, mais uma vez, ergueu sua feia cabeça no G20 de Bali. 

O que se traduz como tudo indo muito bem no que se refere ao projeto de Destruição da Europa. Desindustrializem-se e sejam felizes, dancem a dança do arco-íris ao som de qualquer melodia politicamente correta atualmente em voga, e congelem e queimem lenha enquanto abençoam os “renováveis” no altar dos valores europeus. 

Uma breve recapitulação para contextualizar o ponto em que nos encontramos é sempre útil. 

A Ucrânia foi parte da Rússia por quase quatro séculos. A ideia de sua independência foi inventada na Áustria, durante a Primeira Guerra Mundial, com o fim de enfraquecer o Exército Russo – o que certamente aconteceu. A atual “independência” foi montada para que os oligarcas trotskistas locais pudessem saquear o país quando o governo alinhado à Rússia estava prestes a agir contra esses oligarcas.

Adeus Império? Encontro entre Scholz e Xi pode guardar aliança Rússia-China-Alemanha

O golpe de 2014 em Kiev, essencialmente, foi montado por Zbig “Grande Tabuleiro” Brzezinski, para atrair a Rússia a uma nova guerra partisan – como no Afeganistão – e foi seguido por ordens vindas das haciendas petrolíferas do Golfo para derrubar os preços do petróleo. Moscou tinha que proteger os russófonos da Crimeia e do Donbass – o que levou a ainda mais sanções ocidentais. Foi tudo planejado. 

Por oito anos, Moscou se recusou a enviar seus exércitos até mesmo ao Donbass a leste do Dnieper (historicamente parte da Mãe Rússia). A razão: não se deixar atolar em uma outra guerra partisan. O restante da Ucrânia, enquanto isso, vinha sendo saqueado por oligarcas apoiados pelo Ocidente e mergulhados em um buraco negro financeiro.

O coletivo ocidental optou deliberadamente por não financiar o buraco negro. A maior parte das injeções do FMI foram simplesmente roubadas pelos oligarcas e a pilhagem transferida para fora do país. Esses oligarcas saqueadores, é claro, eram “protegidos” pelos suspeitos de sempre. 

É sempre de importância crucial lembrarmo-nos que, entre 1991 e 1999, o equivalente a toda a riqueza familiar da Rússia foi roubada e transferida para o exterior, a maior parte para Londres. Agora, os suspeitos de sempre vêm tentando arruinar a Rússia com sanções, desde que o “Novo Hitler” Putin pôs fim ao saque.

Lula: o potencial líder do Sul Global na provável mais crucial década desde a 2ª Guerra Mundial

A diferença é que seu plano de usar a Ucrânia como nada além de um peão em seu jogo não está dando certo.

No terreno, o que vem acontecendo até agora são, na maior parte, escaramuças, e poucas batalhas reais. Mas com Moscou arrebanhando novas tropas para uma ofensiva a ser lançada no inverno, é possível que o exército ucraniano termine completamente derrotado. 

A Rússia não se deu tão mal, levando-se em conta a eficácia de seus ataques de artilharia ‘máquina de moer’ contra as posições fortificadas ucranianas, e os recentes recuos planejados, ou guerra posicional, mantendo as baixas em um mínimo, ao mesmo tempo em que esmagavam o minguante poder de fogo ucraniano. 

O coletivo ocidental acredita que têm em mãos o trunfo bélico na guerra por procuração. A Rússia aposta na realidade, onde os trunfos econômicos são alimentos, energia, recursos, segurança de recursos e uma economia estável.

Enquanto isso, como se já não bastasse a pirâmide de provações causadas pelo suicídio energético da União Europeia, ela agora, com toda a certeza, pode esperar ao menos 15 milhões de ucranianos desesperados batendo a suas portas, depois de escapar de cidades com zero de energia elétrica.

China lança a proposta: modernização pacífica e soberania. A escolha cabe ao Sul Global

A estação ferroviária na Kherson temporariamente ocupada é um exemplo da maior clareza: as pessoas ficam vindo a toda a hora para se aquecer e recarregar seus smartphones. A cidade não tem eletricidade, nem aquecimento, nem água. 

As táticas atualmente empregadas pela Rússia são o exato oposto da teoria militar da força concentrada desenvolvida por Napoleão. É por essa razão que a Rússia vem acumulando significativas vantagens e, ao mesmo tempo, “perturbando a poeira sobre um vaso de folhas de rosa”. 

E, é claro, “nós ainda nem começamos”.

Pepe Escobar | Strategic Culture Foundation


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na TV Diálogos do Sul


Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Pepe Escobar Pepe Escobar é um jornalista investigativo independente brasileiro, especialista em análises geopolíticas e Oriente Médio.

LEIA tAMBÉM

Com Trump, EUA vão retomar política de pressão máxima contra Cuba, diz analista político
Com Trump, EUA vão retomar política de "pressão máxima" contra Cuba, diz analista político
Trump quer desmontar Estado para enriquecer setor privado; Musk é o maior beneficiado
Trump quer desmontar Estado para enriquecer setor privado dos EUA; maior beneficiado é Musk
Modelo falido polarização geopolítica e omissão de potências condenam G20 ao fracasso (2)
Modelo falido: polarização geopolítica e omissão de potências condenam G20 ao fracasso
Rússia Uso de minas antipessoais e mísseis Atacms é manobra dos EUA para prolongar conflito
Rússia: Uso de minas antipessoais e mísseis Atacms é manobra dos EUA para prolongar conflito