Há alguns dias, o ministro de Assuntos Exteriores espanhol, Josep Borrell, assegurou que o colonialismo das Américas foi construído a partir de uma lenda negra e com base em fake news, e chegou a qualificar a conquista de guerra civil entre indígenas. Segundo Borrell, o processo de colonização foi positivo pelo fato de ter permitido que se criassem sociedades mestiças.
O ministro espanhol deveria acudir, por exemplo, ao frei Bartolomé de las Casas quando relatava em relação com a matança do Templo Maior: E começam com as espadas desnudas a abrir aqueles corpos desnudos e delicados e a derramar aquele generoso sangue, que um não deixaram com vida. Os conquistadores, depois de autorizar uma festividade religiosa mexica em Tenochtitlán, fecharam as saídas do Templo Maior causando a morte de um número indeterminado de indígenas.
O genocídio contra as populações aborígenes das Américas foi, seguramente, a maior atrocidade da história em termos demográficos. Assumindo as estimativas mais conservadoras sobre a população anterior à colonização, pode-se afirmar que mais de 80 por cento dos indígenas morreram como consequência da violência dos colonizadores ou das doenças que introduziram, como varíola, sarampo ou cólera.
Para alguns setores do nacionalismo espanhol, incluído o governo socialista do qual forma parte o senhor Borrell, mostrar-se crítico com as façanhas hispanas é sinônimo de ser mal patriota. Assim, se tem pretendido historicamente defender um relato segundo o qual os aborígenes ganharam muito com a presença hispana, minimizando assim o genocídio que foi cometido nas Américas com o processo de colonização.
É evidente que temos uma fatura pendente com os descendentes das populações aborígenes. A carta do presidente Andrés Manuel López Obrador supunha uma oportunidade para reabrir um debate necessário que o governo espanhol não quis aproveitar, demonstrando uma mentalidade supremacista e profundamente inquietante.
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Na Catalunha, a proposta do presidente do México foi recebida de forma muito diferente. Há alguns dias, o Parlamento da Catalunha aprovou o oferecimento de desculpas formais e a condenação do colonialismo e do escravismo nas Américas, assim como assumir as responsabilidades morais derivadas. Seria ingênuo tratar de derivar à coroa de Castela a parte de responsabilidade que afeta a Catalunha, porque devemos admitir que os catalães não estiveram absolutamente afastados dos abusos cometidos ou amparados contra as populações indígenas. De fato, um dos capitães da conquista do México foi o catalão Joan de Grau i Ribó, o que torna a vinculação evidente.
O nível democrático de uma sociedade é medido, entre outros aspectos, pela capacidade de analisar seu passado. Em 2008, o Canadá e a Austrália se desculparam pelos abusos cometidos contra as populações aborígenes. Itália também o fez diante da Líbia pelo período colonial da primeira metade do século XX. Em 2013, Holanda desculpou-se oficialmente pelas execuções na Indonésia durante a descolonização da década dos anos 1940. Por que é impossível para a Espanha?
Saldar contas com o passado é um sinal de maturidade democrática, permite olhar-se no espelho e tomar consciência dos erros e horrores cometidos no passado. Para o ministro Borrell resulta extemporâneo e fora de lugar; talvez devesse acudir a Rigoberta Menchú quando assegurava que o desprezo e a exploração dos povos indígenas não é nada do passado, mas sim algo presente e frequentemente silenciado.
A Catalunha começou a fazer este exercício de reparação, pois o país que queremos não pode ser construído a partir de posições de superioridade nem da exploração de outros povos. A Catalunha não é menos que nenhuma outra nação, mas tampouco mais. Assim pois, a revisão crítica de nosso passado nos ajuda a ser um país melhor. A capacidade de assumir nossos próprios erros, por longínquos que sejam, nos permite enfocar o futuro de uma forma diferente. Façamo-lo.
* Ministro de Ação Exterior do governo da Catalunha
Tradução: Beatriz Cannabrava