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João Baptista Pimentel Neto*
Para os verdadeiros brasileiros – os originais e originários – com certeza o maior escândalo da semana nada tem a ver com os supostos mal feitos que estariam acontecendo na Petrobras, nem tampouco com os também supostos mal feitos praticados na gestão do Mêtro e na Sabesp em São Paulo.
O escândalo não está também relacionado às quase surreais decisões do STF que, após mais de 20 anos de tramitação, absolveu o ex-presidente – e atual Senador da República, Fernando Collor de Melo “Caçador de Marajás”, ou de remeter à primeira instância o – primeiro – julgamento do Mensalão Tucano, encancarando que a “sagrada” balança utilizada pelos nossos Supremos Juízes necessita, urgentemente, passar por rigorosa aferição.
Não, caros amigos e leitores, o fato também não diz respeito a tal Operação Lava Jato – que aliás só existe por conta de várias outras operações e CPIs anteriores, em especial, a CPI do Banestado, que acabou em pizzas, generosamente fatiadas, distribuídas e degustadas por zelosos parlamentares, muitos dos quais continuam liderando bancadas que sabidamente representam interesses pouco republicanos e nada ideológicos. E que certamente, neste exato momento, já providenciaram seus pratos e talheres, para uma nova rodada gastrônomica.
E pasmem. O tal escandalo – que apesar de conter dimensões mundiais – também não guarda qualquer relação com os imensos prejuízos que todos nós brasileiros teremos que pagar por conta da desavergonhada farra em que se transformou a realização da tão sonhada Copa do Mundo no País do Futebol.
Não, amigos e leitores. Talvez, e infelizmente, este escandalo só possa ser comparado aos referentes ao terrorismo de Estado que diariamente é praticado por nossas Polícias Militares contra a maioria da população brasileira. Maioria que, apesar dos avanços “conquistados” durante os oito anos do governo de Luís Ignácio, é formada pela população pobre, preta e parda, que vive ou tenta sobreviver, nas cada vez maiores e menos dignamente habitáveis periferias das grandes cidades ou nas regiões metropolitanas deste nosso imenso país.
Regiões en que se vive hoje – não adianta tentar tapar o sol com a peneira – uma verdadeira guerra civil, na qual as abomináveis praticas desenvolvidas e aprimoradas por agentes do Estado durante os anos de chumbo, são a cada dia mais corriqueiras e, tantas, que começam a consolidar convicções de que são naturais e necessárias à manutenção do estado de bem estar social da população brasileira, que acuada acaba tratando como heróis, criminosos da pior estirpe. Criminosos que sabem que continuarão impunes, a exemplo do que ocorreu com seus iguais, que anistiados foram pelo pacto imposto pelos militares à sociedade brasileira.
Pois é amigos. Fazer o que né? mas o maior escandalo da semana foi patrocinado pela velha e buena – pero no mucho – Igreja Católica Apostólica Romana, justamente num momento em que “sob nova direção” do carismático Papa Franscisco I, parecia ter decidido finalmente, colocar infra e extra muros, zelar e praticar os maravilhosos ensinamentos de Cristo.
Assim neste novo contexto, confesso que a notícia e o acontecimento, caiu como um balde de água fria. Ou melhor de água geladíssima, provocando em minha alma-coração um misto de desesperança e indignação que nunca tinha experimentado anteriormente.
Sei que alguns – aliás, certamente a maioria – não compartilharão destes meus sentimentos, nem tampouco concordarão ou darão apoio a minha indignação. E que estas linhas não comoverão ou causarão qualquer mudança comportamental quanto à importância dispensada ao tema por nossos governantes e as elites que comandam hoje os destinos do nosso processo “civilizatório”. Mas mesmo assim, e mesmo que a título de desabafo, resolvi escrever e tornar pública minha indignação
E assim espero que aqueles que me leem reflitam e me respondam se é ou não imensamente escadaloso o fato de que na mesma semana em que o calendário cívico e escolar registra a “comemoração do Dia do Índio e dos Povos Indígenas do Brasil, nossa Santa Madre Igreja tenha decidido realizar a cerimônia de canonização do Jesuíta Joséph de Anchieta, transformando-o e informando ao mundo inteiro ser ele mais um Santo Brasileiro.
Será que não avisaram ao Franscisco de que mentir é pecado?
Parece que não, já que por falta de uma, foram duas as mentiras contadas pela Santa Sé. Uma das quais não passa de uma mentirinha perdoaável e até mesmo, com certa boa vontade, justificável, já que o tal Anchieta, apesar de ter residido e morrido aqui no Brasil por um longo período – o mais ativo -, não é brasileiro, aliás, nem ao menos português, mas espanhol nascido nas Ilhas Canárias. Mas, tudo bem, estou certo de que para alegria e satisfação da Santa Sé e das elites brasileiras, esta mentirinha Deus perdoa.
A segunda é mais complicada, já que à luz da verdade histórica e das próprias regras exigidas pelo Código Canônico, Frei Joseph, nunca foi, nem sería um santo, já que para que isso ocorra a Santa Madre Igreja tería que excluir dentre os dez mandamentos vários pecados, em especial, aquele que diz: Não matarás!
Queria entender como um réu confesso como Anchieta pode virar da noite para o dia, sem que comprove, por ele ou através dele, a realização de qualquer milagre, pode ser chamado de Santo.
Será que Franscisco não leu as obras do Padre Joseph de Anchieta?
Se não leu, deveria te-lo feito, pois encontraria uma vasta documentação dos crimes e pecados cometidos e apoiados pelo novo Santo do Pau Oco. E como a agenda de Papa não é moleza, indico a Franscisco a leitura de apenas uma das mais cortejadas obras. Um poema heróico denominado De Gestis Mendi de Saa, de autoria do Padre Joseph de Anchieta, S.J. – o Apóstolo do Brasil. Aliás, para facilitar ainda mais a vida do nosso querido Papa, desde já lhe súplico que leia e reflita atentamente acerca do signifado de uma única frase do referido poema.
Dedicado a exaltar as gloriosas – e sanguinárias – campanhas lideradas pelo demoníaco Governador Mem de Sá, que resultou no extermínio de milhares de “selvagens” e logicamente na expoliação de suas terras e saque de suas riquezas, mais do que escrever, Anchieta, ao referir-se aos nossos índios, pontifícou:
“Para este gênero de gente não há melhor pregação do que a espada e a vara de ferro.”
Ou trocando em míudos, matem quantos índios quiserem, Sintam-se todos previamente perdoados, afinal, matar indío nem é pecado. Especialmente se em nome e para glória de Deus, pagando-se ainda o devido tributo a sua representante nesta terra, nossa Santa Madre Igreja.
Diante disso, me digam, este tal de Anchieta foi mesmo um santo?
Que pena Franscico, esperava mais. Juro, esperava muito mais de você!
Mas, como diz o ditado, nada é tão ruim que com jeitinho a gente não possa piorar ainda mais né…
Para agravar ainda mais este monumental, escandaloso e imperdoável “equívoco” cometido pela Igreja de Roma contra os povos originários do Brasil e das Américas, ha no Sul do Brasil, um verdadeiro santo canonizado pelo povo, São Sepé Tiarajú, indígena guarani, tem cidade com seu nome e estátua e é motivo de peregrinação de fieis, nativos e brancos, que lhe rezam e pedem milagres. Elevado a santo pelo povo em reconhecimento a sua luta heroica contra espanhóis e portugueses que resolveram destruir os Sete Povos das Missões, primeiras experiencia comunista e cristã em Nossa America.
Choca quando se constata que a canonização de Anchieta foi efusivamente comemorada e elogiada pela unanimidade da mídia e das elites políticas, sociais, econômicas, religiosas e, até mesmo por intelectuais, e o meio artístico e cultural, sem que houvesse qualquer menção ao Santo do Povo, indígena esquecido até no Día do Índio. Os peregrinos buscam a São Sepé Tiarajú. Nunca um peregrino buscou Anchieta.
O único milagre do Santo Anchieta foi ter conseguido que seus sábios ensinamentos continuem até hoje norteando o processo “civilizatório” que prossegue tendo como um dos alicerces fundamentais o contínuo e implacável processo de expoliação e saque das poucas e ainda remanescentes terras indígensas e no genocídio deste “gênero de gente” que só serve para criar problemas e atravancar o “progresso”, como já rezava Anchieta.
* João Baptista Pimentel Neto é jornalista e secretário de redação da Diálogos do Sul