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Sem buscar causas profundas do coronavírus, mídia foca no derretimento da economia global

Passamos a dar mais importância às consequências do que às causas concretas que geraram a tragédia do vírus
Flávio Tavares
Diálogos do Sul
São Paulo

Tradução:

O fantasma que percorre o planeta como aflita maldição semeando pânico, tem nome, cara e origem, mas fazemos de conta que surgiu do nada, como inesperada surpresa.

Em 1920, a “gripe espanhola” matou mais de um milhão de pessoas mundo afora e, no Brasil, vitimou até o presidente da República recém eleito e antes da posse. Num tempo em que não havia antibióticos nem os recursos atuais da medicina eletrônica, a ciência buscou e localizou as causas da tragédia, gerada na Europa pela pestilência dos insepultos cadáveres da Grande Guerra de 1914-18.

Agora, quando a ciência avançou e superou atrasadas crendices, passamos a dar mais importância às consequências do que às causas concretas que geraram a tragédia do coronavírus.

Mais estranho ainda – imprensa, rádio e televisão analisam mais do que tudo as consequências econômico-financeiras provocadas pelo pânico do vírus. A queda nas bolsas de valores ou no PIB têm prioridade sobre as causas e origens prováveis da epidemia, como se a tragédia atual fosse assunto restrito aos cifrões das estatísticas financeiras, não um problema de saúde e vida.

Não se fala em localizar as origens do novo horror epidêmico e, assim, alertar para que o fenômeno não se repita em ciclos.

Passamos a dar mais importância às consequências do que às causas concretas que geraram a tragédia do vírus

KELVIN CHNG
Não se fala em localizar as origens do novo horror epidêmico e, assim, alertar para que o fenômeno não se repita em ciclos.

De onde, porque e até quando

Nada surge das nuvens, como chuva. Não por acaso, o coronavírus só podia ter nascido na China, que desprezou a natureza para se industrializar e alimentar uma população que, antes, padecia fome. Os chineses optaram por uma falsa visão de progresso e ao inverter a ordem natural, colocaram o dinheiro (ou a subsistência) do dia a dia acima da saúde e da vida em si.

Nos últimos anos, a China percebeu o erro e buscou energias limpas. Primeiro, evitaram explorar carvão mineral, que cobrira de cinzas campos e cidades. Em centros urbanos, como Pequim, ou em vilarejos, é comum sair às ruas com máscaras de proteção, como as usadas hoje em Yunan, matriz do coronavírus.

A soma das consequências, porém, já havia iniciado o processo pernicioso que gerou o vírus, que nos amedronta como fantasma em pleno século XXI, em que pensávamos “saber tudo de tudo”. Havíamos esquecido, porém, que toda epidemia é consequência da degradação do meio ambiente pela sujeira profunda, seja de que tipo for. Começa no lixo caseiro, aumenta no desleixo das indústrias e da mineração e chega aos agrotóxicos que consumimos nos alimentos. Na moderna sociedade de consumo, em nome do “conforto”, a degradação está no ar, nas águas ou terras e nos assalta no lar, mas agimos e atuamos como quem não se banhe e use perfume francês para iludir o fedor.

Desvio de foco

No pânico atual, desviamos o foco de atenção e, sem buscar as causas profundas da tragédia, damos atenção a seu significado na queda das bolsas de valores ou do PIB. Abandonamos o essencial – alertar para as causas concretas que geraram o vírus – e valorizamos as consequências econômico-financeiras, algo paralelo que não combate nem evita a tragédia.

Esquecemos, até, o óbvio: higiene não gera doenças, muito menos pestes de tipo medieval, como agora. Fora disso, tudo se limitará a usar máscaras para disfarçar a insensatez de ignorar as causas do horror. 

As máscaras de hoje na cidade-matriz do vírus, na China, nem sequer mascaram a tragédia.

Desatenção

A desatenção à essência do que sejam as causas vai além do novo vírus. Está, também, noutros dramas diários. Neste verão, por exemplo, vem diminuindo a areia das praias de Guarujá, Ilha Bela e outras, com o mar avançando sobre o que, antes, era o descanso dos banhistas. No Nordeste, “resolveram” o problema com diques de areia, que em poucos anos o mar vai tragar, de novo.

Não se viu a causa – o aquecimento global – em que o gelo do Ártico e da Antártida se derrete e eleva o volume dos oceanos. Sabe-se do fenômeno há décadas, mas cada um de nós nada faz e nos contentamos em anunciar o horror.

O extravagante desperta sempre atenção e – se não nos cuidarmos – talvez o aplaudamos, até discordando. Quem leve elefantes à Avenida Paulista ouvirá palavrões, mas também mil gracejos que, da ironia, passam à admiração. Ou, até, ao aplauso, pois  o estranho e despropositado tem adeptos fanáticos.

Brasil inusitado

O Brasil está cheio de amantes do inusitado inconsequente. Agora, Jair Bolsonaro acusou o Congresso por “impedi-lo de levar adiante” algumas medidas que ele julga “importantes”. Ao enumerá-las, anunciou só trivialidades sem maior ingerência no desenvolvimento do país, como a validade da carta de motorista por 10 anos. Mas nada disse das “milícias” que dominam o Rio de Janeiro pela violência e a chantagem e, até, chamou de “herói” o “chefão miliciano” Adriano da Nóbrega, suspeito de participar do assassinato da vereadora Marielle.

Novos vírus pululam por aqui, às vezes com coroas, até.

Flávio Tavares é jornalista, escritor, professor universitário aposentado da UNB e colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Flávio Tavares Jornalista e escritor, professor da Universidade de Brasília, Prêmio Jabuti de Literatura em 2000 e 2005, Prêmio APCA em 2004

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