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Pressa é inimiga da perfeição: especialistas alertam sobre riscos na corrida pela vacina

A etapa final do desenvolvimento é um momento crucial no processo, quando a aplicação em milhares de voluntários averiguará a eficácia do produto
Deborah Moreira
SEESP / Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo
São Paulo (SP)

Tradução:

O governo federal e administrações estaduais firmaram acordos com cinco grandes laboratórios internacionais para a realização da fase 3 dos testes clínicos de imunização. A etapa final do desenvolvimento das vacinas é um momento crucial no processo, quando a aplicação em milhares de voluntários, e o seu acompanhamento, averiguará a eficácia do produto.

“É chave para declarar que uma vacina está pronta. É quando se avaliam a segurança biológica e os níveis de toxicidade, se ela previne a infecção, num conjunto maior de pessoas. Especificamente, observa-se se há ocorrência de fenômenos como de indução de doença respiratória aguda, se ocorre a amplificação de infecções”, detalha o biólogo Miguel Garay-Malpartida, professor da Universidade de São Paulo (USP). Esse estágio, explica ele, costuma levar entre um e três anos, embora haja anúncios de possibilidade de imunização já no início de 2021.

Kenneth Carleton Frazier, presidente e CEO da farmacêutica Merck, em alerta contra a pressa pela prevenção da Covid-19, declarou ao portal de notícias da Universidade de Harvard, que a vacina produzida em tempo mais curto pela companhia foi a contra caxumba, o que levou quatro anos. Para desenvolver a imunização contra o Ebola, foram necessários cinco anos e meio.

A etapa final do desenvolvimento é um momento crucial no processo, quando a aplicação em milhares de voluntários averiguará a eficácia do produto

Reprodução: pixnio
Especialistas alertam para o risco à saúde da população caso a pressa prevaleça sobre o rigor científico necessário

Segundo o executivo, o processo é demorado porque requer rigorosa avaliação científica. “Há muitos exemplos de vacinas no passado que estimularam o sistema imunológico, mas não conferiram proteção. Além disso, infelizmente, há alguns casos em que ajudaram o vírus a invadir a célula, porque a vacina estava incompleta em termos de suas propriedades imunogênicas. Temos que ter muito cuidado.”

O alerta não significa que o vírus geneticamente modificado, usado nas vacinas, cause infecções nas pessoas. O professor da USP explica: “Caso não se respeite o tempo necessário para garantir os padrões de segurança, pode ocorrer um fenômeno conhecido como Infecção Dependente de Anticorpos [ADE na sigla em inglês, Antibody-Dependent Enhancement], quando ocorre uma ligação inespecífica dos vírus com os anticorpos produzidos em resposta à vacina injetada, aumentando o número de vírus dentro das células hospedeiras destinadas, inicialmente, a combatê-los, o que compromete o desenvolvimento do fármaco.”Kenneth Carleton Frazier, CEO da Merck / Foto: Reprodução Youtube 

Segundo Malpartida, esse fenômeno já ocorreu com algumas vacinas, como para um tipo de coronavírus, o RSV (causador de infecção viral do sistema respiratório), e para dengue. Elas chegaram a ser comercializadas, mas tiveram seu uso suspenso. “Assim como muitos medicamentos, as vacinas também são comercializadas nas fases 3 e 4, que são da logística. Felizmente, no Brasil, a da dengue, por exemplo, que estava nessas fases, não foi incorporada ao SUS [Sistema Único de Saúde], justamente pela falta de segurança detectada pelo controle da vigilância sanitária, além do preço alto. Cada dose custava R$ 300,00. O controle social nesse caso é fundamental. Só estava disponível em laboratórios privados”, completa o biólogo.

Conforme ele, no caso específico da Covid-19, é preciso levar em conta o desconhecimento sobre o Sars-Cov-2, que ainda é grande. “Apesar do sequenciamento genético completo realizado em vários países, ainda não sabemos das diversas formas de interação que o vírus pode ter com receptores celulares, além do descrito ECA2, e como, de fato, infecta as células de outros tecidos, além dos pneumócitos dos pulmões”, destaca Malpartida.

Etapas

As vacinas estimulam o sistema imunológico, ativando uma resposta imune específica (ou adquirida), tanto de natureza celular (eliminando células infectadas) quanto humoral (extracelular, usando proteínas), produzindo anticorpos neutralizantes contra o vírus, evitando sua ligação às células-alvo.

Podem ser desenvolvidas de diversas maneiras, conhecidas como plataformas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 166 vacinas contra Sars-Cov-2 estão em desenvolvimento em universidades e empresas. Dessas, oito estão em estágio mais avançado, em quatro plataformas diferentes.

Antes da terceira fase, em andamento hoje no Brasil, existe um longo protocolo que foi cumprido. De maneira geral, as vacinas possuem três etapas: pré-clínica, clínica e logística. Na primeira, que pode levar dez anos ou mais, dependendo de quanto durarem os estudos denominados exploratórios de pesquisa e desenvolvimento, ocorre a seleção, desenho e validação do tipo de plataforma que será desenvolvida, com testes in vitro e em animais.

Os melhores resultados são levados para a etapa clínica, dividida em três fases com duração entre um e três anos cada.Ilustração: The Conversation 

Na fase 1, avalia-se a segurança em humanos, como toxicidade e efeitos colaterais, bem como tempo de estímulo e eficácia, com testes em até 100 voluntários. Na 2, novamente a segurança em humanos, em um conjunto maior de pessoas. Geralmente os testes ocorrem em até mil voluntários. Na fase 3, os testes geralmente são feitos com pelo menos 10 mil pessoas, de diferentes grupos populacionais e faixas etárias. Isso gera um leque maior de informações, como o efeito conforme a faixa etária e existência de doenças crônicas, indivíduos vacinados, para promover a imunidade de rebanho (coletiva) e a avaliação da ocorrência de fenômenos inespecíficos como a ADE.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Deborah Moreira

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