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Sede autoritária de poder: até onde militares apoiarão Bolsonaro ou o golpe dentro do golpe

O ativismo militar para eleger o Capitão Jair Messias Bolsonaro e garantir seu governo escancarou a fragilidade da democracia brasileira
Manuel Domingos Neto
A Terra é Redonda
Brasília (DF)

Tradução:

Alguns passam a perguntar: até quando o militar apoiará o Presidente? Outros querem saber se o militar ampararia o sonho de Bolsonaro de fechar o Supremo e o Congresso. Há ainda quem, com propriedade, indague se um possível golpe militar descartaria Bolsonaro

O ativismo militar para eleger Bolsonaro e garantir seu governo escancarou a fragilidade da democracia brasileira. Um dia, esse ativismo será descrito pormenorizadamente como exemplificação de nossa endêmica corrupção institucional. Hoje, para os que amam a liberdade, o mais premente é captar a relação estabelecida entre o militar e a presidência.

Por “militar”, entenda-se o conjunto de integrantes diretos e agregados dos aparelhos de força do Estado. Esse conjunto de extraordinária capilaridade hegemonizado pelo Exército é por vezes designado como “família militar”, expressão que, por si, arranha a distinção entre o público e o privado. Não cabe ao Estado sustentar irmandades armadas. A maioria dessa família é composta por reservistas e reformados. Estes são os grandes atores no quadro político atual. Todos olham temerosos (ou esperançosos) para os que estão de armas na mão ou exercem cargos governamentais. Enquanto isso, os de pijama atuam desabridos: são milhões agindo freneticamente nas redes sociais tentando convencer a si mesmos e a todos da sacralidade da missão de enterrar a esquerda bandida, derrotar o chinês perverso e exaltar Bolsonaro. Sem essa militância abnegada, seria difícil Bolsonaro manter a aceitação indicada pelas pesquisas.

O ativismo militar para eleger o Capitão Jair Messias Bolsonaro e garantir seu governo escancarou a fragilidade da democracia brasileira

Imagem_Elyeser Szturm
“A força bruta, quando não é governada pela razão, desmorona sob o seu próprio peso”

Alguns paisanos torceram para que o militar garantisse “racionalidade” ao governo e amargaram decepções. O Presidente comete crimes de responsabilidade aos borbotões, agride a ciência, o bom senso e a civilidade; ofende juízes, parlamentares, governadores e jornalistas; alimenta a idiotia coletiva e prepara o caos contando com uma rede disseminadora de mentiras. As instituições não o contém, a oposição não mostra força e o militar não o domina. Alguns passam a perguntar: até quando o militar apoiará o Presidente? Outros querem saber se o militar ampararia o sonho de Bolsonaro de fechar o Supremo e o Congresso. Há ainda quem, com propriedade, indague se um possível golpe militar descartaria Bolsonaro.

Declarações de autoridades militares jurando fidelidade à Carta aprofundam a angústia cidadã. Os que detêm conhecimento histórico básico sabem da falsidade de tais juramentos. O militar é formado e organizado para cumprir missões por cima de pau e de pedra. Para efeito, não hesitam em engodar e tramar ardilosamente. Soldado que não aprende a dissimular e camuflar não chega ao posto de cabo. Hoje, o militar não teria motivos nem poderia abandonar sua cria. Ao contrário, tem mil razões para defender e proteger o governo Bolsonaro.

À sua maneira, o presidente cumpre o papel esperado pelo militar: garantir que a América do Sul não saia da órbita da potência hegemônica, anular a projeção mundial obtida nos governos democráticos, conter a superação das iniquidades do legado colonial escravagista, impedir mudanças culturais libertárias, franquear amistosamente as riquezas nacionais aos homens de negócios escusos, inclusive aquelas riquezas que estão sob os pés de povos originários.

Advindo um quadro de descontrole, Bolsonaro poderia deixar de ser funcional e tornar-se-ia descartável. Golpes dentro de golpes são rotineiros. Mas, no ambiente atual, não há motivos para que o militar abandone Bolsonaro, inclusive porque a “esquerda”, atordoada e na defensiva, poderia, quem sabe, dar a volta por cima. Pensa o militar: essa gente vil e criminosa, encarnação do mal, trancaria o cofre, perseguiria e cobraria pelo que fiz e pelo que deixei de fazer. Além disso, há o risco de descontrole das fileiras. Segmentos ou frações da “família militar” ficariam aborrecidos e trincariam a unidade, quem sabe, iniciando a guerra civil. Há paramilitares incentivados, protegidos e galvanizados pelo “Mito”. Sincronizados com a militância religiosa fundamentalista, os milicianos agiriam como feras incontroláveis.

Abandonando Bolsonaro em plena crise, depois ter preparado sua cadeira, o militar poria em risco o sistemático esforço que lhe garantiu o retorno ao mando por vias transversas. No mais, o Grande Irmão do Norte teria seu planejamento guerreiro prejudicado; seria levado a refazer seus projetos para a América do Sul.

Não seria fácil operar a “renúncia” de Bolsonaro, mesmo garantindo que não seja preso com seus filhos e que lhes seja permitido um exílio na Hungria: o homem é imprevisível e pode desrespeitar a “omertà”, a exemplo de Sérgio Moro. Contando o que sabe, Bolsonaro implodiria de vez autoproclamados salvadores da pátria.

Tirar Bolsonaro da cadeira presidencial seria bem mais complicado do que a sofisticada operação para elegê-lo. Substituí-lo por Mourão… Esse general endossa a agenda governamental e encarna o retrocesso agressivo. Teria o apoio dos homens de negócios escusos. Não se cansa de cortejá-los. Mas não incendeia corações, o pobre. Não teria votos para se eleger vereador em Porto Alegre, onde nasceu. É duvidoso que preserve a pequena, aguerrida e indispensável claque bolsonarista.

Mourão poderia tentar governar com a força bruta. Mas o comandante Pujol, com seu colegiado de estrelas, teria que assentir. Pujol sempre foi o primeiro da turma nas escolas militares. Com tantas apostilas para decorar, nem sei se teve tempo de ler um clássico. Por exemplo, Horácio, o romano que viveu antes de Jesus e lacrou: “A força bruta, quando não é governada pela razão, desmorona sob o seu próprio peso”.

Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC/UFF, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) e ex-vice-presidente do CNPq.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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