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Eleições presidenciais: É preciso derrotar a máfia no Peru

Gustavo Espinoza M.

Tradução:

Gustavo Espinosa M.*

Por un buen convivirSe nos perguntassem qual é o principal dever dos peruanos, a tarefa de honra no presente, poderíamos circunscrever a uma só formulação: isolar e derrotar a Máfia que procurar apropriar-se novamente do poder utilizando como instrumento a disputa eleitoral de 10 de abril.

Porém não podemos nos limitar a considerar essa exigência como a única em nosso roteiro. Vivemos uma etapa crucial na América Latina, quando as forças do império lidam para desmoralizar os processos libertadores que marcam o tempo em nosso continente.

Nossa América na mira do império

O dever dos peruanos é maior. Temos que atuar não só como cidadãos de um país corroído por uma oligarquia envilecida e em declínio; mas também como habitantes de um continente em ebulição em que se trava uma dura luta entre as forças do progresso que pretendem afirmar a democracia, a independência e a soberania dos Estados, e as camarilhas tradicionais que, à sombra dos monopólios buscam perpetuar o modelo de dominação capitalista em nosso continente.
Esta não é uma batalha nova. As mais recentes expressões da agressividade do Império ocorreram em três países da região: Honduras, em que derrotaram Manuel Zelaya; Paraguai em que foi abatido o presidente Fernando Lugo e, Guatemala, martirizado país da América Central, onde, finalmente, conseguiram colocar um regime parasitário a serviço de Washington.
As manobras golpistas urdidas às escondidas das massas e contra seus interesses, alcança outra dimensão na Argentina no ano passado, quando as forças mais reacionárias, nucleares em torno de Maurício Macri, conseguiram ganhar as eleições nacionais no país do Prata. Ainda que tenha sido uma vitória muito apertada obtida pelos segmentos mais conservadores, não deixa de ser grave o fato de que tenham conseguido dividir as forças progressistas e dar um passo em prejuízo do povo.
Poucos dias depois, forças similares, ainda mais vis, conseguiram ganhar uma eventual maioria na Assembleia Nacional, o legislativo da Venezuela Bolivariana. Hoje, dando uma de valente, tentam derrubar o presidente constitucional da Venezuela, Nicolás Maduro Moros, para retornar ao poder, utilizando-se de uma verdadeira “operação tenaz” com a qual pretendem envolver outros governos da região.
Para essas ações, o fascismo alude a uma suposta “democracia em perigo”, quando é ele realmente quem põe em perito a precária estabilidade democrática de nossos países. Não só porque os métodos que utiliza, como está demonstrado no caso venezuelano, são abertamente antidemocráticos, mas também porque não poderão abater os povos fazendo uso de um processo democrático “normal”. Terão de recorrer à força para dobrar a resistência das massas, e terão que voltar aos métodos mais cruéis das ditaduras do passado para restaurar seus privilégios.
É que os objetivos perseguidos pelos monopólios e seus serventes na região, não se atêm às fronteiras de um ou outro país. Eles aspiram restaurar o domínio continental do império para abater a resistência das populações e submeter, um a um, a todos os países.
Isso explica porque desencadeiam uma campanha de intrigas e calúnias contra Evo Morales, seu povo e seu governo. Indica porque essas forças agora direcionam sua pontaria contra Rafael Correa, o exitoso mandatário da Revolução Cidadã do Equador, assediam Dilma Rousseff no Brasil, fomentam uma campanha de desprestigio contra Michelle Bachelet no Chile, afiam suas armas contra o governo Sandinista da Nicarágua com vistas às eleições de novembro e, sobretudo, concentram toda capacidade operacional contra o Peru, às vésperas das eleições programadas para 10 de abril.
A consolidação de Cuba, em boa medida reintegrada ao concerto internacional e com um prestígio crescente por suas contribuições à paz mundial e regional e pela união das forças mais avançadas inclusive no campo religioso. A afirmação de um processo de paz na Colômbia, os êxitos do governo salvadorenho liderado pelo FMNL (Farabundo Martí para a Libertação Nacional) e o otimismo das massas que em cada território de nosso continente acertam duros golpes às forças antirracionais, permite que se olhe com otimismo o futuro e se renova as forças chamadas a vencer esta contenda.

A batalha tem que ser travada em todas as frentes

No Peru, a batalha de abril toma formas eleitorais. Porém, está colocada em todas as frentes como um verdadeiro desafio para as forças realmente democráticas e progressistas.
Alertamos, desde o início, que a estratégia da reação consistia em manipular um cenário de desprezo e confusão em que, não obstante, se afirmaram duas correntes definidas: o fujimorismo e o restolho de Allan García, como “oferta ao povo…”.
O que se procura obsessivamente é que ambas as expressões de uma mesma máfia cheguem em segurança ao segundo turno em abril e disputem entre si uma árdua contenda em 5 de junho.
Como é de domínio público, tanto Keiko Fujimori, como Alan García estão comprometidos com graves delitos contra o país. Porém, ambos conseguiram eludir sistematicamente a ação da justiça, gozando hoje da mais absoluta impunidade. Contra eles e seus acordos e alianças políticas pesam graves acusações que não obstante, não provocaram nem a mais mínima reação das autoridades eleitorais que, ao contrário, oferecem todas as garantias possíveis.
Por outro lado, contra outras candidaturas sim há extrema formalidade e procuram desacreditá-las ou, inclusive, impedi-las de participar das eleições.
Contra César Acuña, o candidato da “Aliança para o Progreso” pesam severas acusações, algumas de velha data. Porém, nenhuma foi levantada antes deste pleito. A tempestade desencadeada contra ele teve um ponto de partida, ou seja, se iniciou quando propôs estabelecer uma política de controle de preços como medida para proteger o bolso dos pobres. Imediatamente apareceram todas as acusações, fundadas ou não, mas lapidarias: plagiador, embusteiro, ardiloso, demagogo, improvisador. Com tudo isso conseguiram que perdesse pontos na estima cidadã.
Algo bem parecido ocorreu com Julio Guzmán. Disputou sozinho durante um bom tempo e ninguém lhe deu atentado. Nem sequer foi tomado em conta pela “grande imprensa”, mas como foi crescendo à mercê das redes sociais e certos coletivos juvenis que o vêm com certa simpatia, mesmo assim continuou sendo ignorado.
Essa conduta mudou quando, de repente, as pesquisas eleitorais o situaram em segundo lugar na preferencia do eleitorado. E desencadeou uma campanha com toda agressividade quando essas pesquisas mostraram que era o único em condições de derrotar Keiko Fujimori num segundo turno. Deram a ele 41% dos votos contra 42% da candidata da Máfia. Isso foi suficiente para que lhe desatassem uma descarga fulminante que terminou com invalidar sua candidatura.
Em alguns casos, os argumentos eram reais: Guzmán é um homem de direita, que desdenha das ideologias, trabalhou em organismos financeiros internacionais, caiu em contradições notáveis em suas propostas políticas e expressa simpatias ao governo de Israel. Nada disso realmente importou no início. Só apareceu e ganhou força quando assomou com potencialidade eleitoral ameaçando o poder da máfia.
Hoje, já à margem da contenda, o diário que segue sua linha e que é abertamente sionista, La Razón, deu em manchete a foto de Guzmán com uma legenda claramente elucidativa: “Cai o farsante”.
Não será surpresa, neste manejo torpe do processo eleitoral, que o Poder Judiciário disponha “prisão preventiva” contra Daniel Urresti, candidato do Partido Nacionalista, pelo processo que lhe movem pela morte de Hugo Bustos. Esse mesmo Poder Judiciário, para escárnio da lei e da justiça, acaba de livrar de toda responsabilidade penal Rómulo León Alegría e os demais processados pelo escândalo dos “Petro Audios”. É assim que funciona a Justiça em nosso país.
A esquerda eleitoral não consegue afirmar um Programa nem uma linha de ação. Ainda que Verónica Mendoza assome como a que alcança maior cobertura, não projeta grandes adesões, mas sim muitas reservas. Vladimir Cerrón — o mais coerente e claro, não chega com sua mensagem às grandes cidades e Gregorio Santos se vê severamente restrito por sua condição legal. O fato de estar preso há mais de vinte meses num processo interminável e sem sentença, confirma ainda mais a perversidade de um sistema que merece ser questionamento. Lamentavelmente, os candidatos em geral guardam silêncio diante desse fato deplorável, posto que pretendem obter os votos que em outro contexto favoreceriam o que está privado de sua liberdade.

O que a Máfia procura?

Há muitos que ainda não tomaram consciência sobre o que significa a máfia no poder. Uns acreditam que sua vitória “será útil, porque acelerará as contradições na sociedade”. Outros asseguram que será “um governo de direita a mais”. E há terceiros que sustentam que “não importa” porque “dá na mesma”, ela ou outro, porque “todos são o mesmo”.
Nada disso é verdade. A máfia no Poder não é “um governo de direita a mais”. No passado, tivemos no Peru muitos governos de direita e enfrentamos todos. Sabemos como lutar contra eles apoiando nossa batalha na vontade das massas.
Um governo de direita se combate nas ruas, com as greves operárias, as mobilizações de massas, as jornadas estudantis, a denúncia e a imprensa. Com isso, se a isola e derrota com vontade e coragem. Porém, com a máfia não é assim. A máfia intimida a população, assusta as massas e também as distrai, ao mesmo tempo que corrompe os dirigentes e mata outros. Paralisa o corpo social. O avilta. Já vimos isso.
Agora mesmo, com suas declarações e ações, os porta-vozes da máfia estão dando lições sobre isso. “Golpearemos a quem nos ataque”, disse o parlamentar Spadaro, porta-voz de Keiko. “Não somos pernetas” acrescentou a própria Keiko depois de registrar uma lista de legisladores com vários candidatos processados por diversos delitos, em que todos se proclamam “inocentes”.
A experiência de outros países da região em que a máfia busca recuperar velhos privilégios, confirma a ideia de que isso não será possível através de artifícios de caráter democrático. Recheada pelos povos, a administração mafiosa não terá mais alternativa que recorrer a práticas criminosas, executando ações punitivas que logo serão considerados delitos de lesa humanidade. Enquanto isso ocorrer, haverá milhares de mortes, homens e mulheres e crianças que terão de pagar a loucura de seus executores. Nada disso devemos permitir!

Há que ter clareza de objetivos

Com a esquerda oficial fracionada em três candidaturas presidenciais, ao que se agrega o fato de que em um total de nove listas parlamentares estão candidatos de segmentos democráticos, progressistas e inclusive revolucionários. A possibilidade de impor rumo próprio, contudo, assoma francamente inconsistente.
Certamente há os que acreditam, guiados por um otimismo quase adolescente, que a esquerda “conseguirá algo”, e que por isso “não há que deixar-se levar pelo pessimismo”.
Não é necessário ser otimista ou pessimista. Há que ver as coisas com realismo. E estar conscientes de que a batalha principal não é para que a esquerda consiga dois ou três congressistas, mas sim para que não se abata sobre o Peru e seu povo o maremoto de uma máfia sedenta de poder e de sangue.
Em algumas das listas de parlamentares há algumas propostas interessantes. Vemos com simpatia o fato de que na Frente Ampla apareçam dois candidatos que merecem apoio e suporte cidadão. Manuel Dammert Egoaguirre e Indira Hujica Flores, com os números 2 e 3, respectivamente, candidatos por Lima. Neles se mescla experiência e juventude, maturidade e tenacidade. E, claro que lamentamos a ausência de Sergio Tejada.
Mesmo sendo parte de coletivos partidários, podemos comentar com a maior serenidade, como fazemos também com Manuel Bautista Casiono, que postula com o número 1 por Callao na lista da Democracia Direta; e com Flor de María González, uma valorosa lutadora e professora, numero 5 na lista da Frente Ampla por Junín.
Não obstante assentimos que sob o pretexto de “renovar a esquerda” e “modernizá-la”, escondem-se objetivos perigosos. Recentemente, um “analista” estadunidense tomou a liberdade de “recomendar” aos peruanos três ações:
1) Prescindir dos “velhos” na luta política confiando só nos ‘jovens”;
2) acabar com os símbolos históricos e as “palavras de ordem” e
3) deixar de lado “os trabalhadores” sob o pretexto de que “a classe operaria já não existe”.
Mais além do inocultável e inaceitável vis generacional da proposta, assoma a ideia de renunciar as concepções revolucionárias e à política com a ideia de que ambas “espantam os votos”. Em outras palavras, procura-se uma “esquerda” exclusivamente eleitoral e eleitoreira, que não tome em suas mãos a bandeira dos trabalhadores e que renuncie o sentimento e a consciência de classe.
Daí a dizer que as ideologias não existem, que o marxismo-leninismo é obsoleto, que a luta de classes “caducou” e que o socialismo é “uma teoria”, há uma pequena distância. Quem cruzar esse pântano abandonará as filas da Revolução e se converterá num reformista de velha cepa. E tudo isso… em nome da “modernidade”.
Cerrar filas com os objetivos
A luta está dada também no plano ideológico e político. Não só há que enfrentar e bater na máfia para impedir que cumpram com seus sinistros desígnios, mas também defender a concepção do socialismo e a vigência plena dos ideais revolucionários. Marx, Lenin e Mariátegui são parte de nosso acervo irrenunciável.
A quebra dos coletivos partidários de “esquerda oficial”, a decrepitude ideológica e política de seus dirigentes oportunistas e deslassados não deve ser motivo de desalento, mas sim de desafio para as novas gerações.
É necessário reconstruir uma esquerda de classe, combativa e resoluta, capaz de enfrentar as grandes tarefas e os desafios da história. E, sobretudo, urge não dar jamais as costas a nosso povo.
*Colaborador de Diálogos do Sul, de Lima, Peru, original do Centro de Estudos Democracia, Independência e Soberania, fevereiro de 2016


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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