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“Sem comunicação, o desenvolvimento não pode ser sustentável”

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

Sem comunicação, o desenvolvimento não pode ser sustentável. Não é um problema de meios de informação, é um tema de processos de comunicação horizontal. No desenvolvimento humano sustentável já não podemos falar de “emissores” de mensagens e de “audiências” passivas. Temos que trocar o chip.

Por Barbara Doval*

Alfonso Gumucio Dragon | Foto: ANF

Conversa com Alfonso Gumucio Dragón, comunicador boliviano e colaborador de Diálogos do Sul. Dragón é Autor de vários estudos sobre comunicação e de vários livros de poesia e narrativa. Seus artigos e ensaios breves têm sido publicados por mais de uma centena de revistas e jornais, principalmente na América Latina. Como cineasta tem dirigido documentários sobre temas culturais e sociais, e realizado várias exposições fotográficas. Desde 1997 participa na iniciativa “Comunicação para a Transformação Social” da Fundação Rockefeller

A vida de Alfonso Gumucio Dragón tem sido uma contínua aprendizagem, talvez, como a de muitas outras pessoas no mundo. Especialista em comunicação para o desenvolvimento, com experiências na África, Ásia, América Latina e Caribe, meu entrevistado assegura categoricamente que vivemos um tempo de fascinação pelas tecnologias, quando em muitas partes do mundo essas tecnologias da informação e das comunicações podem ser algo raro.

Em seu livro Haciendo Olas[1], ele afirma: “Não será fácil modelar a internet de modo que — pelo menos em parte — sirva aos objetivos de desenvolvimento, de democracia, de transformações sociais e de identidade cultural através de um processo participativo, mas há muitas pessoas empenhadas para que isso seja possível”.

Esse homem foi um dos gurus que participaram do 9º Encontro Internacional de Pesquisadores e Estudiosos da Informação e da Comunicação, celebrado de 13 a 17 de novembro de 2017, em Havana.

Que aprendizagens ou certezas você crê que o 9º Encontro Internacional de Pesquisadores e Estudiosos da Informação e da Comunicação nos deixou?

Estou convencido de que os participantes cubanos no ICOM 2017 aproveitaram muita coisa do encontro e dos participantes. Vejo nos estudantes cubanos de comunicação duas características que os diferenciam de muitos estudantes que conheço na América Latina e em outros países onde dei conferências; apesar das dificuldades para se conectar, são estudantes muito bem informados, que leram muito, com muito conhecimento sobre os temas que manejam e com um desejo enorme e um compromisso maior de pesquisar, estudar, melhorar, relacionar-se com o mundo.

Quais são os sinais que podem defender a possibilidade de um caráter democratizante das TICs?

As novas tecnologias são apenas um instrumento, como qualquer outro, embora mais sofisticado. Não basta usar suas possibilidades técnicas, mas é preciso entender seu potencial de comunicação. No momento, 90% do seu uso é primitivo, individual, autista, sem projeto de longo prazo. Estamos fascinados com o presente, e passamos de um presente a outro mais evoluído, mas não temos a capacidade de olhar o futuro porque não estudamos o passado. Da imensa massa de usuários e de todo o capital de uso das plataformas TICs, as experiências de contribuição para uma sociedade melhor são nesse momento mínimas, talvez 0,01%. É fundamental refletir mais sobre o valor de uso desses instrumentos em contextos concretos de nossos países.

Se por “caráter democratizante” entendemos um maior acesso a elas (wifi gratuito e universal), isso vai acontecer em cinco ou seis anos, porque é comercialmente rentável para as grandes empresas de telecomunicação. No entanto, o mero acesso livre e gratuito, ou o “direito à internet” na Constituição (Finlândia), não nos diz nada sobre suas aplicações à transformação social de nossos países.

A bomba de água no centro da comunidade, à qual você se referia em sua Conferência Magistral, onde todos se reúnem, convida a buscar consensos e à participação. Como essa construção pode ser traduzida a partir dos meios de informação?

Essa parábola demonstra que, sem comunicação, o desenvolvimento não pode ser sustentável. Não é um problema de meios de informação, é um tema de processos de comunicação horizontal. No desenvolvimento humano sustentável já não podemos falar de “emissores” de mensagens e de “audiências” passivas. Temos que trocar o chip. O que precisamos é de processos e comunicação participativa para que os cidadãos se apropriem dos processos de desenvolvimento. Os meios de difusão ou de informação cumprem seu papel tornando visíveis esses processos, informando sobre sua existência ou proporcionando insumos que permitam conhecer mais sobre os temas de desenvolvimento. Me parece excelente a ideia de propiciar debates no rádio e na televisão, de provocar discussões que levem a entender que a comunicação se faz na própria cidadania e acompanha os processos de desenvolvimento.

Você crê que os debates televisivos nas emissoras de televisão locais possam contribuir para uma melhor governabilidade favorecida por uma cidadania comunicativa?

É claro que sim. O trabalho que nós, jornalistas, fazemos deve propiciar debates sobre os temas que não estão claros, para entender melhor as modalidades de desenvolvimento participativo em que as decisões são tomadas de maneira coletiva. Também é preciso tirar as câmeras do estúdio, levá-las aos lugares onde já se estão dando processos de desenvolvimento descentralizado, com participação local. Em Cuba isso é especialmente importante porque não tem havido muitas experiências de planejamento para o desenvolvimento com participação local na execução dos orçamentos municipais, tomada de decisões sobre as prioridades, consultas cidadãs, etc.

Nesta época de multiplicidade de telas, o que não deve faltar na obra jornalística que pretenda promover transformações para o aspecto local?

Nesta época em que os jovens estão metidos em suas telas individuais (e isso acontecerá ainda mais quando a internet em Cuba for mais barata e mais acessível), o que o jornalismo pode fazer é orientar sobre os usos sociais e culturais da multiplicidade de telas, para converter os consumidores em “pro-sumidores”, ou seja, produtores de conteúdos. Mas para isso, nós, os jornalistas, temos que cumprir uma tarefa pedagógica, passar da mera distribuição de informação à análise que contribui para criar conhecimento.

Original de La Jiribilla – revista cultural cubana – direitos reservados

[1] Gumucio Dagron, Alfonso, Haciendo Olas: Historias de Comunicación Participativa para el Cambio Social. Obra publicada em 2001 por The Rockefeller Foundation, 420 Fifth Avenue, New York, NY 10018-2702, Estados Unidos de América/ disponível em: http://www.communicationforsocialchange.org/


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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