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Marli Gonçalves*
Já ia mesmo falar sobre isso. Sobre o medo, o estado constante de alarme, de alerta, de atenção, aqueles que decretamos por nós mesmos praticamente todos os dias. A sexta-feira de terror e sangue em Paris, no entanto, mostrou que os horizontes do perigo passaram a ser ainda maiores, mais mortais e complexos. Fica difícil viver em paz com tantos inimigos, inimigos gente, inimigos insetos, inimigos fatos, inimigos governantes, inimigos destinos, inimigas ideias, inimigos dia a dia. E nossos inimigos pensamentos
Parece paranóia, mas vou liberá-la porque entendo que você aí também pode ter algum aspecto desse problema. Chama temor. Toca o telefone. O coração dispara. Campainha toca e se pensa no pior do pior. Orelha em pé. Olhos bem abertos. Atenção aos cheiros. Um grito mais forte, a sirene intermitente, muitos helicópteros no céu. Alguma coisa está acontecendo, e enquanto eu não sei o que é não sossego. É uma agonia. Vivendo na região central de São Paulo está cada dia mais difícil encontrar algumas horas de serenidade.
Imagino quem tem filhos como é que se sente – hoje entendo as nóias de meus pais, as dores de minha mãe. Essa, entre outras, de tanto se inclinar no parapeito da janela para me ver voltar para casa, criou um calo, um machucado. Baixinha, precisava se debruçar. Esse pior foi quando eu resolvi ser motoqueira aos 13 anos de idade.
Não tenho filhos. Tenho meu pai, com quase 98 anos, meu irmão, minha gata e os satélites, amigos, famílias ligadas a mim de alguma forma, gente que gosto, gente que admiro e me emociona. Gente que nem conheço pessoalmente, mas que são importantes e das quais gosto sem elas saberem. Se acontecer algo com qualquer um deles serei também atingida duramente. Engraçado é que pouco penso em mim, e não sei bem em qual momento dessa vida virei assim protetora, pensando bem.
Pois vivemos assim. Há bêbados guiando por aí. As calçadas estão cheias de buracos. Árvores podres ruindo. Tem assalto, tem tiroteio, tem polícia, tem bandido. Tem gente do mal, tem homens perversos, psicopatas atrás de vítimas. Vítimas distraídas. Tem descaso e falta de fiscalização. Tem fogo, tem água, e agora tem lama. Tem El Niño, calor escaldante, ar seco, mudanças bruscas de temperaturas. Tem falta de saúde, de educação, de solidariedade, de bom senso.
Tem a barbárie. Sob um manto religioso e dogmático jovens se vestem de bomba para matar outros jovens porque dizem que queriam um mundo por eles idealizado como perfeito, mas ao qual jamais vão pertencer nem ver porque não estarão mais aqui. Só podem mesmo achar que há vida após a morte e que não irão para o inferno. Só podem estar loucos. Pior, loucos armados.
Apelam para que todos acabemos religiosos, rezando de manhã, de tarde e de noite para que celerados como esses não estejam entre nós. Foi Paris. Mas poderia ter sido qualquer lugar desse mundo. Eu poderia estar lá. Você poderia estar lá, ou alguém de sua família. Ou alguém que você ama.
É chocante. Viver mais um fato que pode ser divisor de águas mundiais, que alerta que ninguém está mesmo seguro, nem nas grandes capitais, nem nas pacatas cidades que viraram lama arrastadas de um Estado a outro.
Estado de observação, estado de alarme, estado de alerta, estado de emergência, estado de sítio, estado de calamidade pública, estado de Defesa.
Estados são decretados. Quando chegam, determinam nossos passos, acabam com a liberdade. Muitos aparecem para nos proteger; outros para cercear.
Há o Estado de Direito. O Estado de Exceção. O Estado de Choque.
Agora há o Estado Islâmico. Aqui, o Estado inoperante que nos deixa em estado de insolvência.
Pior, vivemos ainda o estado de inércia, de torpor diante desses tempos difíceis quando os fatos se sucedem completamente fora de qualquer controle nosso.
Não há como se distrair diante de um estado desses de coisas.
São Paulo, Paris, Mariana, 2015
*Colaboradora de Diálogos do Sul – Vive no Estado de Alerta -“on”