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Sentença da Suprema Corte do Peru abre caminho para criminalização de protestos

Aparentemente, autores da decisão não leram toda a Constituição, ou não a entenderam
Jorge Rendón Vásquez
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

Uma sentença foi pronunciada pela Sala Penal Permanente da Corte Suprema na causa seguida contra quatro comuneiros das Bambas, acusados de haver obstruído o trânsito dos veículos de uma empresa mineira: Cassação 1464-2021/Apurímac.

Em primeira instância, os comuneiros foram condenados a quatro anos de prisão suspensa, sentença confirmada pela Sala Penal de Apelações da Corte Superior de Justiça de Apurímac. Foram considerados “coautores do delito contra a segurança pública – entorpecimento ao funcionamento dos serviços públicos, em agravo do Estado”. Interposto por eles o recurso de cassação, este foi declarado infundado pela sentença mencionada. 

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Nesta sentença, a Sala da Corte Suprema não transcreve e nem sequer menciona os fundamentos do recurso de cassação dos comuneros condenados sobre os quais ela devia se pronunciar. Simplesmente se diz: Frente à sentença de, ALEJANDRO HUILLCA PINARES, JULIÁN OCHOA AYSA, ALEJANDRA OCHOA PUMA e RODMY ALFONSO CABRERA ESPINAL promoveram o recurso de cassação, de sete de junho de dois mil e vinte e um (folha442), no qual invocaram a causal de admissibilidade prevista no artigo 429, numeral 3, do Código do Processo Penal, respectivamente”.

Em troca, a sentença se estende longamente nas descrição dos fato que seriam delituosos, como se tratasse de uma sentença de primeira ou de segunda instância e não em cassação: “Assim – se diz –, às 15:15 horas do aludida dia, o representante do Ministério Público e os efetivos Raúl Alcarráz Cárdenas e Carlos Salas Acrota chegaram à zona e constataram a presença de um grupo de pessoas (entre vinte e cinco e trinta) que se negaram a se identificar e disseram que era dirigentes das comunidades.

Não obstante, entre eles foi reconhecido ALEJANDRO HUILLCA PINARES, JULIÁN OCHOA AYSA, ALEJANDRA OCHOA PUMA e RODMY ALFONSO CABRERA ESPINAL. Os três primeiros foram individualizados segundo os informes periciais biométricos faciais pertinentes. O quarto entregou à Promotoria panfletos que anunciavam: ‘Comitê de luta de comunidades camponesas de Províncias de Cotabambas e Grau-Apurímac e ‘Paralisação indefinida contra a mina las Bambas e o Estado peruano, paralisação imediata do projeto mineiro las Bambas’.

Nesse sentido, estes últimos bloquearam a estrada e impediram o deslocamento de caminhões (entre dez e quinze) que transportavam cobre concentrado.” Se infere que a Polícia apressou alguns comuneros do grupo que protestava e foram acusados. Houve uma determinação precisa de que eles obstaculizaram a circulação dos caminhões da empresa? Não é preciso isso na sentença da Corte Suprema. 

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Mas não é isto o mais grave dessa sentença. Seus autores queriam pontificar sobre o protesto e desqualificá-lo. Por isso a insistência de narrar os fatos.

Aparentemente, autores da decisão não leram toda a Constituição, ou não a entenderam

pj.gob.pe
A necessidade de transparência na vida e nos atos dos juízes leva a perguntar sobre as qualidades profissionais dos autores da sentença




Narrativas

Cito os trechos desta sentença relativos a esse propósito. 

“III. Uma suposição especial: o direito fundamental ao protesto? Duodécimo. Em princípio, se adverte que o direito de protestar, sua conotação de direito fundamental e suas práticas de veemência beligerante não foram reconhecidos, taxativamente, no texto constitucional nem em nenhuma outra norma convencional”. 

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Desta afirmação se colige que os vogais autores da sentença não leram toda a Constituição ou que não a entenderam. Não se requer que o texto constitucional declare todos os direitos da pessoa. Há ações humanas não mencionadas especificamente na Constituição que são direitos fundamentais pelo preceito supremo de que “ninguém está obrigado a fazer o que a lei não manda, nem impedido de fazer o que ela não proíbe”. (Constituição, art 1-14-a).

Se uma ação não se acha especificamente proibida pela Constituição e pela lei não é ilegal e, ao contrário, é a execução de um direito. Portanto, embora o protesto não figure na Constituição como um direito específico, ela é válida. Mais ainda, o protesto é um conteúdo da liberdade de expressão, como outros conteúdos: informação, aprovação, comentário, desaprovação, surpresa, alegria, aflição, etc. etc. Negar o direito a protestar é negar o direito à liberdade de expressão da qual a Constituição diz: “Toda pessoa tem direito: 4. Às liberdades de informação, opinião, expressão e difusão do pensamento mediante a palavra oral ou escrita ou a imagem, por qualquer meio de comunicação social, sem prévia autorização nem censura, nem impedimento algum, sob a responsabilidade da lei” (art. 2).

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“Seguidamente – diz a sentença –, o exercício de qualquer direito deve encaminhar-se e concordar com os valores da Constituição e da Humanidade, posto que todos os direitos (humanos, fundamentais e constitucionais) refletem e consolidam ditos valores. Por essa razão, são incompreensíveis aqueles direitos que se fundamente em anti valores ou contravalores, por mais que o pluralismo social exige tolerância ao seu reconhecimento, simplesmente porque seu exercício se justifica só se aniquilou os direitos de outros, tornando-os invisíveis, ou seja, como se não existissem”. “Portanto, admitir a existência de um direito a protestar, em termos de reclamar ou expressar, geralmente com veemência, a opinião, queixa e inconformidade, chegando à violência que vulnera direitos alheios, é um raciocínio inconstitucional e inconvencional”.

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Obviamente, os autores da sentença não assinalaram os artigos da Constituição nos que a aplicação desta fica condicionada a valores de alguma classe. Como juízes penais estão obrigados a ajustar-se pontualmente à norma constitucional que dispõe que “ninguém será processado ou condenado por ato ou omissão que ao tempo de cometer-se não esteja preciosamente qualificada na lei, de maneira expressa e inequívoca, como infração punível; nem sancionado com pena não prevista na lei”. (art. 2-24-d). S3 não sabem, a aplicação desta norma é uma operação lógica pela qual se deve determinar se um fato imputado a uma pessoa (a premissa menor) se acha enquadrado dentro de algum tipo de delito qualificado pela lei como tal (premissa maior) para, depois, pronunciar a consequência de direito também definida pela lei. E nesta operação não pode haver pormenores, nem sequer sobre os valores, salvo quando a lei se refira expressamente a algum deles, precisando-o, já que os valores, em geral, são considerações subjetivas que podem variar de pessoa a pessoa e determinar uma indevida aplicação das normas, segundo o querer ou as conveniências de quem julga. Por isso que esses vogais digam estranhos: “são incompreensíveis aqueles direitos que se fundamentem em anti valores ou contravalores”. Deduz-se que se lhes parece que algum direito não encaixa na noção que lhes tenham sobre certos valores não se sentiram inclinados a aplicá-lo. Não há interesse, para este critério, que esses direitos e existam a beneficiem a determinadas pessoas, criando as correspondentes obrigações para outras. 

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O Poder Judicial foi criado pela sociedade, pela via do pacto social, para resolver os conflitos jurídicos. Por isso, em nossa Constituição, como nas demais, se diz: “A potestade de administrar justiça emana do povo e se exerce pelo Poder Judicial através de seus órgãos hierárquicos com arranjo à Constituição e às leis.” (art. 138), o que quer dizer que o Poder Judicial não pode sobrepor-se ao povo e ao seu pacto social, e como não é possível que o consultem, em cada caso, os juízes devem ajustar seus atos processuais e decisões, estritamente, ao que dispõe a Constituição. Por isso, esse mesmo artigo prescreve que em todo processo, de existir incompatibilidade entre uma norma constitucional e uma norma legal, os juízes preferem a primeira. Igualmente, preferem à norma legal sobre toda outra norma de rango inferior”.


Por que os vogais autores da sentença comentaram se permitiram sair dos carris constitucionais?

Tudo indica que queriam legislar sobre o protesto para ilegalizá-lo, posto que uma sentença suprema cria um precedente, uma atitude que implica em uma tomada de posição política, o que nunca devem fazer os juízes. Podia supor-se que teriam apontado a isto a considerar como ilegais as manifestações de protesto contra o golpe de Estado do Congresso da República que expulsou da presidência Pedro Castillo e pôs na presidência Dina Boluarte, portanto a criar uma opinião isenta de culpa dos autores das mortes de mais de sessenta pessoas pelas balas de certos agentes da Polícia e do Exército. 

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A necessidade de transparência na vida e nos atos dos juízes, como encarregado pelo povo para administrar a justiça, leva a perguntar sobre as qualidades profissionais dos juízes autores de sentença indicada. Pela sentença comentada poder-se-ia inferir que estão fora da teoria do Direito. Só vou citar o caso do vogal César San Martín Castro, em cujo currículo difundida na Internet aparece como doutor em Direito e professor da Universidade Católica de Lima. Esse título de doutor lhe havia sido conferido pela Universidade de San Agustín de Arequipa por resolução reitoral em junho de 2004. Aparece na relação dos 377 doutorados bamba que expediu o reitor dessa Universidades na primeira década deste século.

Fez os cursos presenciais e dois anos requeridos pela lei para o doutorado? Acreditou no conhecimento de dos idiomas estrangeiros? Apresentou a tese? E, quanto a ser professor da Universidade Católica, se esta não tem aulas noturnas e o vocal tem cursos a seu cargo, é válido perguntar se abandona seus tarefas judiciais por ir dar aulas. Boas perguntas que requeriam também boas respostas. O Colégio de Advogados de Arequipa já protestou em dois comunicados pela acumulação dos cargos de juiz e professora, que dá lugar ao não cumprimento das funções judiciais. Pela Constituição, tal acumulação é possível, só que em horários diferentes. Portanto, um juiz que abandona suas labores judiciais para ir dar aulas incorre em falta grave. 

Jorge Rendón Vásquez | Colaborador da Diálogos do Sul desde Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Jorge Rendón Vásquez Doutor em Direito pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos e Docteur en Droit pela Université de Paris I (Sorbonne). É conhecido como autor de livros sobre Direito do Trabalho e Previdência Social. Desde 2003, retomou a antiga vocação literária, tendo publicado os livros “La calle nueva” (2004, 2007), “El cuello de la serpiente y otros relatos” (2005) e “La celebración y otros relatos” (2006).

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