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Será que criaram juízo?

Paulo Cannabrava Filho

Tradução:

Paulo Cannabrava Filho*

Paulo-Cannabrava-Filho-Dialogos-do-SulSerá que criaram juízo? A pergunta é pertinente e motivada por recentes pronunciamentos de porta-vozes da mídia cavernaria e de líderes da nossa direita retrógrada e sem rumo. Como é difícil aceitar que essa gente faça uso da razão, alguma coisa muito forte deve ter motivado essa surpreendente mudança de posição. O que seria? Seria dinheiro de Washington? Um pito dos credores, ou seja, dos bancos? É bem provável que seja tudo isso motivado pela constatação de que estavam brincando com fogo ao lado de um tanque de gasolina em dia de calor. Em síntese, teriam constatado a proximidade do caos.

silhueta-com-interrogacaoPrimeiro foi O Globo, em editorial de 7 de agosto. Para eles, a situação econômica é preocupante mas está no rumo certo. Claro que do ponto de vista deles e por estar conduzida por Levy, um executivo do mundo das finanças que não saberia fazer outra coisa que não aplicar rigidamente a receita do FMI que todos sabemos.

É que na quarta-feira, 5 de agosto, João Roberto Marinho, um dos herdeiros e diretores da corporação, reuniu-se com a bancada do PT no Senado. Estavam presentes 13 senadores encabeçados pelo pernambucano Humberto Costa que informou ao Viamundo, que o Marinho se mostrou preocupado com “as decisões no Congresso na contramão do ajuste econômico causando insegurança”.

Segundo o senador, Marinho também se deu conta de que destruir o que sobra de liderança no país – o Lula, no caso – só vai contribuir para o caos, pois é Lula quem mais tem capacidade mediadora.

Devem ter se preocupado ao ver as estripulias dos presidentes da Câmara e do Senado federais e, mais que isso, com a ausência de lideranças e de propostas inteligíveis tanto na oposição como da situação. Com as manifestações no âmbito institucional e fora dele pedindo a derrubada do governo, “com o apoio jovial e inconsequente dos tucanos” (sic Globo!) Antevendo o caos previsível que prejudicará todo o Brasil, ou seja, todas as classes sociais, indistintamente, o Globo adverte: “tudo isso deveria aproximar os políticos responsáveis de todos os partidos para dar condições de governabilidade ao Planalto”. Bingo! Ruim com ela, pior sem ela (a presidenta, claro).

Pouco antes, em 18 de julho, já na revista Veja, o mais cavernario e anti ético dos meios, o principal colunista, Roberto Pompeu de Toledo (voz da família proprietária, os Civita), elenca sete razões para condenar o impeachment e manter a governabilidade. É surpreendente. Mudou da água pro vinho aquela que mais incitava o golpe. A revista reconhece que o impeachment faria mal ao Brasil e confessa que tem medo do Lula.

O vetusto O Estado de São Paulo, porta-voz da direitona paulista, ainda não se manifestou em editorial, mas, nesta segunda-feira (10 de agosto) publica com grande destaque e abundante espaço entrevista com Paulo Guilherme Aguiar Cunha, presidente do conselho de administração do Grupo Ultra, o quarto maior grupo empresarial do país, também defendendo a governabilidade. Afirma ser contra as tentativas de impeachment e argumenta: “Sou contra. Para ser sincero, não vejo um impeachment nesse momento porque acho que seria uma guerra e iria cindir o país ao meio”.

O líder empresarial lamenta ver o país sem liderança e indica que o país precisa recuperar seu capital cívico. Nas suas palavras “O Brasil tem de restaurar o seu capital cívico. O que é o capital cívico? É o sujeito se comportar honestamente porque é bom se comportar honestamente”.

Vale acrescentar que anteriormente as duas mais poderosas associações de empresários, a Fiesp e a Firjan, Federações da Indústria, respectivamente de São Paulo e Rio de Janeiro, emitiram nota oficial declarando apoio à governabilidade.

Os planos da direita previam a realização de grandes manifestações por todo o país, reunindo milhões de pessoas para legitimar uma ação da Câmara Federal para derrubar o governo. Isso: derrubar o governo. O PSDB em inserções publicitarias de propaganda política nas redes de TV conclamando a população a ir para rua. O candidato tucano derrotado, Aécio Neves, lançando diatribes contra a presidenta. A classe media raivosa não esconde o ódio irracional contra o governo e tudo o que beira à esquerda e se manifesta nos panelaços. O acumulo de denúncias de corrupção no governo, em má hora, contribui para o acirramento do ódio. Nada mais que ódio.

Diálogos do Sul publicou entrevista com o sociólogo Cândido Grzybowski, diretor do Ibase, em que ele expõe claramente o que entendemos por crise de hegemonia, a mais grave crise que afeta o país. Crise econômica tem concerto, a de hegemonia poderá levar mais de uma geração para ser superada, ou seja, mais de duas décadas, pelo menos. Não há lideranças legitimadas. Ninguém, à esquerda e à direita tem proposta. Os partidos políticos transformados em trampolim de ascensão social. O mesmo com o sindicalismo de resultado. No Congresso os parlamentares não conseguem olhar além de seu próprio umbigo e tratar de seus próprios interesses. A Justiça errática perdeu legitimidade, confiabilidade. Como construir uma democracia sem segurança jurídica?

Imagino que os senadores devem ter dito ao João Roberto Marinho: Vocês serão responsáveis pela queda do governo. Acham que poderão garantir algo melhor? No congresso há articulação para colocar o vice-presidente Temer no lugar de Dilma e o tucano José Serra do PSDB, na fazenda. Não cola. Os bancos não aceitam o Serra.

Independente das articulações, a verdade é que tudo pode acontecer num processo de desestabilização comandado por Eduardo Cunha. Eleito presidente da Câmara com os votos do PT, inclusive, Cunha tem a seu favor a bancada evangélica, a quarta maior bancada, integrada por fundamentalistas religiosos que vêem o “demönio comunista” em qualquer manifestação democrática de defesa das liberdades humanas. Tem o apoio da chamada bancada da bala, os parlamentares favoráveis à pena de morte (são homofóbicos, defendem os grupos de extermínio, tortura, prisão de menores).

De acordo com a Constituição em vigor Cunha é o terceiro na ordem de sucessão do presidente da República. Depois do vice, é ele. Ele já demonstrou que tem mais poder que o vice Temer. Se nesse processo de desestabilização Temer cai junto com Dilma, ele será o presidente e sabe-se lá com quem governará. Deus nos acuda! Parem a terra que eu quero descer.

A ditadura é implacável

Como chegamos a isso?

Foi um longo e complexo processo de captura do Estado que levou à ditadura do capital financeiro que nos submete a todos. Os meios de comunicação são os porta-vozes da ditadura do capital financeiro. Isso explica o pensamento único em todos os jornais, emissoras de rádio e televisão. Estão todos sob intervenção dos credores, isto é, dos bancos e financeiras. A ciranda é perversa.

A ditadura é implacável e é global. No comando do cassino global utilizam as “agências de risco” que dizem onde as melhores apostas para o capital especulativo. O próprio Estado é prisioneiro dos credores. Toda a riqueza da nação é pouca para pagar os bancos, as dívidas, os direitos de propriedade, as remessas de lucro. Veja a matéria sobre o orçamento da União que tem que reservar 45 por cento para pagamento do juros da dívida.

Semana passada participei de dois encontros de discussão sobre a conjuntura, um com advogados e juristas da área trabalhista, outro com sindicalistas de esquerda. É ainda existem, sindicalistas de esquerda, claro que fora das instituições. Em ambos os setores um consenso: É preciso preencher o vazio. Só um grande movimento popular pode levar a isso. Esse movimento necessário seguramente não nascerá espontaneamente. Terá de ser articulado pelas organizações sociais, pelas lideranças de esquerda que sobrevivem, por intelectuais e militares honestos que pensam o Brasil e não os Estados Unidos, por estudantes, pelas massas marginalizadas das periferias ansiosas por inclusão social, e, se não bastasse, muita comunicação. Um esforço gigantesco de comunicação envolvendo as TIC e tudo o mais que se consiga para fazer transitar as ideias, as propostas.

Que propostas? Esse movimento terá que formular um projeto de Brasil indicando todas as reformas imprescindíveis, como a reforma política, reforma tributária, reformas urbana e agrária. E isso só se viabilizaria se referendado numa constituinte exclusiva como culminação do processo.

Um governo inteligente deve, claro, botar a máquina do Estado a serviço desse movimento. Todo o poder do Estado com ênfase no sistema estatal de comunicação, no poder do dinheiro que hoje é utilizado para a comunicação da direita, do anti Brasil.

Fora isso: o mesmo, para não dizer, Eduardo Cunha.

*jornalista editor de Diálogos do Sul, presidente honorário da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual dos Jornalistas, membro do conselho da Associação Brasileira de Anistiados Políticos.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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