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Sete fatos que provam que Maduro teve uma vitória espetacular sobre Guaidó e os EUA

“Presidente interino” não têm força ou apoio dentro da Venezuela; Trump cometeu erro crasso de avaliação e estratégia ao subestimar resposta de Caracas
Gilberto Maringoni
São Paulo (SP)

Tradução:

É preciso dizer com todas as letras: Nicolás Maduro obteve uma vitória incontestável e espetacular contra a tentativa de derrubá-lo através da entrada forçada de uma torta “ajuda humanitária”, articulada pelo Departamento de Estado, com auxílio da Colômbia e do Brasil. Inquestionável e espetacular, não menos que isso.

Os Estados Unidos demoraram a encontrar uma tática para retirar Maduro do poder que fosse palatável à opinião pública global. Quando Donald Trump declarou, na ONU em 26 de setembro do ano passado, que “Todas as opções estão na mesa, todas. As mais e menos fortes. E já sabem o que quero dizer com forte”, estava se referindo a uma intervenção militar direta. Mariners e boinas verdes marchariam sobre Caracas.

Dificuldades

Não é fácil, mesmo para um império, materializar uma ação desse tipo. É preciso um mínimo de consenso internacional, do suporte da maioria da opinião pública de seu país e de legitimidade dentro do país invadido. Os Estados Unidos já realizaram intervenções diretas na América Central, no Oriente Médio e na Ásia. Mas nunca na América do Sul.

Aqui valeu sempre a terceirização de ações. Ou seja, alianças com o empresariado, as forças armadas, os meios de comunicação, a Igreja católica e parcelas da opinião pública. Foi o que se viu no Brasil (1964), no Chile (1973) e na Argentina (1976).

Trump se animou ao ver a correlação de forças regional mudar em 2018, com a vitória dos direitistas Ivan Duque, na Colômbia (junho) e Jair Bolsonaro, no Brasil (outubro). Não se sabia como uma iniciativa “forte” seria recebida na sociedade venezuelana. Havia – e há – forte crise econômica e dificuldades materiais pesadas para a população pobre.

Incertezas

As incertezas quanto a apoios internos na Venezuela seriam assim compensados por uma sólida frente externa, que envolveria Sebastian Piñera (Chile) e Maurício Macri (Argentina). Havia dúvidas sobre a unanimidade na União Europeia, pela posição ainda equidistante de Portugal e Espanha, nos últimos meses do ano. Mas França, Inglaterra, Itália e Alemanha se somariam à articulação da Casa Branca, o que logo arrastou todo o Velho Mundo.

As articulações dentro da Venezuela se voltaram para o poder unilateralmente anulado pela Constituinte convocada por Maduro, em junho de 2017. Trata-se da Assembleia Nacional (AN), que seria o ponto de apoio de todas as movimentações sediciosas.

Em 11 de janeiro deste ano, dia seguinte à posse de Maduro, Juán Guaidó, até então um obscuro parlamentar em primeiro mandato que assumira a presidência do Legislativo, se dirigiu a um protesto em Caracas e chamou o sucessor de Chávez de “usurpador”. Ato contínuo, convocou o Exército, o povo e a comunidade internacional a apoiar os esforços da AN para tirá-lo do poder. E se colocou à disposição para assumir interinamente a presidência do país.

Exterior

Imediatamente, a mídia internacional traçou perfis para lá de favoráveis de Guaidó, que seria um líder moderno, carismático e democrático. O troféu baba ovo ficou para um colunista da Folha de S. Paulo, que atentou para suas semelhanças gestuais com Barack Obama.

Foi o que bastou para cerca de 50 países – a começar por Estados Unidos e Brasil – reconhecerem Guaidó como líder de um governo de facto. Construiu-se um empate catastrófico, uma dualidade de poderes que levou a Venezuela a um impasse aparentemente insolúvel. Guaidó chegou a designar embaixadores, receber verbas internacionais e passou a ser saudado como chefe de Estado.

Maduro recebeu apoios quando China e Rússia – além de México, Uruguai, Bolívia e outros – literalmente trancaram a rota de uma unanimidade internacional (e no Conselho de Segurança da ONU, para onde a questão ameaçou ser levada). No início de fevereiro, o secretário-geral da Organização, António Guterres, afirmou ser Maduro o presidente legítimo do país.

O Departamento de Estado deve ter percebido que o desenho de uma intervenção direta seria extremamente arriscado diante do quadro internacional. E projetou uma solução híbrida: reforçaria os dutos de dinheiro a Guaidó, convocaria as forças armadas do Brasil e da Colômbia a participarem do show midiático marcado para 23 de janeiro, quando toneladas e toneladas de “ajuda humanitária” entrariam por bem ou por mal na Venezuela, e açulou seus mais fiéis cães de guarda, Iván Duque e Jair Bolsonaro.

Deu errado.

O que falhou e como Maduro obteve sua vitória espetacular?

Algumas hipóteses:

1. Juan Guaidó mostrou-se uma farsa. Nem mesmo o bulldozer midiático montado interna e externamente, destinado a projetá-lo como líder inconteste, conseguiu encobrir um fato. O jovem deputado representa quase ninguém. Nem nas grandes cidades e nem na fronteira houve manifestações de massa em apoio à “ajuda humanitária” ou ao suposto presidente. Guaidó falou sozinho;

2. O erro de cálculo dos Estados Unidos – e de seus serviços de espionagem e inteligência – desmoraliza toda a oposição venezuelana e leva os governos de Duque e Bolsonaro a passarem um carão de dimensões planetárias. Ambos tornam-se atores nulos em qualquer mediação de gente grande no plano internacional.

3. No caso brasileiro, o bom senso do setor militar puxou o freio de mão nos delírios napoleônicos de Jair Bolsonaro – que definitivamente jamais soube o que é sombra de estratégia militar -, David Alcolumbre, Dias Toffoli e Ernesto Araújo. Esses, em reunião sábado relatada pelo Painel da FSP, defenderam quase uma nova invasão da Normandia. Hamilton Mourão, Augusto Heleno e Rodrigo Maia se colocaram contra até mesmo da presença de militares estadunidenses em solo brasileiro. Uma ação mais decidida teria de ser feita por terra, em meio a selva, e o risco de fiasco militar era enorme.

4. Por mais insuficiências que Nicolás Maduro apresente como liderança, ele conseguiu provar que a oposição é muito pior. Seu discurso sábado em praça pública, diante de dezenas de milhares de pessoas, foi realista e sem bravatas. Evitou atacar o Brasil e centrou fogo na Colômbia e nos EUA. Quer ajuda humanitária, mas de organismos multilaterais. O restante, pagará pelo que vier, em operações comerciais normais. E deu concretude ao que Chávez e ele próprio bradam há duas décadas: o Império quer mesmo invadir a Venezuela.

5. O presidente venezuelano obteve algo raro: união nacional contra o inimigo externo. Destravou o impasse que já durava um mês. É bem provável que se convocar agora um referendo revogatório de seu mandato, será vitorioso com boa margem.

6. A crise econômica não foi vencida. Há uma situação emergencial, em meio ao embargo econômico que rouba recursos legítimos do país. Mas as prateleiras dos mercados estão cheias de produtos iranianos, turcos e russos. A perspectiva de superação mostra-se difícil, mas – pelos relatos de quem está em Caracas – não há um clima de desespero geral na capital, como alardeado até semanas atrás. O principal sinal é que cessaram as coberturas da mídia corporativa sobre busca insanas da população por mercadorias, a começar por papel higiênico.

7. Como diria Hugo Chávez, há uma vitória a ser comemorada, “por enquanto”.

Um ponto a mais deve ser levantado. Tirando a vitória de Manuel López Obrador, no México em julho passado, a esquerda latino americana não tinha boa notícia assim há anos.

Não é pouca coisa, gente…

(Partes deste texto se originam de conversas com Artur Araújo, sempre esclarecedoras para mim. As possíveis bobagens ditas aqui correm inteiramente por minha conta)


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Gilberto Maringoni

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