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Sistema Nacional de Aposentadoria do Peru completa 50 anos sob ofensiva do setor privado

Apesar dos ataques, desgarramentos e latrocínios a que foi sistematicamente submetido, projeto tem cumprido os fins para os quais foi criado
Jorge Rendón Vásquez
Diálogos do Sul
Lima

Tradução:

O Decreto Lei 19990, pelo qual se criou o Sistema Nacional de Aposentadoria no Peru, foi aprovado em 24 de abril de 1973 para outorgar aposentadorias por velhice, invalidez e sobreviventes e entrou em vigência em 1º de maio de 1973. 

Cobria o conjunto de trabalhadores sujeitos ao regime trabalhista da atividade privada e o regime dos trabalhadores da administração pública não compreendidos no Decreto Lei 20530.

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E, desde então, não tem completado só anos. Apesar dos ataques, desgarramentos e latrocínios a que foi sistematicamente submetido tem cumprido os fins para os que foi criado. 

A Oficina Manzanilla da Universidade Nacional Maior de San Marcos organizou um ato recordatório deste aniversário no qual participaram vários de seus membros e professores convidados. 

O contexto político e econômico do qual emergiu o Sistema Nacional de Aposentadoria foi o propósito do governo revolucionário do general Juan Velasco Alvarado para impulsionar uma economia capitalista intervenida pelos Estados para colocar nosso país no caminho de desenvolvimento e da distribuição da riqueza criada. 

Portanto, dois foram seus eixos fundamentais: 1) a abolição do sistema feudal herdado dos tempos da dominação hispânica com uma reforma agrária radical que entregasse a terra aos camponeses; e 2) a transferência de uma parte do calor criado pelo trabalho aos trabalhadores mediante três grupos de dispositivos: a participação nos lucros das empresas para sua conversão em títulos de propriedade delas e como renda pessoal; a estabilidade no trabalho e outros dispositivos trabalhistas, posto que, sendo o trabalho o fator criador da riqueza, a permanência no emprego e a condição dos trabalhadores não devem estar ao arbítrio muitas vezes abusivo dos empresários; e as normas da Seguridade Social para assegurar ao trabalhador e a quem depende dele os serviços de saúde e a renda necessário para sua vida quando ele se retire do trabalho.

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O delineamento da comunidade laboral foi um aporte de Virgilio Roel Pineda, professor da Universidade de San Marcos, que o ministro da Indústria, contra-almirante Jorge Dellepiane, secundou com entusiasmo e formou parte da Lei Geral de Indústrias de 27 de julho de 1970. As disposições trabalhistas e de Seguridade Social foram propostas e elaboradas pelo autor desde 1970 até março de 1975. Como as outras normas aprovadas neste período, o general José Graham Hurtado – chefe do Comitê de Assessoramento da presidência da República, um corpo de coronéis que preparava o despacho do Conselho de Ministros – corrigiu e tramitou os correspondentes projetos. 

A base financeira do Sistema Nacional de Aposentadoria foi o sistema de reparto, complementado com o sistema de primas escalonadas. Os estudos matemáticos atuariais, sem os quais nenhuma norma de Seguridade Social pode ser colocada, estiveram a cargo do professor da Universidade de San Marcos José Domingo Gómez Sánchez e do conselheiro da OIT e professor da Universidade de Friburgo, Peter Tullin. A articulação do projeto do Sistema Nacional de Aposentadoria foi revisada pelo Diretor de Seguridade Social da OIT, Antonio Zelenka. 

Pelo sistema de reparto, a soma reunida pelas cotizações correspondentes aos trabalhadores compreendidos no sistema deveriam ser aplicadas para pagar as aposentadorias dos trabalhadores aposentados, inválidos e seus dependentes por direito; e pelo sistema de prima escalonada as taxas de cotização deviam variar, para menos ou para mais, segundo os egressos em aposentadorias do sistema. Havia sido previsto que durante os primeiros anos de funcionamento do Sistema seus recursos seriam superiores aos seus gastos devido a que as somas pagas à massa de aposentados seria inferior à quantidade a ser arrecadada; isto porque demograficamente os aposentados seriam poucos em relação à massa que trabalhava. A soma que excedesse aos egressos por aposentadorias e gastos da administração deveria ser investida em valores que rendessem um ingresso que deveria aumentar os recursos do Sistema para contribuir ao pagamento das aposentadorias dos aposentados no futuro quando a quantidade deles se incrementasse. Também havia sido previsto que as taxas de cotização iriam aumentar, segundo os requerimentos do Sistema.

Apesar dos ataques, desgarramentos e latrocínios a que foi sistematicamente submetido, projeto tem cumprido os fins para os quais foi criado

Andina
Aposentados do Peru. Em 1991, Fujimori expediu decreto que criava aposentadoria aos moldes do modelo de Pinochet, no Chile

Os empregadores pagariam 2/3 da cotização e os trabalhadores 1/3 (depois de algum tempo foi fixado em 6% das remunerações o aporte dos empregadores, e em 3% o dos trabalhadores). Tanto as cotizações dos empresários como as dos trabalhadores formam parte do custo de bens e serviços produzidos e se transferem ao preço destes que pagam os consumidores e usuários. Apartou-se o Estado de pagar uma parte da cotização, porque para isso teria tido que empregar uma parte dos recursos arrecadados com tributos, o que implicava chegar ao mesmo resultado dando uma desnecessária volta. Além disso, sendo o Estado o maior empregador, era mais conveniente que pagasse só as cotizações correspondentes aos seus trabalhadores. 

O Sistema Nacional de Aposentadoria funcionou como se havia previsto até julho de 1980. Depois, os governos de Fernando Belaúnde de Acción Popular e do Partido Popular Cristiano até 1985, do Apra entre 1985 e 1990 e de Alberto Fujimori entre 1990 e 2000, o pilharam em todas as formas, utilizando seus ingressos nos gastos correntes do Estado e para meter no bolso, e permitindo que o Ministérios de Economia e Finanças não pagasse as cotizações dos trabalhadores do Estado nem as que lhe correspondia aportar. 

Então, o governo de Fujimori, em dezembro de 1991, quando era ainda constitucional, expediu o Decreto Legislativo 724, pelo qual criou o Sistema Privado de Aposentadoria, reproduzindo o modelo chileno de Pinochet, cujo objetivo era liquidar o Sistema Nacional de Aposentadoria. Esta disposição, como as de precarização da legislação trabalhista e de privatização das empresas estatais, foi autorizada alegremente por todos os grupos representados no Congresso da República, incluídos os dos chamados esquerdistas que comandavam Alfonso Barrantes Lingan e Henry Pease.

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Mas como o Decreto Legislativo 724 só poderia ser aplicado depois de regulamentado, utilizou este lapso para submeter a uma crítica radical o Sistema Privado de Aposentadorias, atitude que concitou a atenção dos trabalhadores, de suas organizações sindicais e de um grupo de professores e advogados trabalhistas. O resultado foi que o governo de Fujimori não pôde emitir a regulamentação e, como o tempo, se lhe acabava pela censura da OEA e a exigência da convocatória de eleições para uma assembleia constituinte, quase na última hora, em novembro de 1992 expediu o Decreto Lei 25897, criando Sistema Privado de Aposentadorias.

A condição da existência deste novo sistema, que não esteve respaldado por cálculos matemáticos atuariais, foi o desmantelamento do Sistema Nacional de Aposentadoria, para o qual se acudiu a três medidas principais: 

1 – Se dispôs que os afiliados a este que se passassem ao sistema privado deveriam receber um “bônus de reconhecimento” de aportes que deveria ir ao Sistema Privado que escolhessem. Isto era absurdo, porque, sendo a base do Sistema Nacional o sistema de reparto, não era possível que cada afiliado tivesse acumuladas duas cotizações, já que elas integravam a soma global gasta mensalmente no pagamento de aposentadorias. Em outras palavras, não havia com que pagar esse bônus de reconhecimento. Mas o governo o faz, desbancando a soma conformada pelos aportes mensais dos afiliados.

2 – Foi elevado o tempo mínimo de cotização para perceber uma aposentadoria de 15 anos para homens e 12,5 às mulheres e 20 anos para ambos com retroatividade, o que deu lugar a longos processos judiciais para obter a aposentadoria. 

3 – Foi optado como política que os empresários, ao tomarem novos trabalhadores, exigissem a eles a afiliação a uma Agência Privada, sob pena de não os contratar ou de despedi-los dentro do período de experiência. Deste modo, muitos trabalhadores foram para o Sistema Privado.

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O que nunca disseram os promotores do Sistema Privado é que este é uma maneira de extrair recursos dos trabalhadores para investi-los em atividades econômicas. Não interessam os trabalhadores em si nem suas remunerações quando se aposentem. Se os valores, bônus e outros ativos que fossem comprados com suas cotizações poderiam ser vendidos e pagos até que esgotem as somas que tivessem aportado mais os rendimentos, se os houvesse. Se o preço desses valores e bônus se reduz e cai até ser nada, pois lhes devolverão nada. 

Em julho de 1995, pela lei 26504, se dispôs que o aporte ao Sistema Nacional de Aposentadoria deveria ser 13% da remuneração a cargo exclusivo do trabalhador. Isso para evitar que o Estado pagasse como empregador as cotizações por seus trabalhadores e para que, pela via do bônus de reconhecimento e aportes, o Estado não transferisse recursos para as Agências Privadas. 

Agora, alguns interessados na promoção das agências privadas voltaram às andas para destruir o Sistema Nacional e Aposentadoria, empregando um grupo de congressistas para tirar as castanhas do fogo. Lhes encarregaram, não se sabe em troca de que, de tramitar um projeto de lei de aposentadorias, é claro, sem consultar os afiliados a este e prescindindo do que é elementar em matéria de seguros sociais: os cálculos matemáticos atuariais.

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Não é demais recordar que “os fundos e as reservas da seguridade social são intangíveis” (Constituição, art. 12º) e que, portanto, não podem ser convertidos em “bônus de reconhecimento”. Além disso, “O Estado garante o livre acesso a prestações de saúde e aposentadorias, através de entidades públicas, privadas ou mistas.” (Constituição, art. 11º). Este livre acesso é um direito dos trabalhadores, que se faz tangível com a opção de ficar no Sistema Nacional ao qual se deve restituir a outorga de direitos tão importante como a aposentadoria máxima equivalente a 80% da última remuneração de referência, máxima se ao trabalhador se desconta 13% de sua remuneração total.

Se deve agregar, como questão prévia, a prestação de contas que deveria fazer o Ministério de Economia e Finanças e os encarregados da ONP pelos aportes que foram pagos ou que deveriam ter sido pagos desde 1980, para estabelecer como e em que se gastaram – e para que os devedores paguem o que devem, já que estas cotizações são imprescritíveis por uma norma do Decreto Lei 19990, em vigor. 

Não chama a atenção já em nosso país a indiferença das classes trabalhadoras sobre este assunto, o que leva a pensar que só esperam que se lhes dê caritativamente algo. Por esta atitude e outras semelhantes, estas classes se desqualificaram como fator de mudança em nosso país. Talvez depois, alguns grupos cheguem à condição de assumir uma ideologia de transformação factível e não fantasiosa. Nem sequer se interessam pelos grandes protestos dos trabalhadores franceses e uruguaios em defesa de seu direito à aposentadoria que certos legisladores querem arrebatar-lhes. 

Jorge Rendón Vásquez | Colaborador da Diálogos do Sul em Lima, Peru.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Jorge Rendón Vásquez Doutor em Direito pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos e Docteur en Droit pela Université de Paris I (Sorbonne). É conhecido como autor de livros sobre Direito do Trabalho e Previdência Social. Desde 2003, retomou a antiga vocação literária, tendo publicado os livros “La calle nueva” (2004, 2007), “El cuello de la serpiente y otros relatos” (2005) e “La celebración y otros relatos” (2006).

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