De maneira paralela aos efeitos da Covid-19, uma das consequências do confinamento obrigado é o incremento de atos de violência contra crianças e mulheres. No entanto, as agressões perpetradas desde o machismo e a misoginia constituem uma conduta normalizada a partir de uma educação com viés sexista e um sistema que ampara os agressores por uma visão deformada da justiça; portanto – embora esta pandemia tenha piorado a situação – essas condutas sempre existiram.
Os exemplos abundam, mas nem assim chegam à consciência da sociedade, uma vez que esta ainda considera a violência machista como “um assunto privado” e vira a cara para não saber.
Nesta luta sem trégua, empreendida por quem compreende cabalmente qual é o alcance dos estereótipos inseridos na consciência coletiva, as iniciativas por uma mudança de paradigmas se chocam contra a indiferença de uma sociedade convencida de que a repartição de poder é um assunto fechado.
De modo instintivo adjudicam a autoridade naqueles que têm concentrado o controle sobre diferentes aspectos da vida econômica, política e social, sem parar para pensar na desigualdade implícita nesse sistema que margina os direitos de mais da metade da cidadania.
Revista Lema
Os níveis de impunidade em crimes de feminicídio, portanto, reafirmam a desproteção das mulheres ao não serem castigados
Os esforços por transformar as bases sobre as quais se erige todo um estilo de vida, não costumam ser bem-vindos quando ameaçam derrubar tudo o conjunto de estereótipos, normas e formas de relação entre sexos.
Tampouco é fácil alcançar conquistas sobre a necessidade de fortalecer o sistema de justiça, em cujos âmbitos se costuma selar o destino das vítimas de violações, agressões e assassinatos, dando-se por sentado a existência de uma causal que exime o vitimador e também uma culpa que justifica a agressão contra a vítima.
Os níveis de impunidade em crimes de feminicídio, portanto, reafirmam a desproteção das mulheres ao não serem castigados.
Para começar a transformar as relações humanas, primeiro é preciso derrubar uma sólida estrutura de valores e normas definidas a partir de uma masculinidade mal entendida, a qual privilegia o poder sobre o equidade. Impressa em códigos e doutrinas religiosas desde sempre e em todo o mundo, se impôs uma hierarquia ilegítima, cujo principal propósito tem sido manter a jurisdição sobre a condição feminina de reprodutora da espécie e, para isso, restar-lhe toda possibilidade de independência e exercício de sua plena liberdade.
Assim, inclusive nas sociedades mais desenvolvidas do planeta, para eliminar restrições sobre o direito da mulher sobre assuntos relacionados com seu corpo e sua vida, os resultados dessas batalhas têm apenas meio século.
A situação de vulnerabilidade de crianças e mulheres no contexto da atual pandemia, portanto, reside nas limitações impostas pelos códigos estabelecidos para a conformação da família e sua repartição de poderes.
Milhões de mulheres, privadas do direito de gozar de iguais direitos que seu companheiro tanto no aspecto econômico como pelos vieses legais do contrato matrimonial ou de convivência, estão sujeitas a tolerar uma relação de violência que em muitos casos acaba com a morte.
Neste cenário de pandemia sobre pandemia, o papel das instituições – incluída a imprensa- deve ser assumir a responsabilidade de velar pela segurança de crianças e mulheres, abolindo de passagem os paradigmas do injusto e mal concebido sistema patriarcal.
As instituições devem velar pela segurança dos mais vulneráveis.
Carolina Vásquez Araya, Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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